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Duração do ano no sistema geocêntrico

Oi professor Lang, estava vendo um site sobre a teoria do heliocentrismo e me surgiu uma dúvida que me pareceu interessante. Como eram contados os anos na época em que se pensava que a terra era o centro do universo. Por mais que eles pudessem contar os meses através das fases da lua, como eles definiam quanto tempo deveria durar um ano, já que a ideia de uma translação ao redor do sol não existia.

Obrigado!

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Um ano é o intervalo de tempo que separa dois solstícios de verão (ou de inverno) consecutivos, ou ainda, dois equinócios de outono ou de primavera consecutivos.

O solstício de verão  e o de inverno, bem como os equinócios de outono e primavera, eram muito bem determinados desde épocas remotas pelos povos antigos da Europa, África, Ásia e América. Tal é possível pela observação do movimento do Sol no sistema de referência da Terra. Por exemplo, aqui em Porto Alegre ao meio dia o Sol encontra-se na menor elevação possível no solstício de inverno. Vide também A inclinação do eixo de rotação da Terra, Dia mais longo e mais curto, Mudança na posição do nascente do Sol!

solsticio_inverno

A determinação dessas efemérides solares é neutra em relação à concepção geocêntrica ou heliocêntrica mas elas são observadas obviamente no sistema de referência da Terra. Entretanto tais efemérides podem ser interpretadas em modelos diferentes, em sistemas de referência diferentes. No sistema heliocêntrico um ano é o tempo de translação da Terra em torno do Sol. No sistema geocêntrico um ano é o tempo da translação anual do Sol em torno da Terra; no sistema geocêntrico o Sol possui dois movimentos de translação em torno da Terra: o diário e anual.

Na tua pergunta transparece uma concepção equivocada (muitas vezes explicitamente formulada por meus alunos de Física) de que no sistema geocêntrico não se podia dar conta dos fatos astronômicos conhecidos quando da formulação da nova concepção de universo de Copérnico no século XVI. Os historiadores da ciência nos mostraram que o velho sistema geocêntrico, na versão vigente na época de Copérnico, explicava tão bem (ou tão mal) as observações astronômicas quanto a revolucionária teoria copernicana.

A gênese da teoria copernicana de que o Sol está no centro do universo – do universo pois o universo copernicano era fechado na última esfera, a esfera das estrelas – deve-se a uma “tremenda” premissa metafísica, escamoteada em muitíssimos textos de Astronomia, não intencionalmente às vezes, talvez propositalmente outras tantas vezes, consequente de uma forte concepção de que ciência está (ou deve estar) isenta de metafísica.

A “tremenda” premissa metafísica da revolução copernicana decorre das concepções platônicas e neoplatônicas em voga na época de Copérnico, abraçadas por ele e por outros: POR DIVERSAS RAZÕES SEMIRRELIGIOSAS, METAFÍSICAS O SOL É O ASTRO MAIS IMPORTANTE E TUDO ILUMINA (as luzes que vemos nos céus, todas elas, a da Lua, dos planetas e das estrelas tem origem na luz solar); SE TIVERMOS QUE ILUMINAR TUDO AO MESMO TEMPO, DEVEMOS QUE COLOCAR A LÂMPADA NO CENTRO DE TUDO. Eis aí uma citação do livro de Copérnico(1473-1543):

NO MEIO DE TODOS OS ASSENTOS, O SOL ESTÁ NO TRONO. NESTE BELÍSSIMO TEMPLO PODERÍAMOS NÓS COLOCAR ESTA LUMINÁRIA NOUTRA POSIÇÃO MELHOR DE ONDE ELA ILUMINASSE TUDO AO MESMO TEMPO? CHAMARAM-LHE CORRETAMENTE A LÂMPADA, O MENTE, O GOVERNADOR DO UNIVERSO; HERMES TRIMEGISTO CHAMA-LHE O DEUS VISÍVEL, A ELECTRA DE SÓFOCLES CHAMA-LHE O QUE VÊ TUDO. ASSIM, O SOL SENTA-SE COMO NUM TRONO REAL GOVERNANDO OS SEUS FILHOS, OS PLANETAS QUE GIRAM À VOLTA DELE.

Mais informações encontrarás em A_premissa_metafísica_da_revoluão_copernicana, também disponível no Research Gate.  Se quiseres aprender sobre quão problemática era a concepção copernicana até bem depois de Copérnico lê http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/9293 .

Não deixa de ler  É possível sustentar a centralidade da Terra no universo?

Vide também:

Copérnico NÃO aboliu e usou epiciclos!!!

“Docendo discimus.” Sêneca

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