Por que as nuvens não caem?
5 de abril, 2024 às 14:28 | Postado em Atmosfera, Mecânica de fluidos
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - IF-UFRGSProfessor Lang, boa noite!
Parece existir um erro importante neste vídeo do Domingos Santos Neto: As Nuvens São Mais Leves Que o Ar.
Como as nuvens podem ser mais leves (menos densas) do que o ar se elas são constituídas por gotículas de água líquida ou sólida e ar? A situação é deplorável pois Sérgio Sacani ao entrevistar o Domingos concordou que as nuvens flutuam no ar por serem menos densas que o ar.
O senhor poderia comentar sobre isto? Agradeço antecipadamente.
A densidade das nuvens é maior do que a do ar (na região onde elas existem) pois são constituídas por pequenas gotículas de água líquida ou sólida no ar. Entre as partículas de água sólida ou líquida existe ar e por isso, mesmo que o volume da nuvem seja enorme, a densidade desse sistema todo (ar mais água líquida ou sólida) é maior do que a do ar naquela região.
É importante notar que o vapor de água no ar é invisível! É somente quando o ar se satura de água, quando começa a condensação da água no ar, quando já existem partículas de água líquida (ou até sólida na forma de pequeníssimos cristais de gelo) em suspensão é que podemos perceber a água no ar, que podemos ver nuvens.
A visibilidade da água no ar (partículas de água liquida ou sólida) se deve a que partículas com dimensões maiores que o comprimento da luz branca que as ilumina produzem espalhamento (scattering) não preferencial de toda a luz branca. Quando isso acontece vemos no ar uma “fumaça”, neblina, nevoeiro ou cerração cinza ou esbranquiçada.
Assim sendo a parte visível das nuvens é água que já não mais se encontra no estado de vapor.
De fato a água líquida ou sólida cai através do ar PARADO pois é mais densa do que o ar. Entretanto quando um corpo cai através do ar, finalmente atinge uma velocidade constante (velocidade terminal) quando a força de resistência (arrasto) do ar no corpo se iguala ao peso do corpo. Galileu no século XVII já compreendia qualitativamente o papel da força de resistência do ar na queda dos corpos (vide as postagens Galileu1 e Galileu2)
A velocidade terminal de uma partícula de água no ar depende do seu tamanho: quanto menor, menor será a velocidade terminal. As partículas de água líquida ou sólida nas nuvens tem dimensão da ordem de alguns milésimos de milímetro, atingindo velocidades terminais extremamente baixas.
Então se a atmosfera na região onde vemos as nuvens fosse estática, a nuvem muito lentamente estaria descendo. Entretanto na atmosfera ocorrem correntes ascendentes de convecção que podem superar a velocidade terminal das gotículas, fazendo-as “flutuar” no ar.
O entendimento de que nuvens são constituídas por partículas mais densas do que o ar em constante queda em relação ao ar e de que correntes ascendentes de ar suspendem tais partículas remonta a meados do século XIX com James Pollard Espy (1785–1860).
Para mais detalhes sobre a microfísica das nuvens sugere-se consultar o capítulo 6 do livro (disponível gratuitamente em pdf) Atmospheric Science An Introductory Survey J. Wallace, P. Hobbs ( Elsevier, 2006).
Finalmente quero deixar claro que os vídeos do Domingos Santos Neto são, de um modo geral, excelentes e que este equívoco em nada desmerece o conjunto do seu esforço em bem divulgar o conhecimento científico.
“Docendo discimus.” (Sêneca)
Professor, mas não é verdade que já mediram a densidade média de uma nuvem através de satélites e radares, e descobriram que a densidade dela era se não me engano mil vezes menor do que a do ar ao nível do mar? Tinha a ver pois a água líquida e os cristais de gelo na nuvem são muito pequenas e espaçadas entre si, gerando muito volume. Só uma pergunta genuína
A água líquida e os cristais de gelo na nuvem são muito pequenas e espaçadas entre si, gerando muito volume. É verdade mas o que existe entre essas partículas sólidas e líquidas?
A densidade medida é da parte líquida ou sólida de uma nuvem. Entre as partículas de água sólida ou líquida continua existindo ar.
Finalmente, não há sentido em comparar a densidade do ar aqui embaixo com a densidade do ar na altitude da nuvem para decidir se a nuvem “flutua” ou não.