Pressão e velocidade em um fluido: não existe prova matemática ou física?

14 de outubro, 2021 às 18:32 | Postado em Mecânica, Mecânica de fluidos, Mitos, empulhações, notícias falsas

Prof. Lang

Em um vídeo do Tiktok (aqui o vídeo) o Lito do canal Aviões e Músicas faz a seguinte afirmação:

Não existe prova matemática ou física do porquê quando um fluido acelera a pressão dele diminui …

Esta afirmação está correta? O Principio de Bernoulli não prova isto?

Agradeço antecipadamente

Para começar não devemos denominar de Princípio de Bernoulli pois a célebre equação é um teorema da Mecânica de Fluidos, demonstrado a partir das Leis Newton aplicadas a um modelo de fluido. Então o correto é denominá-lo de Teorema de Bernoulli ou de Equação de Bernoulli.  Vide a discussão em Princípios e Leis em Física.

A Equação de Bernoulli (EB) de fato relaciona a pressão em um fluido com a velocidade de seu escoamento. A demonstração pode ser encontrada até em textos elementares de Física Geral ou em textos mais avançados de Mecânica de Fluidos (aqui uma demonstração). Apesar de não se apresentar nesta postagem uma demonstração rigorosa, exponho um argumento qualitativo que respalda o fato de que quando o fluido aumenta sua velocidade  de escoamento a pressão baixa:

A Segunda Lei de Newton afirma que quando ocorre um aumento na velocidade de um pedaço de matéria há que haver uma força exercida sobre este pedaço de matéria, cuja orientação é a mesma da variação da velocidade (aceleração). No caso de um fluido, a força que lhe é exercida está associada a diferenças de pressão. Ou seja, para que a velocidade do fluido aumente entre a região A e B (A e B ao mesmo potencial gravitacional) ele deve receber uma força orientada de A para B e tal ocorre quando a pressão em A é maior do que em B.

Desta forma é falso que “Não existe prova matemática ou física do porquê quando um fluido acelera a pressão dele diminui“. A prova existe desde 1738 quando Daniel Bernoulli publicou seu livro intitulado Hydrodynamica, cuja capa está na Figura 1.

Como a afirmação infeliz do Lito (seu canal no YT Aviões e músicas é muito bom) foi feita no contexto do problema da sustentação da asa (ou aerofólio) de um avião é relevante se fazer algumas considerações aqui.

A explicação completa para a sustentação do aerofólio é um problema teórico em aberto na Mecânica de Fluidos. Em 2006, quando se comemorava cem anos do prêmio outorgado a Santos-Dumont pelo Aeroclube da França, a Revista Física na Escola publicou diversos artigos relacionados com o voo e a sustentação da asa (FnE V.7 n.2), nos quais ficava evidente que há múltiplos fatores envolvidos no problema e que, contrariamente ao que muitas vezes se afirmava, por exemplo nos textos de Física Geral no final do século XX,  a explicação via EB era parcial e insuficiente.

Anteriormente, em 2001, na Revista Brasileira de Ensino de Física, o artigo de Weltner et all. – A dinâmica dos fluidos complementada e a sustentação da asa – indicou as limitações da explicação canônica pela EB, apontando para a necessidade de a complementar com o Princípio da Ação e da Reação:  quando a asa deflete a corrente de ar para baixo, ela recebe uma força para cima. 

Evidências da parcialidade da explicação para a sustentação asa pela EB são o voo de dorso, portanto com a asa invertida, das asas simétricas (com ambas as superfícies iguais) e das asas planas. Aliás, facilmente experimentamos o efeito de sustentação quando nossa mão espalmada é colocada para fora da janela de um automóvel em movimento: dependendo da orientação da mão em relação ao fluxo de ar, isto é, quando a inclinamos de forma que a parte de baixo – a palma mão – intercepte o fluxo de ar e o desvie para baixo, a mão recebe uma força para cima que facilmente é percebida em altas velocidades. No artigo de Weltner também foi notada a importância do Efeito Coanda para a entendimento da asa.

Para uma discussão atual sobre o problema da sustentação dos aerofólios vide No One Can Explain Why Planes Stay in the Air. Há neste artigo uma referência à tentativa  de Einstein em 1916 de criar um aerofólio que, quando testado, se mostrou um fracasso. Mais tarde, em 1954, Einstein considerou sua investida em aeronáutica como “loucura juvenil”.

Docendo discimus. (Sêneca)