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Paradoxal efeito do arrasto no movimento de um satélite.

Olá!
Ao ler o livro Curso de Física de Berkeley, V.1 me deparei com uma pergunta que estranhei: “qual o efeito de atrito sobre o movimento de um satélite? por que o atrito aumenta a velocidade?” o que me chocou, pois até o momento sempre esperei que a velocidade era diminuída pelo atrito. Apesar de encontrar uma resposta no link abaixo, não me foi suficiente. Ainda tateio em entender como isso acontece, penso: o satélite perde altura devido a atrito. A altura é perdida devido diminuir sua velocidade radial (certo?), mas ao perder altura se ganha em energia cinética (energia potencial é convertida), o que faz aumentar a velocidade novamente. Isso não faria ganhar altura novamente? O raciocínio é como expus? Se puder tecer algumas palavras sobre esse fato contra-intuitivo, ficarei feliz! Obrigado!

O efeito do atrito com a atmosfera sobre a velocidade de um satélite.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Inicialmente um comentário sobre a palavra atrito neste contexto. Melhor seria denominar como força de resistência ou força de arrasto pelas razões discutidas em Aquecimento de objetos pelo “atrito” com a atmosfera.

Imaginemos que um satélite com massa m esteja em órbita circular com velocidade V em torno da Terra no qual somente é exercida a força gravitacional. A resultante das forças sobre o satélite é, portanto, a força gravitacional que a Terra (considerada como um corpo com distribuição esférica de massa)  sobre ele exerce. Sendo M a massa da Terra e R o raio da órbita decorre da Segunda Lei de Newton e da Lei da Gravitação Universal que

Mas o lado esquerdo da equação 3 é a energia cinética K do satélite. Ou seja,

Portanto da equação 3 e 4 resulta que a energia cinética do satélite é dada por

Esta equação implica em que órbitas mais afastadas da Terra para um mesmo satélite tem MENOR energia cinética do que órbitas mais próximas do planeta.

Como a energia potencial Ep do satélite é dada por

a energia mecânica E do satélite, soma da energia cinética com a energia potencial, é expressa como

ou seja, a energia mecânica que é sempre negativa, tende para zero quando o raio da órbita tende a infinito. Desta forma, órbitas mais afastadas da Terra para um mesmo satélite tem MAIOR energia mecânica do que órbitas mais próximas do planeta.

No lado direito da equação 9 encontra-se um valor que somente difere da energia cinética (equação 5) pelo sinal negativo. Ou seja

Então finalmente fica demonstrado que a energia mecânica do satélite é igual ao negativo da sua energia cinética.  E se houver uma variação na energia mecânica, a equação 10 implica em que a energia cinética varia pela mesma quantidade mas com sinal contrário pois

Caso se considere uma órbita elíptica, a energia mecânica é conservada ao longo de toda a órbita e o resultado 9 pode ser igualmente demonstrado desde que R seja o raio médio (ou a metade do eixo maior) da elipse (vide Blitzer, 1971). O resultado 10 é igualmente válido se K é a energia cinética média na órbita pois tanto a energia potencial quanto a cinética são variáveis.

Quando a órbita de um satélite é perturbada por uma força de pequena intensidade quando comparada à da força gravitacional, o trabalho desta força implicará em uma pequena variação da energia mecânica do satélite. Se esta força é a força de arrasto atmosférico para satélites em órbitas baixas, como por exemplo a ISS, a energia mecânica do satélite diminuirá. Ou seja,

Diminuindo a energia mecânica, a equação 9 implica em que o raio médio da órbita diminuirá também.  Da equação 11 ou da equação 5 decorre então que a energia cinética média ao longo da órbita aumenta, ou seja, haverá um acréscimo de energia cinética pois com o encolhimento da órbita a perda de energia potencial média suprirá o ganho de energia cinética média.

É importante notar que um corpo em queda no ar também terá a sua energia cinética crescendo (até que atinja sua velocidade terminal), apesar de haver arrasto do ar e consequente perda de energia mecânica. E são conhecidos outros processos em que há perda de energia mecânica devido à existência de forças de resistência mas nos quais a energia cinética cresce; é o caso, por exemplo, do corpo que escorrega no plano inclinado com atrito.

Comentário sobre a ISS: a órbita ISS, devido ao arrasto da atmosfera que ainda existe a 400km da superfície da Terra (altitude na qual se encontra a Estação), deve ser corrigida de tempos em tempos para compensar a perda de altitude que acontece na taxa de 2km por mês (vide Correção de órbita).

“Docendo discimus.” (Sêneca)

 


4 comentários em “Paradoxal efeito do arrasto no movimento de um satélite.

  1. Raul disse:

    O único movimento dos satélites balões faz no sentido vertical em grande aceleração, coitado de quem estiver em baixo,

    Contra a reliadade não há argumentos e nem fórmulas matemáticas magicas, e nem partido A ou B, existe apenas a realidade

    Balões caindo no chão

    • Fernando Lang disse:

      Pena que não leste alguma das matérias que indicaste. Se tivesses lido, terias percebido (talvez eu seja muito otimista com um portador da síndrome de Dunning-Kruger) que estas matérias nada tem a ver com satélites. 🙂
      Mas se quiseres aprender um pouco (para quem nada sabe pouco é muito! 😉 ) acessa Enxergando satélites.
      Abaixo vai uma das diversas fotos da ISS feitas em junho de 2020 pelo astrofotógrafo Deivis S. Ortiz em Americana- SP.

  2. GL disse:

    Desculpe, mas tem uma explicação muito menos bizarra para isso: a conservação do momento angular.

    • Fernando Lang disse:

      Vou tomar o termo “bizarra” na sua terceira acepção de https://www.dicio.com.br/bizarro/, isto é, como elegante. 😉

      Talvez exista “uma explicação muito menos elegante” mas certamente ela não passa pela conservação do momento angular pelas razões que destaco a seguir.

      Não há conservação necessária nem da energia mecânica e nem do momento angular quando se passa de uma órbita para outra se a força que determina a órbita é central e dependente do inverso do quadrado da distância.
      No caso considerado, por simplicidade tratou-se de órbitas circulares. Conforme se considere órbitas circulares com raio menor, tanto a energia mecânica quanto o momento angular diminuem como é fácil demonstrar. O momento angular é diretamente proporcional à raiz quadrada do raio da órbita.

      Outra forma de se concluir que o momento angular deve variar está em que a força de arrasto é exercida na direção da velocidade, em sentido contrário ao da velocidade. Então haverá um torque da força de arrasto em relação ao centro da órbita.

      A propósito veja Conservação do momento angular de uma órbita para a outra?

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