Superfusão: substância no estado líquido abaixo do ponto de solidificação!
8 de fevereiro, 2014 às 19:32 | Postado em Estrutura da matéria, Mudanças de estado da matéria, Termologia, termodinâmica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Professor Lang, fui tirar minha garrafa de água do congelador e ela congelou quando abri, lembro de um trabalho do senhor a respeito do congelamento “instantâneo” tens como postar ele para relembrar?
A água e outras substâncias podem se apresentar no estado líquido apesar de a temperatura ser inferior à temperatura do seu ponto de solidificação. Este fenômeno é denominado de SUPERFUSÃO, SOBREFUSÃO ou SUPER-RESFRIAMENTO.
Água, na pressão de 1 atm, pode ser levada até cerca de -48oC sem cristalizar.
O estado SUPERFUNDIDO ou SUPER-RESFRIADO é dito METAESTÁVEL pois se perturbado suficientemente, seja pela introdução de um pequeno cristal da substância na massa líquida, seja por vibração mecânica da massa líquida, se deflagra a cristalização. Em pouco tempo aparecem dentro da massa da substância uma quantidade de cristais, isto é, uma parte do líquido passa para o estado sólido.
Experimentos de SUPERFUSÃO da água em laboratórios didáticos de Física Geral são difíceis de serem realizados. Entretanto há substâncias, que por terem ponto de fusão ou solidificação na faixa de 40 a 70oC, são adequadas a tais experimentos. Uma dessas substâncias, facilmente encontrada em casas especializadas em Química, é o tiossulfato de sódio.
O tiossulfato de sódio é um cristal branco (semelhante ao gelo) na temperatura ambiente. Seu ponto de fusão se encontra em torno de 47oC . Em um tubo de ensaio em banho-maria é possível se aquecer o tiossulfato e o fundir completamente, determinando neste processo de aquecimento o ponto de fusão com auxílio de um termômetro no interior do tubo. Depois se retira o tubo do banho-maria e se deixa arrefecer lentamente, utilizando-se o termômetro para monitorar a temperatura do líquido.
Neste processo de resfriamento lento, apenas por trocar energia com ambiente no entorno, observa-se, surpreendentemente, que a temperatura do tiossulfato desceu muitos graus abaixo do seu ponto de solidificação (47oC ) sem solidificar. Ou seja, o tiossulfato encontrava-se no estado metaestável de SUPERFUSÃO.
A foto superior da imagem abaixo mostra o tiossulfato líquido a 37oC, portando 10oC abaixo do seu ponto solidificação e e ainda liquido, SUPERFUNDIDO portanto.
A foto inferior, tirada apenas alguns segundos depois da foto superior, já mostra o tiossulfato parcialmente sólido. No intervalo entre as duas fotos uma forte agitação com a ponteira do termômetro foi produzida para destruir o estado metaestável de SUPERFUSÃO. Além de observar a cristalização, o que me mais me surpreendeu e marcou, quando com 16 anos de idade realizei este experimento pela primeira vez (como aluno do saudoso Prof. Ernest Julius Sporket no Colégio Sinodal em São Leopoldo), foi a súbita elevação da temperatura que acompanhou a cristalização parcial, passando de 37oC para 47oC. A surpresa se deveu porque não havia dúvida de que a massa de tiossulfato NÃO recebeu energia (calor) nesta rapidíssima (portanto adiabática) transição de fase. Notoriamente o tiossulfato estava perdendo energia para o ambiente já que estava em temperatura bem superior a do ambiente e subiu mais ainda no processo de cristalização. A passagem do estado liquido para o sólido implica em uma diminuição da energia potencial dos constituintes microscópicos da matéria (moléculas). Como a cristalização se dá muito rapidamente, a troca de energia do tiossulfato com o entorno é desprezível (processo quase adiabático), a diminuição da energia potencial implica em aumento da energia cinética molecular, macroscopicamente notada no aumento da temperatura.
