Eclipse solar: trajeto da sombra da Lua

1 de novembro, 2023 às 10:30 | Postado em Astronomia, Forma da Terra, Gravitação

Professor Lang

O sentido do caminho da sombra do eclipse do dia 14/10/24  foi aproximadamente do noroeste para sudeste como se pode ver em muitos sites. Eu compreendo que o caminho tenha uma componente na direção norte-sul pois a órbita da Lua é inclinada em relação ao plano equatorial da Terra e ao plano da eclíptica mas não consigo explicar a razão de ir em sentido contrário ao movimento da zona de crepúsculo (terminador) na Terra que anda de leste para oeste.  Espero ter sido entendido em minha dúvida e lhe agradeço se puder me esclarecer. Aproveito para contar que uso constantemente o Pergunte ao CREF em minha aulas. Saudações

 

De fato a sombra da Lua durante um eclipse solar tem uma componente de seu deslocamento na superfície da Terra de oeste para leste enquanto a linha que separa o dia da noite anda de leste para oeste.

A figura 1 apresenta nove fotos obtidas pelo satélite geoestacionário GOES-13 durante o eclipse solar de 14/10/2023. As fotos estão numeradas em acordo com a ordem temporal em que foram obtidas. Verifica-se nesta sequência que a sombra da Lua se desloca com componentes no sentido norte-sul e oeste-leste.

Da mesma forma a figura 2, que representa a previsão do caminho da sombra segundo o Time and Date, mostra um trajeto com componentes norte-sul e oeste-leste.

A seguir será dada uma explicação qualitativa e simplificada para o fato aparentemente  estranho de que a umbra da Lua  caminha de oeste para leste enquanto a própria Lua e o Sol andam de leste para oeste no sistema de referência da Terra. Nas próximas figuras as dimensões e as distâncias NÃO representam o sistema Terra-Lua-Sol em escala, desconsiderando também as inclinações da órbita da Lua e do eixo de rotação da Terra em relação ao plano de eclíptica, servindo apenas como uma ilustração didática dos fatos necessários ao entendimento do “misterioso” comportamento da sombra da Lua se mover em sentido contrário (oeste-leste) ao sentido do movimento do Sol e da Lua (leste-oeste) no sistema da referência da Terra.

No sistema de referência do Sol, a Terra apresenta, além da sua translação anual, o movimento de rotação em torno de seu eixo polar, descrevendo 360 graus em aproximadamente 24 h (o período da rotação da Terra, duração do dia sideral, é cerca de 23h56min). Portanto o planeta possui uma velocidade angular de aproximadamente 15 graus/h. Já a Lua tem uma translação completa em torno da Terra em cerca de 27,5 dias (período sideral da Lua em torno da Terra), apresentando então uma velocidade angular de 360/(27,5.24)=0,55 graus/h. Este é o valor da velocidade angular média pois de fato a órbita da Lua é elíptica, sendo sua velocidade  variável. É importante destacar que a rotação da Terra e a translação e da Lua ocorrem no mesmo sentido, ambas representadas na figura 3 no sentido anti-horário.

Quando passamos para o sistema de referência da Terra (sistema de referência geocêntrico portanto), tanto o Sol, quanto a Lua apresentam translações em torno do planeta. Tais translações determinam que Lua e Sol se movam aproximadamente de leste para oeste.  Os trajetos reais dos dois astros não estão exatamente de leste para oeste pois, no sistema de referência da Terra os planos determinados pelas trajetórias de ambos mudam ao longo do ano. Vide por exemplo   A inclinação do eixo de rotação da Terra, Mudança na posição do nascente do Sol!, Duração do ano no sistema geocêntrico.

A figura 4 representa os movimentos (simplificados!) da Lua e do Sol no sistema de referência da Terra. Agora os movimentos estão invertidos em relação aos indicados na figura 3, acontecendo (aproximadamente) de leste para oeste como observamos cotidianamente. Entretanto os dois astros não se movem em torno de nós com a mesma rapidez, sendo  que o Sol possui uma velocidade angular de 15 graus/h e a Lua um pouco menos, 14,45 graus/h em média. Este valor é obtido da subtração do valor da velocidade angular da Lua no sistema de referência do Sol (0,55 graus/dia) do valor da velocidade angular da Terra (15 graus/h), obtendo-se assim a velocidade angular da Lua quando referida à Terra. Ou seja, a Lua se atrasa sempre em relação ao Sol. Tal previsão é corroborada, por exemplo, na Lua cheia. Seu nascimento ocorre próximo ao anoitecer mas a cada dia que passa nasce cerca de uma hora mais tarde.

  Um eclipse total do Sol somente pode acontecer em Lua nova se então acontecer o alinhamento exato do planeta com a Lua e o Sol. Se pudéssemos observar a Lua (ela  é inobservável durante a Lua nova pois tem a face sem iluminação solar voltada para nós  conforme discutido em  É possível ver a Lua na fase Nova?) veríamos o Sol se aproximando, passando por trás da Lua e se afastando dela em direção ao oeste.

A figura 5 representa esquematicamente o momento em que os três corpos estão alinhados e depois, quando Sol, que se move com maior velocidade angular do que a Lua no sistema de referência da Terra,  ultrapassa o satélite. Na figura 5 também está representado o cone de sombra  indicando que a umbra  caminha sobre a superfície do planeta de oeste para leste enquanto o Sol e a Lua vão de leste para oeste.

Em poucas palavras, o trajeto da umbra sobre a Terra se move de oeste para leste pela singela razão que o Sol, no sistema de referência da Terra, se desloca com velocidade angular um pouco maior do que velocidade angular da Lua. Para que ocorresse um movimento da umbra de leste para oeste, o Sol deveria se mover mais lentamente do que a Lua e tal não acontece.

“Docendo discimus.” (Sêneca)