Pressão atmosférica na mitológica Terra Plana
3 de setembro, 2023 às 20:06 | Postado em Atmosfera, Mítica Terra Plana, Mitos, empulhações, notícias falsas
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - IF-UFRGSRecentemente, o número de terraplanistas vem aumentando exponencialmente, e me veio uma dúvida relacionada à física da pressão atmosférica.
Esse é o modelo no qual eles acreditam. Notem que um há um domo por volta de toda a Terra. Quais seriam os problemas com a pressão atmosférica, sabendo que há um recipiente totalmente selado envolvendo-a? Consegui pensar em poucos, como, por exemplo:
- Gradiente atmosférico: sabendo que no “modelo” deles a gravidade não existe (tsc) faria sentido termos um gradiente atmosférico da maneira que temos na vida real?
- Teria algum nexo o fato de que a pressão diminui com a altitude, sendo que a área do recipiente vai ficando cada vez menor?
Existe mais algum problema com essa ideia? Se sim, qual?
Responder sobre a mitológica Terra Plana (TP) sempre é muito divertido além de oportunizar a discussão de tópicos de ciência em oposição ao delírio negacionista dos terra-chatos.
O fato de existir um domo cobrindo o mitológico mundo chato e o Sol estar dentro do domo (conforme se observa na figura 1) tem uma implicação terrível discutida na postagem Insolação na Terra Plana: forno para cozinhar terraplanistas!
Já que existe uma atmosfera sobre a TP e sob o domo – melhor seria chamar o gás preso dentro do domo de atmosplana ao invés de atmosfera 🙂 – e os terra-chatos, como bem foi destacado pelo perguntante, negam a existência da gravidade, o ar deveria se apresentar com uma densidade independente da altitude. A existência de um campo de gravidade sobre um fluido determina que a pressão aumente preferencialmente na direção e sentido desse campo, isto é, aumente ao longo de deslocamentos verticais para baixo.
Desde 1648, como resultado dos experimentos do Puy de Dôme (montanha na França), local do teste da “hipótese do oceano de ar de Blaise Pascal”por Florin Périer (cunhado de Pascal), sabe-se que a pressão atmosférica diminui e, em consequência, a densidade atmosférica também diminui conforme a altitude aumenta. Florin ao subir cerca de 1.000m na montanha, constatou que a coluna de seu barômetro de mercúrio diminuiu em aproximadamente 8,5cm; portanto a pressão atmosférica no topo do Puy de Dôme era menor do que no pé da montanha, corroborando assim a “hipótese do oceano de ar”.
Entretanto, inexistindo a gravidade (conforme afirma a mitologia TP), não existiriam essas mudanças de pressão e densidade do ar que são observadas no mundo real desde o século XVII.
Cabem aqui dois comentários:
1- A tentativa de explicar a gravidade como um efeito não-inercial por estar a TP misteriosamente acelerada a 9,8m/s2 em relação a um sistema inercial externo a ela não pode ser mantida pelas razões discutidas em Seria a mítica Terra Plana um Elevador de Einstein?
2- As mudanças de densidade na atmosfera exclusivamente devido ao conhecido gradiente vertical de temperatura de -6,5°C/km (a temperatura da atmosfera diminui cerca de 6,5°C conforme a altitude aumenta por 1km) implica em um pequeno aumento da densidade com a altitude quando de fato a densidade diminui pois o efeito da pressão é preponderante sobre o da temperatura. Tal foi discutido em Sobre a influência da temperatura na densidade da atmosfera.
Finalmente a resposta à pergunta: Teria algum nexo o fato de que a pressão diminui com a altitude, sendo que a área do recipiente vai ficando cada vez menor?
Para a pressão diminuir com a altitude a forma do recipiente que contém o gás é irrelevante. Na ausência de gravidade, em acordo com o delírio terraplanista, o gás ocuparia todo o volume interno ao domo e quando o equilíbrio termodinâmico vigorasse a pressão seria a mesma em todas as regiões do gás. Sem gravidade, se houver diferenças de pressão entre dois pontos do gás, o gás sofrerá uma aceleração orientada da região de pressão maior para a região de pressão menor.
Outras postagens envolvendo a atmosfera no mundo mitológico chato: Atmosfera – Terra Plana.
“Docendo discimus.” (Sêneca)