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Resistência ao rolamento sobre a roda tracionada

Boa noite, professor Fernando. Passei bastante tempo matutando sobre seu artigo “Potência de tração de um veículo automotor que se movimenta com velocidade constante”, porém não consigo esclarecer as seguintes dúvidas de forma alguma. Se o senhor puder, por gentileza, seria de grande ajuda:

  1. A resistência ao rolamento em uma roda não tracionada é EQUIVALENTE à força de atrito estática que age nessa em um rolamento sem deslizamento com velocidade constante?
  2. Se entendi bem, a resistência ao rolamento também age em uma roda tracionada, apesar de não ser equivalente ao atrito estático que age na mesma (até porque esse atrito é uma força motora, não de resistência). Aparentemente pode ser obtida como o produto entre o coeficiente de resistência ao rolamento (alfa) pelo módulo da normal atuante nessa roda, analogamente ao que se faz na roda livre. Porém, notei que na figura 2 de seu artigo essa força não é registrada, pelo menos enquanto representação. Dessa forma, eu não tive certeza de como ela age sobre a roda tracionada.

Muito obrigado desde já,

Gabriel.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - IF-UFRGS

A resistência ao rolamento sempre decorre de que um corpo não rígido ao rolar sobre uma pista rígida ou não rígida dissipará energia mecânica. No artigo “Potência de tração de um veículo automotor que se movimenta com velocidade constante” discute-se o caso da roda não rígida rolando sobre uma pista ou pavimento rígido.

Neste caso as deformações elásticas amortecidas que a roda (mais especificamente o pneu) apresenta ao rolar determinam que a energia mecânica perdida pela roda apareça como energia interna à roda graças aos trabalhos de forças dissipativas internas à roda. Uma evidência de que a energia interna à roda aumenta é o aquecimento do pneu.

A resistência ao rolamento decorre de que a força normal ao pavimento não está uniformemente distribuída sobre a região de contato da roda com a pista. Ou seja, tanto na roda não tracionada (figura 1A que corresponde à figura 1 do artigo supracitado) ou tracionada (figura 1B que corresponde à figura 2) de uma bicicleta (ou de um veículo automotor) que role para a direita, o ponto de aplicação da força normal esteja deslocado em relação ao eixo da roda para a direita.

Então a resistência ao rolamento decorre de que à força normal está associado um torque resistente não nulo em relação ao eixo da roda. A intensidade desse torque é igual ao produto da força normal pela distância d indicada na figura 1.

O resultado que indicas em teu comentário 1.  é eventual, contingente, válido para a particular situação da roda em movimento uniforme. É importante notar que apesar de o torque da força normal ser o mesmo independentemente da aceleração da roda, a força de atrito mudaria de valor e até de orientação se o movimento não fosse uniforme, dependendo da orientação e da intensidade da aceleração.

E quanto ao teu comentário 2. a resposta é que a resistência ao rolamento na roda tracionada está presente, como na roda não tracionada, do torque da força normal não nulo.

Finalmente, deve ficar claro que a resistência ao rolamento não pode ser confundida com a força de atrito entre a roda e pista de rolamento.

Outras postagens relacionadas com o tema da resistência ao rolamento: Rolamento.

 

“Docendo discimus.” (Sêneca)


9 comentários em “Resistência ao rolamento sobre a roda tracionada

  1. Gabriel disse:

    Perfeito, professor! Muito obrigado pela resposta! Uma dúvida que surgiu ao ler sua resposta: existem forças dissipativas internas ao pneu que convertem energia mecânica em energia térmica. Porém, a resistência ao rolamento, enquanto força dissipativa externa, também é parcialmente responsável pelo aumento de temperatura do pneu?

    • Fernando Lang disse:

      No sistema de referência da pista nem a força de atrito e nem a força normal realizam trabalho. Então o trabalho resistente é interno ao pneu.

      • Gabriel disse:

        Perdoe-me, professor, mas, sendo assim, ainda não entendi muito bem, então. Pode-se dizer que a resistência ao rolamento, enquanto resultado da histerese mecânica do pneu, é uma força externa ou interna ao pneu? Isso tem me confundido porque eu tinha entendido, aparentemente de forma errada, que a resistência ao rolamento é oriunda da maneira com que o pneu interage com a superfície em que rola, sendo assim, uma força externa, tal como o atrito e a normal.

        • Fernando Lang disse:

          As perdas de energia mecânica são internas ao pneu em uma pista rígida. Como já discutido, a consequência de o pneu absorver e converter energia mecânica em energia interna é deslocar o ponto de aplicação da força normal, determinando que a força normal produza um torque em oposição ao sentido da rotação da roda.

          Talvez a tua estranheza em relação ao tema esteja relacionada ao fato de que o trabalho de forças internas a um sistema podem afetar a energia mecânica doo sistema. Há diversas postagens sobre este tema e sugiro começares em A dinâmica do balanço: explicando como a criança se embala. Nesta postagem encontrarás uma dissertação de mestrado da UFRJ que tratou do assunto.

