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Razão para a eficiência maior do freio dianteiro sobre o traseiro em veículos automotores

Professor Lang

Leio atentamente as postagens do CREF e lhe agradeço por repartir conosco seus conhecimentos. Depois de sua postagem sobre os freios da motocicleta –Frenagem de motocicletas: somente o freio traseiro?  – fui pesquisar sobre a razão para os freios dianteiros serem mais eficientes do que os traseiros. Encontrei um material – https://coisasdeengenheiro.wordpress.com/category/dinamica-da-frenagem/  –  explicando que “Em todos os veículos, a transferência de peso (weight transfer) refere-se a redistribuição do  peso suportado por cada pneu durante a aceleração longitudinal e lateral do veículo, bem como a sua desaceleração quando de uma frenagem.” Depois complementa “A transferência de peso ocorre quando o centro de gravidade do veículo (CG) se altera durante as manobras do veículo.”

Considero que há problemas nessa explicação pois se todas as partes do automóvel são fixas umas em relação às outras, não há como deslocar o centro de gravidade em relação ao próprio automóvel. O que o sr. tem a dizer sobre isto? Agradeço antecipadamente.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

O perguntante tem razão em sua estranheza relativa à transferência de peso pois as diferentes partes do automóvel mantém suas posições no próprio sistema de referência do veículo durante a frenagem, exceto por pequenas mudanças devido à suspensão do veículo e dos líquidos que se redistribuem nos respectivos compartimentos de estocagem. Entretanto estes efeitos de redistribuição são irrelevantes para a alegada transferência de peso. Como se demonstra no artigo Distribuição das forças realizadas pelo pavimento em um veículo acelerado existe uma redistribuição das forças normais à pista de rolamento durante uma frenagem, sendo mais apropriado referir então como mudanças de carga e não como transferência de peso.

Nesta postagem apenas apresentarei os principais resultados da dinâmica de frenagem de um veículo  automotor, remetendo ao artigo supracitado para todas as deduções. A figura 1 identifica a posição do centro de massa do automóvel pelas distâncias (d1 e d2) em relação aos eixos dianteiros e traseiros e sua altura (h) em relação à pista de rolamento. As forças normais (N) e de atrito (A),  e o peso também estão representadas, bem como a aceleração (a) de frenagem.

A força normal nas rodas dianteiras (traseiras) é maior (menor) quando o automóvel (com massa M) é freado do que o valor da  força normal no caso de o automóvel não possuir aceleração. Esta mudança no valor da força normal   vale

Portanto a força normal nas rodas dianteiras aumenta pelo valor indicado como ΔN, enquanto nas todas traseiras diminui pelo mesmo valor. Esta alteração nas intensidades das forças normais nada tem a ver com uma redistribuição de massa no veículo, se caracterizando como um efeito inercial (vide o artigo com as deduções do efeito).

Considera-se agora a situação extrema em frenagens quando as forças de atrito entre os pneus e o pavimento assumem o máximo valor possível, igual ao produto do coeficiente de atrito (µ) pela intensidade da força normal. Demonstra-se então que a razão entre os valores das forças de atrito nas rodas dianteiras (A1) e traseiras (A2) é dada por

Esta equação implica que crescendo o coeficiente de atrito entre os pneus e o pavimento, cresce a razão entre a intensidade das forças de atrito nas rodas dianteiras pela intensidade das forças de atrito nas rodas traseiras. Desta forma, com o crescimento da aceleração de frenagem, maior é a contribuição dos freios dianteiros em relação aos traseiros.

Para caracterizar a redistribuição das forças normais à pista de rolamento quando ocorre uma frenagem consideraremos o caso da motocicleta BMW R1200GS. A razão da escolha está justificada no artigo Distribuição das forças realizadas pelo pavimento em um veículo acelerado. A figura 2 é uma foto da motocicleta, editada de modo a localizar o centro de massa do sistema constituído pela moto e o seu piloto (o centro de massa está identificado em azul), explicitando as principais dimensões de interesse.

Na figura 3 são representadas as forças, indicadas suas intensidades, quando a motocicleta não está acelerada. Nota-se que o valor  força normal na roda dianteira é um pouco menor do que na roda traseira.

Na figura 4 estão representadas as forças normais e de atrito, bem como suas intensidades, considerando uma frenagem de emergência que induz na motocicleta uma aceleração de 8,8 m/s2.

É importante notar que o valor da força normal na roda dianteira cresceu, tornando-se cerca de seis vezes maior do que na roda traseira. Da mesma forma a força de atrito na roda dianteira tem intensidade cerca de seis vezes maior do que na roda traseira, corroborando desta maneira a eficácia maior do freio dianteiro em relação ao traseiro conforme explicitado neste documento da Honda.

Vide também Frenagem de motocicletas: somente o freio traseiro?  

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“Docendo discimus.” (Sêneca)

 


3 comentários em “Razão para a eficiência maior do freio dianteiro sobre o traseiro em veículos automotores

  1. Luciane Marques disse:

    Brilhante!

  2. Então podemos considerar que o mais indicado numa situação de utilização da frenagem, seria utilizar 70% do freio dianteiro (o que não gera um impacto forte levando em consideração a física, ao mesmo tempo que terá força o suficiente de frear com segurança) e 30%/40% do traseiro (visto que o motivo da derrapagem do pneu traseiro é quando a força do freio traseiro é maior que o dianteiro)?

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