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Resposta ao Estadão Verifica: o carro movido a água

Prezado Professor Fernando Lang da Silveira,

Sou jornalista, trabalho para o Estadão Verifica, setor de checagem do jornal O Estado de São Paulo. Estou apurando este post: https://www.tiktok.com/

Sei que é falso. Gostaria de te fazer algumas perguntas para o artigo:

1- É fisicamente possível existir um veículo movido a água?
2- De onde vem a energia dos carros movidos a hidrogênio?
3- Por que um carro movido a hidrogênio é possível e um veículo movido a água é impossível?
4- Se possível proponha uma hipótese científica que aponte os “truques” mostrados no vídeo (como a garrafa com líquido rosa borbulhando um gás aparentemente inflamável)
5- Adicionalmente, fique a vontade para apontar qualquer outra incoerência científica no vídeo.
Muito obrigado,
LF
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - IF-UFRGS

De onde vem a energia dos carros movidos a hidrogênio?

Carros movidos a hidrogênio podem operar com célula de combustível que aciona um motor elétrico ou por queimar hidrogênio em um motor convencional (semelhante aos motores que usam, gasolina, álcool, GNV, …). Vou me deter especificamente nos motores convencionais pois é neles que supostamente acontece o milagre do “carro movido à água”.

A energia é originalmente energia química contida no hidrogênio e no oxigênio (ou em algum outro oxidante). Quando o hidrogênio é queimado (isto é, reage com oxigênio), é liberada a energia química, produzindo aquecimento e elevação da pressão dentro do cilindro do motor, finalmente se transformando em energia mecânica que move o automóvel.  Ou seja, o processo de liberação de energia pelo hidrogênio é semelhante ao de outros combustíveis, embora seja maior do que o do diesel, da gasolina, do álcool, do GNV … . Se compararmos a mesma massa de gasolina e hidrogênio, a quantidade de energia liberada na combustão é cerca de três vezes menor para a gasolina do que o hidrogênio.

É fisicamente possível existir um veículo movido a água?

A água por si só não pode ser usada como geradora de energia em motores de automóveis. A água é o que resta da queima do hidrogênio e portanto a energia que estava disponível antes da queima não mais está na água. Utilizar água para mover o automóvel é algo tão estapafúrdio quanto utilizar os resíduos da queima da gasolina (que também contém água entre outras substâncias) para tal objetivo.

Por que um carro movido a hidrogênio é possível e um veículo movido a água é impossível?

É possível usar o hidrogênio como combustível quando ele não está ligado ao oxigênio e como notado anteriormente, a energia é liberada se esta ligação acontecer, transformando as duas substâncias (hidrogênio e oxigênio) em uma nova substância (a água) que não mais armazena a energia que estava disponível anteriormente.

Se possível proponha uma hipótese científica que aponte os “truques” mostrados no vídeo (como a garrafa com líquido rosa borbulhando um gás aparentemente inflamável).

Não há truque. O que acontece naquela garrafa é o borbulhamento do hidrogênio obtido da eletrólise da água no reator elétrico. Entretanto não é água pura usada na eletrólise mas água com alguma outra substância, chamada eletrólito (por exemplo um ácido), que pela passagem de uma corrente elétrica separa o hidrogênio do oxigênio, ambos sendo liberados como gases. Naquela garrafa borbulham os gases que resultaram da eletrólise e que então podem ser queimados.

A empulhação acontece quando se desconsidera que para produzir o hidrogênio via eletrólise deve-se investir energia elétrica e que a quantidade de energia investida sempre será maior do que a quantidade de energia obtida na queima do hidrogênio. 

Outro aspecto importante é que a energia elétrica obtida do alternador (que é o gerador de energia elétrica no automóvel) decorre da energia mecânica do motor e esta tem origem na queima de combustível convencional (gasolina, álcool, GNV, …). Ou seja, queima-se gasolina para produzir energia elétrica que então é utilizada na separação do hidrogênio e oxigênio da água. Depois queima-se o hidrogênio dentro do motor para obter energia mecânica novamente. A quantidade de energia mecânica obtida da queima do hidrogênio é menor do que aquela que foi obtida da gasolina para gerar o hidrogênio. Ou seja, não se economiza gasolina usando gasolina para gerar hidrogênio que depois é usado como combustível.

Finalmente, aqui um teste muito bem realizado e que demonstra não acontecer o prometido pelo fabricante do gerador de hidrogênio: Teste do gerador de hidrogênio.

