Microgravidade é o mesmo que gravidade nula?
24 de março, 2017 às 11:23 | Postado em Astronomia, Forças inerciais, Gravitação, Mecânica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~langProfessor Lang
Vi diversas postagens suas sobre microgravidade. Fico com uma dúvida: microgravidade é o mesmo que gravidade nula? Estou confuso especificamente sobre o que ocorre na Estação Espacial Internacional. Agradeço a resposta.
Inicialmente é necessário deixar bem claro que quando falamos de gravidade neste contexto estamos nos referindo à aceleração da gravidade ou a aceleração de queda livre em um particular sistema de referência. Somente em um sistema de referência inercial é que a aceleração de queda livre tem exatamente o mesmo valor e orientação do vetor intensidade do campo gravitacional.
Portanto não se pode confundir a aceleração da gravidade com a intensidade do campo gravitacional. Vide as seguintes postagens:
Diferença na aceleração da gravidade do polo para o equador
Por que PESO não deve ser tomado como sinônimo de FORÇA GRAVITACIONAL?
Vou contextualizar a resposta em relação à Estação Espacial Internacional (ISS) mas ela é geral para qualquer sistema material (usado como sistema da referência) sofrendo uma aceleração consequente apenas da(s) força(s) gravitacional(is) que lhe é(são) aplicada(s).
No caso específico da ISS a intensidade do campo gravitacional sobre ela é cerca de 8,7 N/kg (como ela está em uma órbita a 380 km de altitude, este valor é menor do que na superfície de planeta mas não muito menor) e portanto a aceleração orbital da ISS é aproximadamente igual à intensidade do campo gravitacional, portanto cerca de 8,7 m/s2. Na verdade a aceleração orbital não é exatamente igual à intensidade do campo gravitacional pelas razões notadas adiante.
A gravidade zero – entendida como valor da aceleração gravitacional em um particular sistema de referência não inercial – é teoricamente possível em qualquer sistema de referência não inercial, sujeito a um campo gravitacional uniforme , sendo acelerado apenas pela força gravitacional associada ao campo gravitacional. Portanto a gravidade nula ou zero pode ocorrer em sistemas de referência em queda livre, quando o próprio sistema de referência se encontra acelerado exclusivamente pela força gravitacional em campo gravitacional uniforme.
Na ISS não acontece rigorosamente a gravidade zero pelas seguintes razões:
– A tênue atmosfera na região da ISS (a órbita situa-se na termosfera e lá ainda existem gases atmosféricos em pressões e densidades muito menores do que na superfície do planeta) e também outros pequenos efeitos devido ao vento solar e à pressão de radiação levam a que a sua aceleração orbital não seja idêntica à aceleração consequente da resultante das forças gravitacionais exercidas na ISS.
– O campo gravitacional externo à ISS não é rigorosamente uniforme e isto determina efeitos de maré no interior da ISS conforme discutido em MICROGRAVIDADE: Forças de maré na Estação Espacial Internacional?
– Como a estação ISS é massiva, existem pequeníssimos campos gravitacionais internos a ela, diferentes em diferentes localizações daquela estrutura.
Por tudo isto na ISS não se consegue a gravidade zero, restando fracos efeitos de gravidade, apropriadamente denominados de microgravidade. De fato estes resíduos gravitacionais quantitativamente podem atingir valores de µg (micro g ou 10-6g, onde g é o valor do campo gravitacional na região da ISS) conforme a postagem em anteriormente referida .
O termo microgravidade está consagrado e se aplica igualmente para situações onde na prática tais resíduos gravitacionais são de até 1% do campo gravitacional padrão. Vale consultar Microgravidade em Sala de Aula, NASA Microgravity Site for Students and Educators e Microgravidade em recintos fechados .
Outras postagens sobre microgravidade: Microgravidade.
“Docendo discimus.” (Sêneca)
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