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Lançamento vertical para baixo com rapidez superior à velocidade terminal

Como se comporta um corpo, suponhamos esférico, quando lançado verticalmente para baixo com velocidade inicial maior que a velocidade terminal?

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - IF-UFRGS

Quando um corpo cai sem alteração no valor da sua velocidade em relação ao ar – atingindo portanto a velocidade terminal – o somatório das forças sobre ele é nulo. As forças exercidas sobre o corpo que desce através do ar são: o peso do corpo –  orientado verticalmente para baixo, a força de empuxo arquimediano  e a força de arrasto ar – ambas orientadas verticalmente para cima.

Se o valor da velocidade de descida é maior do que o valor da velocidade terminal, a força de arrasto somada ao empuxo resulta em uma força com intensidade maior do que a do peso pois a força de arrasto cresce com o valor da velocidade do corpo em relação ao ar.

Portanto quando o corpo desce com velocidade maior do que a terminal, a resultante das forças é vertical e para cima e esta será também a orientação da aceleração do corpo. Desta forma o corpo continua descendo mas com velocidade que se reduz em valor, ou seja, apesar de o corpo estar descendo ele é freado e sua velocidade está diminuindo em valor, tendendo assintoticamente à velocidade terminal.

O entendimento conceitual e qualitativo do que acontece com um corpo lançado no ar, para baixo, com velocidade maior do que o da velocidade terminal já está posto por Galileu em seu derradeiro livro de 1638, Discorsi e dimostrazioni matematiche, intorno à due nuove scienze, conforme o diálogo abaixo entre Simplício e Salviati – retirado de [1] – demonstra:

Simplício – Desejaria muito ouvir a razão pela qual V.Sª. distingue os projéteis movidos pelo ímpeto do fogo, ou seja, pela força da pólvora, de outros projéteis que se lançam com fundas, arcos ou balestras, ao pretender que não estão sujeitos da mesma maneira à alteração da resistência do ar.

Salviati – Sou conduzido a isso pela violência excessiva e, por assim dizer, sobrenatural, com a qual tais projéteis são lançados, pois parece que a velocidade, com a qual o projétil é lançado por um mosquete ou por uma peça de artilharia, pode, sem hipérbole, ser chamada de sobrenatural. De sorte que, se um projétil descesse naturalmente pelo ar de uma altura imensa, sua velocidade, devido à resistência do ar , não aumentaria constantemente, e assim, aquilo que vemos acontecer nos corpos menos pesados quando caem por uma distância pequena, a saber, que seu movimento se reduz a um movimento uniforme, acontecerá também, após uma descida de algumas milhares de braças, para uma bola de ferro ou de chumbo. Esta velocidade limite final, pode-se afirmar, é a máxima que naturalmente pode alcançar esse grave no ar; e, estimo que tal velocidade é muito menor que aquela que se imprime a mesma bola por meio da queima da pólvora. Uma experiência apropriada pode servir aqui de testemunho. Disparemos com um arcabuz de uma altura de cem ou mais braças uma bola de chumbo verticalmente para baixo sobre um pavimento de pedra e, com a mesma arma, atiremos contra uma pedra semelhante a uma distância de uma ou duas braças e vejamos depois qual das duas bolas ficou mais amassada;  se a bala que vem do alto estiver menos amassada que a outra, isso indicará que o ar terá impedido e diminuído a velocidade que lhe foi conferida pelo fogo no princípio do movimento e, que, consequentemente, o ar jamais lhe permitiria adquiri uma velocidade tão grande, por maior que fosse a altura da qual vinha; pois, se a velocidade que lhe foi imprimida pelo fogo não superasse  aquela que poderia alcançar por si mesma caindo naturalmente, o impacto contra o solo deveria então, ser antes maior do que menor. Não realizei tal experimento, mas estou inclinado a acreditar que uma bala de arcabuz ou de artilharia, caindo de uma altura tão grande quanto se queira, não produzirá o mesmo impacto que faz numa muralha a uma distância de poucas braças … ([1], p. 255-256, grifos nossos)

Para uma discussão sobre o fato de a velocidade terminal de um corpo não ser necessariamente única vide o artigo de Carlos Eduardo Aguiar e Gustavo Rubini  A CRISE DA VELOCIDADE TERMINAL.

Outras postagens relacionadas à velocidade terminal aqui.

REFERÊNCIA

[1] Galileu Galilei. Duas Novas Ciências. São Paulo, Nova Stella, 1988

“Docendo discimus.” (Sêneca)

 


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