Outras postagens tratando do mesmo tema:

Carro movido a água: milagre ou empulhação?

Ainda sobre a empulhação do automóvel tupiniquim “movido a água” 

Vide também Carro movido a água.

“Docendo discimus.” (Sêneca)

 

 

 

 


9 comentários em “Resposta ao Estadão Verifica: o carro movido a água

  1. Muito bom professor Fernando Lang. Ainda tem gente que caí nesse golpe. ?

  2. Jorge Barreto disse:

    Em 1978, antes de ter ouvido de alguém sobre utilizar hidrogênio por meio de eletrólise, pensei nessa possibilidade. Fiz pesquisas para viabilizar a ideia. Criei um gerador de hidrogênio e coloquei um motor para funcionar 100% a hidrogênio. O sistema usava a rede elétrica residêncial como fonte de energia, mas logo vi que não seria viável produzir a energia necessária no próprio veículo pelo alto consumo de corrente.
    Um outro problema que surgiu foi que o motor superaquecia.
    Minhas pesquisas pararam por ai, mas não discarto que algum dia seja possível decompor a água com pouco gasto de energia. É possível utilizando ácido e alumínio, o problema é ser instável.
    Quanto a utilizar água diretamente, lembre que toda matéria queima dependendo da temperatura. No caso a água se decompõe a 1200°c sendo que o hidrogênio entra em combustão a 200°c. O que falta é uma tecnologia para elevar vapor de água a 1200° dentro da câmara de explosão 🙂

    • Fernando Lang disse:

      A termólise da água a 2200°C acontece com apenas 3% das moléculas de água. Adicionalmente, mesmo que se pudesse fazer a termólise da água, o investimento energético para tal não será compensado pela energia liberada posteriormente na queima do hidrogênio.

    • Gustavo disse:

      Não tem almoço grátis na natureza. Novas tecnologias e catalisadores podem sim aumentar a viabilidade dos processos, mas não têm como reduzir a diferença de energia entre reagentes (água) e produtos (H2 e O2).

  3. Riquelmi disse:

    Boa tarde, teria materiais (artigos, livros) que falem sobre o tema, além dos já citados?

    • Fernando Lang disse:

      Especificamente sobre o “carro movido a água” é quase impossível encontrar literatura científica. Tão impossível quanto encontrar literatura científica sobre fadas, duendes, cavalos com asas, lobisomens …

  4. Lauro Becker disse:

    Infelizmente, a obviedade das informações aqui colocadas, não fazem o menor sentido para pessoas com menor ou nenhum conhecimento básico de Física e Química, que também acreditam em “Energia infinita e grátis”, abundantemente disseminadas na web.
    Particularmente, tenho fé de que a energia eólica venha a ser uma maneira um tanto mais “barata” de se conseguir energia elétrica, e quem sabe, gerar hidrogênio “verde”, não só para automóveis, mas para uso industrial e doméstico.
    Mas também acho que qualquer um que tenha uma mente aberta, deve esperar que apareça de uma hora para outra uma tecnologia revolucionária para obtenção de energia mais barata e limpa.

  5. Paulo Salgado disse:

    Nesse artigo ou post, não foi considerada a expansão dos gases em mistura, foi considerado o ponto de vista energético mas esse não é o motivo pelo qual se recupera a energia investida, na verdade as perdas não são recuperadas na conversão, não é esse o objetivo. A recuperação se dá pela melhora da queima da gasolina através do fator oxigênio puro e a alteração da estequiometria na queima. Existem muitos artigos em diversas universidades mostrando os ganhos mínimos de 25 a 40%, pesquisem e encontrarão, existem muitas publicações internacionais a respeito, confirmando o que estou colocando aqui. É fato que não existe carro a água pelos motivos descritos no post, mas como aditivo de queima a mistura HHO pode e deve ser usada como meio de reduzir os níveis de emissões acima de 90% e propiciar ganho na queima de mais de 40% em recuperação de eficiência. Nâo aceitem o que falam, busquem os documentos, não deixem eles te cegarem. O processo de uso de hidrogênio não é tão simplório como afirmam os espertalhões mas não é fake como afirmam os “engenheiros” que desconhecem sobre eficiência e sobre o processo. EXISTEM DOCUMENTOS (MUITOS) COMPROVANDO que o que foi afirmado acima está equivocado.

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