Distribuição da força normal na região de contato
4 de março, 2014 às 17:09 | Postado em Mecânica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Professor Lang
Eu acreditava que a força normal estava sempre abaixo do centro de gravidade do corpo e também pensava que ela se distribuía de maneira uniforme sobre a superfície de contato do corpo com o apoio.
Por aquele post sobre a roda da bicicleta – Por que os pneus de algumas bicicletas operam com pressão tão alta? – vi que a força normal se comporta de maneira diferente do que eu pensava.
É somente no caso da roda que isto acontece?
Grata pela sua atenção.
Vou considerar inicialmente duas situações muito simples. A figura 1 representa dois corpos em repouso sobre uma superfície horizontal, ambos com as mesmas dimensões e a mesma massa. Entretanto o centro de gravidade dos dois corpos se localiza em pontos diversos dado que a distribuição da massa nos dois corpos não é uniforme e diferente para ambos. Nos corpos estão sendo exercidas a força peso (ou simplesmente peso) e uma única outra ação sobre aplicada pela superfície de apoio (desprezam-se outras ações de contato com os corpos, como por exemplo aquelas que a atmosfera poderia exercer); ou seja, a superfície de apoio lhes aplica uma força NORMAL à superfície, ou simplesmente força normal.
Como os corpos estão em repouso tanto a Primeira Condição de Equilíbrio quanto a Segunda Condição de Equilíbrio estão satisfeitas. Nestes dois casos conclui-se, a partir das Condições de Equilíbrio, então que a força peso tem a mesma intensidade da força normal e, como são exercidas apenas duas forças nos corpos, ambas devem ter a mesma reta de ação. É importante destacar que as forças normais são exercidas NECESSARIAMENTE na região de contato dos corpos com a superfície de apoio. Obviamente a força peso e a força normal NÃO são forças de ação e reação, a começar por terem naturezas (gravitacional e eletromagnética) e agentes diferentes (a Terra e a superfície de apoio).
Assim como a força peso é uma força distribuída sobre toda a massa do corpo e pode para fins de cálculo ser substituída por uma única força localizada em um ponto denominado centro de gravidade (veja Propriedades e limitações dos conceitos de centro de massa e de centro de gravidade), também a força normal é uma força distribuída na região de contato (na região de contato há uma distribuição de pressão) e que pode, para fins de cálculo, ser tratada como uma força localizada conforme representado na figura 1.
Para o corpo da direita na figura 1 é fácil de concluir que a força normal NÃO está uniformemente distribuída sobre a superfície de contato pois se assim fosse a força normal representada na figura não poderia estar abaixo do CG do corpo. Para tal corpo a distribuição da pressão na base de apoio é maior no lado esquerdo do que no lado direito.
Mesmo na situação em que a força normal se localiza no ponto médio da região de contato não temos razões a priori de afiançar uma distribuição uniforme de pressão na região de contato. A figura 2 representa uma situação onde o corpo não toca a superfície de contato em uma região no entorno do ponto onde IMAGINAMOS a força normal como uma força localizada. E mesmo que o corpo toque toda a superfície, ainda assim NÃO temos certeza de que a distribuição da força normal seja uniforme; a distribuição uniforme é apenas uma das tantas (virtualmente infinitas) distribuições que contemplam a força normal localizada no ponto em questão. A distribuição efetivamente acontecida na região de contato depende de características elásticas tanto do corpo, quanto do apoio.
A figura 3 representa um corpo EM REPOUSO sobre uma superfície horizontal, sendo lhe exercida adicionalmente uma força horizontal por um sujeito. Neste caso é fácil demonstrar a partir da Primeira e da Segunda Condição de Equilíbrio que a força normal não mais se encontra abaixo do centro de gravidade mas deslocada conforme a figura indica. Mesmo que a distribuição da força normal antes de se aplicar a força horizontal fosse uniforme, a distribuição da força normal sobre a superfície de contato DEIXA DE SER uniforme agora!
Apesar de as Condições de Equilíbrio decidirem sobre o ponto de aplicação da força normal na situação da figura 3, elas NÃO permitem decidir sobre o ponto de aplicação da força atrito. Apenas sabemos que a força de atrito está localizada na região de contato e, dado que as outras três forças são supostamente coplanares, a força de atrito deve estar no mesmo plano.
Nada garante a priori que a força de atrito estático e a força normal tenham o mesmo ponto de aplicação pois a intensidade de força de atrito estático NÃO é proporcional à intensidade da força normal. A proporcionalidade existe apenas para o valor MÁXIMO possível da força de atrito estático e a intensidade da força normal.
Desta forma, nos exemplos anteriormente apresentados, fica evidente que o ponto de aplicação da força normal depende de TODAS as outras forças exercidas no corpo. Mesmo quando bem determinamos o ponto de aplicação da força normal, a distribuição dessa força na região de contato está ainda indeterminada e muitas distribuições diferentes são compatíveis com um dado ponto de aplicação da força normal. A distribuição que realmente ocorre dependerá de detalhes nem sempre conhecidos sobre as características microscópicas das duas regiões (do corpo e do apoio) em contato.
“Docendo discimus.” (Sêneca)
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Por que PESO não deve ser tomado como sinônimo de FORÇA GRAVITACIONAL?
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Gilberto Sampaio Ribeiro – Para complementar a ótima explanação do Prof. Fernando Lang, aí vai um artigo em português que trata da posição da força normal em planos inclinados. http://www.fisica.isel.pt/Docentes/PDFs/gf23(1)(2000)13.pdf
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Ótima explicação, como sempre!