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Relatividade restrita: aparente contradição?

Olá , professor. Tudo certo?

Estou com a seguinte dúvida sobre relatividade restrita. Para ilustrar a dilatação do tempo, geralmente se usa o exemplo do pulso de luz emitido na direção vertical, perpendicular ao movimento de um referencial (uma nave imaginária , por exemplo). Neste caso, o trajeto da luz visto de fora fica maior do que o de dentro, e portanto o tempo no referencial em movimento passa mais lentamente. No entanto, se o pulso de luz for emitido na direção horizontal e oposta ao movimento, o trajeto da luz até atingir o fundo da nave é maior dentro dela do que vista de fora, uma vez que a nave vai de encontro ao pulso. isso parece indicar que, se o tempo for medido pela duração do evento, ele passaria mais lentamente no referencial de fora. O que ocorre nessa aparente contradição?

Agradeço desde já.

Respondido por: Prof. Luiz Fernando Ziebell - IF-UFRGS

Vamos olhar com cuidado a situação proposta. Espero mostrar que não há de fato contradição.

Para descrever eventos usamos quatro coordenadas: Três são para descrever a posição do evento no espaço, e uma é para descrever o instante de tempo em que ocorre o evento. A Relatividade Especial se ocupa de descrever como se relacionam as coordenadas usadas em um certo sistema de coordenadas com as coordenadas usadas para descrever o mesmo evento em outro sistema de coordenadas, que esteja em movimento relativo com velocidade uniforme em relação ao primeiro.

A Relatividade Especial utiliza dois postulados: Um destes postulados é que as leis da Física devem ser as mesmas em todos os sistemas de referência que são inerciais. O outro é que a velocidade da luz no vácuo é independente  do estado de movimento da fonte. Com estes dois postulados mostra-se que as relações entre as coordenadas dos dois sistemas devem ser dadas pelas chamadas transformações de Lorentz.

Vamos supor então um sistema de coordenadas S, que se move com velocidade constante v em relação a um sistema de coordenadas S, ao longo de uma direção qualquer, que chamaremos de eixo z. Sendo x e y eixos em direções perpendiculares entre si e perpendiculares ao eixo z, descreveremos eventos no sistema S usando coordenadas (x,y,z,t), e no sistema Susando coordenadas (x,y,z,t). As relações entre as coordenadas usadas em S e as coordenadas usadas em Ssão então

As transformações inversas são

Suponhamos agora um emissor e um detector de pulsos de luz colocados juntos no sistema S, em repouso na posição (0,0,z1). Vamos supor um longo espelho fixo no sistema S, paralelamente ao eixo z. No instante t1o emissor em z1emite um pulso de luz. Do ponto de vista de S, a luz viaja até o espelho, é refletida, e retorna ao ponto de partida, sendo sua chegada detectada no mesmo ponto de coordenadas espaciais (0,0,z1), no instante t2. Em So intervalo de tempo entre partida e chegada do sinal (os dois eventos observados) foi Δt= t2′- t1. Os dois eventos ocorreram no mesmo lugar, portanto Δz= 0.

Do ponto de vista de S o sinal é emitido quando o emissor está passando por uma certa posição (z1), no instante t1. O sinal reflete no espelho em S e chega de volta ao receptor (que está em movimento) em um certo instante t2, quando o detector está na posição z2. Do ponto de vista de S, portanto, os dois eventos (chegada e partida do sinal) estão separados pela distância Δz = z2z1 e pelo intervalo de tempo Δt = t2t1.

Usando as transformações de Lorentz,

Portanto, o intervalo de tempo entre os dois eventos foi maior no sistema S do que no sistema S.

Vamos agora supor um espelho fixo na traseira da nave (o sistema Sestá fixo em uma nave, que se move com velocidade v em relação a S). O sinal é emitido em (0,0,z1), em t1, reflete no espelho que está na traseira da nave, e retorna ao ponto de partida em t2. Em S, os dois eventos não estão separados espacialmente (Δz= 0), pois chegada e partida do sinal ocorreram no mesmo lugar (emissor e detector estão juntos, fixos em S). A separação no tempo foi Δt= t2′- t1.

Do ponto de vista de S, o sinal parte do emissor em t1, quanto este está passando por z1, e chega no detector mais tarde (t2), quando a nave já está em outra posição z2. Portanto, em S os eventos estão separados espacialmente por Δz = z2z1, e temporalmente por Δt = t2t1. Usando as transformações de Lorentz, teremos

Como se vê, nos dois casos considerados o intervalo no sistema S foi maior do que no sistema S. O que há de comum entre os dois casos é que em ambos o intervalo foi medido em Spor um relógio que está em repouso no sistema (na posição (0,0,z1), no caso). Já no sistema S as observações (partida e chegada do sinal) foram feitas usando dois relógios, um que estava na posição z1 e outro que estava na posição z2.

Essa constatação foi feita nesses exemplos em particular. Mas, na verdade, essa é uma constatação que pode ser obtida de maneira geral. O intervalo de tempo entre dois eventos, medido em um sistema de referência por um relógio que está em repouso em relação a esses eventos, é chamado de tempo próprio. Em qualquer outro sistema de referência em movimento relativo, o intervalo de tempo será maior do que no sistema de referência onde é medido o tempo próprio.


4 comentários em “Relatividade restrita: aparente contradição?

  1. Vítor Marum disse:

    Como se explica a seguinte contradição: um tempo dilatado que é um tempo menor, mas quando é calculado com a transformação de Lorentz dá um tempo maior?

  2. Magno Vedovatto disse:

    Professor, é possível descobrir a velocidade de algum astro em relação a terra, usando a fórmula de dilatação do tempo?

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