  2. Gabriel disse:

    Então, na realidade, professor, eu entendo que forças internas possam interferir na energia mecânica de um sistema, mas não em seu momento linear. Se eu entendi bem, esse fenômeno de histerese no pneu é sim a causa do surgimento da resistência ao rolanento, por conta do campo de pressões não homogênea transladar a ação da normal da direção que passa pelo centro da roda. O que tem me causado estranheza é que as deformações de componentes do pneu, então, são a causa do surgimento de uma força (resistência ao rolamento), mas essa força também é associada às perdas de energia mecânica, aparentemente sendo dissipativa, o que influencia no gasto energético do automóvel, por exemplo. Dessa forma, eu não consigo entender precisamente se essa resistência age como uma força externa, aplicada pela própria pista de rolamento sobre o pneu, por conta da interação já mencionada, ou se ela pode ser classificada como interna.

    Essa dúvida, se forças internas são capazes de alterar a energia mecânica de um sistema, na verdade surgiu há anos atrás, e curiosamente eu a sanei com esse post que o senhor vinculou!

    Acredito que ela seja classificada, a resistência, como uma força externa, por ser resultado de um fenômeno de histerese proveniente da maneira com que o pneu interage com a pista. Porém, uma vez que ela é associada a uma perda de energia mecânica que acontece internamente ao pneu, não consigo argumentar quanto à ela ser interna ou não.

    • Fernando Lang disse:

      Até podem existir forças externas que se oponham ao rolamento como é o caso da força de arrasto do ar. Entretanto as forças que a pista exerce são a força normal e a força de atrito estático se a roda rola sem deslizar como é pressuposto na situação da postagem. A resistência ao rolamento é um torque e não apenas uma força: o torque da força normal (que é externa à roda) em relação ao eixo de rotação da roda ou do corpo que rola. Nota também que as rodas da bicicleta (ou dos veículos automotores) também podem sofrer outras ações internas à bicicleta que resultem em resistências ao rolamento além daquela oferecida pelos pneus: atritos no eixos das rodas e atrito nos freios das rodas.

      É importante enfatizar que uma bicicleta ou um automóvel não pode ser tratado como ausente de estrutura interna capaz de realizar trabalhos resistivos e motores que podem diminuir, aumentar ou manter constante sua energia mecânica. Na verdade esses sistemas são objeto da Termodinâmica e sua compreensão teórica transcende à Mecânica da Partícula ou do Corpo Rígido.

      • Gabriel disse:

        Basicamente, o torque da normal (que é de fato resistente) é uma resistência ao rolamento? Então, isso me traz uma outra dúvida, peço perdão inclusive pela quantidade de dúvidas… No artigo, o senhor, ao concluir o desenvolvimento da roda não tracionada, diz o seguinte: “Já o coeficiente de resistência ao rolamento, quando multiplicado pela intensidade da força normal, resulta no valor da força de atrito estático que acontece no rolamento sem deslizamento da roda não tracionada. Portanto, a resistência ao rolamento equivale a uma força com intensidade cerca de 1% da intensidade da força normal à pista”. Posso ter entendido errado (e provavelmente foi isso), mas o senhor se refere ao produto alfa vezes módulo da normal como o valor do atrito estático que ocorre nessa configuração e também diz que a resistência ao rolamento equivale a essa força. Isso que motivou a minha confusão inicial: a resistência ao rolamento não é o atrito estático, naturalmente, mas, nessa situação em especial, ela vale a mesma coisa? Mas, dessa forma, a resistência ao rolamento, por ter a mesma dimensão pelo menos, não seria uma força e não um torque? Ou é correto me referir a uma resistência ao rolamento de diferentes formas dependendo da situação?

        • Fernando Lang disse:

          Acho que entendeste corretamente. Entretanto a afirmação é válida rigorosamente para a roda não tracionada. Adicionalmente se quisermos pensar em rodas sem resistência ao rolamento que tenham um comportamento dinâmico equivalente (daí eu usar a palavra equivale no texto que citaste), teríamos que imaginar uma força externa se opondo ao movimento das rodas com um valor igual a 1% do valor da força normal.

          Em algum texto antigo de Física Geral (tão antigo que não me lembro exatamente qual é 🙂 , talvez seja em uma versão antiga do Sears) a resistência ao rolamento é pensada como equivalente à subida de um corpo por um plano inclinado. Mas esta é apenas uma analogia!

          Se eu fosse escrever o artigo hoje, certamente explicaria melhor o que queria dizer então. (risos)

          • Gabriel disse:

            Ah, professor! Perfeito! Agora eu entendi. Muito obrigado pela atenção, foi de enorme ajuda e vai contribuir bastante para minhas aulas.

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