Sobre a “constante galileana” e a aceleração da gravidade
29 de maio, 2022 às 12:43 | Postado em Cinemática, Filosofia da Ciência, História da Ciência, Mecânica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Caro Professor Lang
Assisti ao seu vídeo Cinemática sem fórmulas? e na próxima vez que apresentar em sala de aula a Cinemática o farei de forma diferente daquela que sempre fiz e que está nos livros texto. Grato por compartilhar seu conhecimento, seja em artigos, seja no CREF, seja em vídeos!
Desconhecia que a “constante galileana” não é a aceleração da gravidade como a usamos. E que Galileu nunca soube qual era o seu valor.
Sugiro-lhe discutir esse tema aqui no CREF pois não está nos livros de Física. Na internet (https://www.visionlearning.com/en/library/Physics/24/Gravity/118) há a afirmação de que Galileu mediu g, encontrando 9,8m/s2.
Agradeço por antecipação sua postagem.
No livro derradeiro de Galileu (1564-1642), Duas Novas Ciências [1], na página 161, encontra-se a seguinte definição para o movimento uniformemente acelerado:
Chamo movimento igualmente, ou o que é o mesmo, uniformemente acelerado, àquele que, partindo do repouso, adquire, em tempos iguais, momentos iguais de velocidade. (grifo nosso)
Ou seja, esta definição é mais restritiva do aquela que usualmente usamos – o movimento uniformemente variado é aquele que apresenta sempre a mesma variação da velocidade em iguais intervalos de tempo -, sem exigência da condição inicial de repouso.
Em Duas Novas Ciências não se encontra uma definição formal de aceleração, do tipo razão entre a variação da velocidade e o intervalo de tempo na qual ela acontece. E desta forma a “constante galileana” não era a aceleração da gravidade mas outra característica do movimento de queda: a altura de queda no primeiro segundo. Conhecida a altura de queda no primeiro segundo (doravante denominada de H1), todo o restante do movimento é decorrência. E o valor de H1 nunca foi de fato conhecido pois o grande cientista não tinha como medir tempos de queda livre. Em uma passagem dos Dois Máximos Sistemas do Mundo, obra que levou Galileu a ser condenado pela Santa Inquisição em 1633, há uma estimativa de H1 em 4 cúbitos (cerca de 2m), o que leva a uma aceleração de queda livre subestimada de 4m/s2[2]. Em Duas Novas Ciências, escrito no final da vida de Galileu, não se encontra qualquer referência ao valor de H1.
Uma medida “razoável” de H1, cerca de 4m (portanto uma aceleração de 8m/s2), aconteceu posteriormente à morte de Galileu, realizada pelo padre Marin Mersenne (1588-1648). Posteriormente, em 1659, Christiaan Huygens (1629-1695) fez a primeira medida precisa com um pêndulo, resultando em cerca de 9,5m/s2[2].
O conhecimento do valor da “constante galileana” permitiria determinar os deslocamentos (alturas de queda) em qualquer outro intervalo de tempo já que Galileu havia demonstrado o seguinte teorema (p. 171, [1]) :
TEOREMA II – Se um móvel, partindo do repouso, cai com um movimento uniformemente acelerado, os espaços percorridos em qualquer tempo estão entre si na razão dupla dos tempos, isto é, como os quadrados desses mesmos tempos.
Se Galileu soubesse que H1=5,0m (isto é, valor compatível com uma aceleração da gravidade de aproximadamente 10m/s2), calcularia a altura de queda em qualquer outro tempo aplicando o Teorema II. Por exemplo,
– no intervalo de tempo de 2,0s a altura de queda seria 22x5,0m=20m,
– no intervalo de tempo de 3,0s a altura de queda seria 32x5,0m=45m,
– no intervalo de tempo de 0,5s a altura de queda seria 0,52x5,0m=1,25m e assim por diante.
Desta forma fica evidente que é possível se calcular os deslocamentos que um corpo em queda apresenta sem entretanto formalizar a definição de aceleração como a razão entre a variação da velocidade e o intervalo de tempo em que ela ocorre, utilizando-se a “constante galileana” juntamente com o Teorema II.
REFERÊNCIAS
[1] – Galilei, G. Duas Novas Ciências. Rio de Janeiro: Nova Stella, 1988.
[2] – Silveira, F. L. Determinando a aceleração gravitacional. Revista de Ensenãnza de la Física, Córdoba, 10(2): 29-35, 1995. (https://www.researchgate.net/publication/237747971)
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