Apresento abaixo a evolução temporal da temperatura do tiossulfato no tubo de ensaio. Até atingir a temperatura de cerca de 73oC mantive o tubo de ensaio em banho maria, monitorando a temperatura do banho com outro termômetro, lentamente a elevando com auxílio de um aquecedor elétrico que era ligado e desligado. A temperatura do banho maria sempre foi mantida não mais de 10oC acima da temperatura do tiossulfato. Depois de atingir a máxima temperatura registrada no gráfico, o tubo de ensaio foi retirado do banho maria, colocando-o no receptáculo de plástico que se vê nas fotos. O arrefecimento aconteceu então apenas por cedência de energia para o ambiente no entorno (como era inverno a temperatura no laboratório se encontrava em cerca de 18oC).
Observa-se no gráfico acima os patamares de temperatura constante, característicos das transições de fase. Inicialmente, aos 7 min, a FUSÃO do tiossulfato e depois de 44 min a SOLIDIFICAÇÂO ou CRISTALIZAÇÃO. Identificados em vermelho encontram-se os pontos relativos ao tiossulfato em estado de SUPERFUSÃO (entre 31 min e 44 min). Aos 44 min aconteceu a “tremenda e surpreendente” elevação quase instantânea da temperatura, passando de cerca de 37oC para 47oC, característica da destruição do estado de SUPERFUSÃO com a cristalização de parte do liquido.
Muitos apreciadores de cerveja já tiveram a experiência de encontrá-la SUPERFUNDIDA. Alás, tal ocorrência é indesejável pois “estraga” a cerveja quando cristaliza. Entretanto o que poucos bebedores de cerveja sabem é que quando ela cristaliza há uma súbita e indesejável elevação da temperatura!
Sobre a cerveja superfundida: Por que devemos pegar uma garrafa de cerveja pela parte mais fina para ela congelar?
Vide também Superaquecimento no forno de micro-ondas!
ADICIONADO EM 2/07/2024: Água super-resfriada sai de uma torneira e congela!
“Docendo discimus.” (Sêneca)
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O Prof. Mauro Morel me indicou em 22/01/2014 o interessante vídeo que demonstra a possibilidade da superfusão ou superresfriamento em refrigerantes. Vide Self Freezing Coca-Cola (The trick that works on any soda!)
Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 7930.
Belíssimo trabalho, professor Lang! Arrebatadoramente didático!
Aconteceu uma coisa hoje comigo e iria ficar feliz se alguém me explicasse, eu deixei um abacaxi picado congelar e deixei também uma certa quantidade de água da noite para o dia no congelador, no outro fiz um suco normal, bati essa água (ainda estava líquida, sem sinais de gelo na água) com o abacaxi que estava bem congelado, depois coloquei o suco na minha garrafa de alumínio (interior e exterior, diz ser térmica), horas depois no serviço quando fui tomar o suco, descobri que ele não estava mais líquido, estava como uma pasta densa super gelada parecida até sorvete (mas não cremoso), deixei a manhã inteira a garrafa destampada pra ver se voltava a ser liquido mas mesmo depois de 5 horas o suco permaneceu nesse estado, podendo até virar de ponta cabeça a garrafa e chacoalhar que não acontecia nada, saberia me dizer o que aconteceu? A garrafa de alumínio estava em temperatura ambiente quando adicionei o suco extremamente gelado dentro e logo fechei a tampa, nunca vi algo assim acontecer, tem algo a ver com essa superfusão? Mas mesmo horas depois estando com a tampa aberta em um ambiente a aproximadamente 26°C ele não voltou a ser liquido, nem uma gota se quer
Vide a postagem O “mistério” do suco de abacaxi congelado!
Olá professor, durante o processo de solidificação do líquido super-resfriado, é razoável afirmar que a transformação é adiabática?
Existe o exercício 6 exercício na OBF 0217
https://noic.com.br/wp-content/uploads/2023/05/OBF-2017-F3-N1.pdf
A resposta ao item C e d seria zero então né. Pergunto isso pois muita gente colocou outras respostas, como a diferença de energia entre os dois estados.
Quando o líquido superfundido é perturbado e uma parte solidifica e dado que o processo é muito rápido, não há troca de energia como calor com o entorno. Portanto esse processo é uma transformação adiabática.