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Propriedades e limitações dos conceitos de centro de massa e de centro de gravidade

Boa tarde.

Conforme meus estudos, o Centro de Massa(CM) representa o ponto onde podemos supor que toda a massa de um corpo esteja concentrada e que todas as forcas externas atuem nesse ponto. O Centro de Gravidade(CG) representa o ponto onde o peso do corpo atuam. Sabe-se que o CM e o CG são considerados pontos coincidentes. Contudo, suponha um prédio muito alto (em torno de 10 km de altura) .

Nesse caso, o CM e o CG não serão coincidentes, pois a aceleração da gravidade não sera constante. Logo, teremos no que a massa estará confinada no CM e o peso atuara no CG, onde não tem massa. Isso não representa um absurdo ? Obrigado.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Inicialmente destaco que o centro de massa (CM) de um corpo extenso pode estar em um ponto onde NÃO existe qualquer massa; idem para o centro de gravidade (CG). Este é o caso, por exemplo, para um anel ou uma coroa cilíndrica ou esférica entre tantos outros corpos. O CM e o CG de uma mesa, dependendo da distribuição da massa no tampo da mesa e nos seus pés pode estar em um local onde nada de material da mesa exista.

Este simples fato de que ambos, o CM e o CG, podem se localizar em pontos vazios de matéria do sistema considerado já é o suficiente para que se entenda a imaterialidade de ambos. Adicionalmente o CM e o CG dependem de como se define o sistema e, portanto, tais pontos apenas se constituem em CONCEITOS ÚTEIS embora altamente abstratos.

A tentativa de reificar (coisificar, de transformar em coisa concreta um conceito abstrato) o CM e/ou o CG leva a paradoxos e a absurdos. Há que se entender que estes conceitos (e tantos outros em Mecânica e nas ciências em geral), apesar de não serem passíveis de reificação, expressam propriedades úteis na compreensão dos sistemas materiais, permitindo prever e explicar como as coisas se comportam.

A tentativa de reificação de todos os elementos de uma teoria decorre do REALISMO e do EMPIRISMO INGÊNUO que acredita que o conhecimento científico é vinculado à realidade de maneira imediata. Vale sempre lembrar a posição de Einstein que bem caracteriza uma concepção REALISTA CRÍTICA:

Sabemos agora que a ciência não pode se desenvolver apenas a partir do empirismo; nas construções da ciência, precisamos da invenção livre, que só a posteriori pode ser confrontada com a experiência para se conhecer a sua utilidade. Este fato pode ter escapado às gerações anteriores, para as quais a criação teórica parecia desenvolver-se indutivamente a partir do empirismo, sem a criativa influência de uma livre construção de conceitos. Quanto mais primitivo for o estado da ciência, mais rapidamente pode o cientista viver na ilusão de que é um empirista puro.

O CM é um ponto, seja para um corpo extenso, seja para um conjunto de corpos ou de partículas não ligadas materialmente, ao qual podemos atribuir uma aceleração obtida do somatório de todas as forças exercidas sobre o sistema, dividindo-se este somatório pela massa do sistema. Portanto, este ponto não material, o CM, se comporta COMO SE FOSSE (ele NÃO é!) uma partícula cuja massa é igual à massa total do sistema, sob a ação da resultante das forças exercidas no sistema. Se estivermos tratando de um corpo rígido em pura translação, a aceleração de qualquer ponto do corpo é idêntica à aceleração do CM, exemplificando assim a utilidade e a importância do conceito de CM.

O CG é um ponto, seja para um corpo extenso, seja para um conjunto de corpos ou partículas não ligadas materialmente, no qual uma única força (denominada de força da gravidade total do sistema) produz um torque idêntico à soma dos torques de todas as forças da gravidade exercidas nas diferentes partes do  sistema. Portanto, se fosse possível (talvez não seja materialmente) aplicar uma única força neste ponto, ela seria capaz de preencher (em conjunto com as forças da gravidade) a Primeira e a Segunda condição de Equilíbrio se sua intensidade fosse igual à intensidade da força da gravidade resultante no sistema e se tivesse sentido contrário ao sentido dessa resultante gravitacional. É importante destacar que a força que se IMAGINA localizada no CG (o força da gravidade resultante sobre o sistema) é apenas ARTIFÍCIO útil e simplificador, por ser equivalente ao conjunto das forças distribuídas.

Portanto a afirmação de que a força da gravidade está localizada no CG NÃO DEVE ser interpretada literalmente pois esta força é uma força exercida em cada parte do sistema que possua massa. A afirmação DEVE ser interpretada apenas como: IMAGINAR assim leva ao mesmo resultado que considerar o conjunto das forças gravitacionais distribuídas no sistema.

O conceito de CG não é válido, de um modo geral, para campos gravitacionais não uniformes. Dependendo da configuração do campo pode acontecer que o sistema de forças  distribuídas não seja equivalente ao de uma força localizada (seja necessário também associar um torque ao sistema) e, portanto, quando assim ocorre o conceito de CG sequer vale. Desta forma, o conceito de CG tem notória utilidade em circunstâncias muito especiais, apesar de comuns em nosso cotidiano, onde o modelo de campo de gravidade uniforme é plausível.

Pode-se demonstrar que o CM e o CG de um sistema estão no mesmo ponto quando o sistema se encontra em presença de um campo externo e uniforme sobre todo o sistema. Mesmo quando isto ocorre cada um dos dois pontos coincidentes expressam diferentes propriedades do sistema. Tal acontece, por exemplo, com excelente aproximação para qualquer sistema próximo da Terra desde que a dimensão característica do sistema seja desprezível frente ao raio da Terra. Portanto isto é válido, com excelente aproximação, até para uma montanha com 10 km de altura pois ao longo de 10 km na vertical a intensidade do campo gravitacional varia apenas 0,3%!

Se os dois pontos, CM e CG, forem não coincidentes em alguma situação, NADA há de absurdo ou de paradoxal nisto pois cada um dos dois pontos APENAS expressa uma propriedade relevante, útil e diferente para o sistema. Nada a priori exige a coincidência; a coincidência pode ou não acontecer.  É importante  destacar que NÃO é verdade, exceto para uma partícula, que para um sistema extenso a “massa estará confinada no CM” pois  massa está de fato distribuída espacialmente. Também NÃO é verdade, exceto para uma partícula, que o “peso atuará no CG” pois a força da gravidade é uma força distribuída espacialmente.

Vide outras questões envolvendo temas relacionados à gravidade: Gravitação

“Docendo discimus.” (Sêneca)

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