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Majorana 1, O Chip da Microsoft

Recentemente a Microsoft lançou o Majorana 1, com promessa de ser um processador quântico que atinge o Estado de Majorana 1 para comportar Q-ubits como nunca antes visto ainda. Apesar de os pesquisadores serem especialista em matéria condensada, recentemente saiu declarações, e de não me engano artigo, que a Microsoft apenas inflou seu marketing. Mas a pergunta que fica. O que seria realmente o estado de Majorana? Já se conseguiu reproduzir em laboratórios? O que isso seria melhor para o processamento quântico? E o quê dizer sobre o que o chip quântico Majorana 1?

Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/

Recentemente foi noticiado que a Microsoft criou uma chip para computação quântica. A comunidade científica criticou  o anúncio e tem algumas dúvidas se de fato a Microsoft conseguiu fazer o que afirma. Independente disso, o que seriam  Partículas de Majorana,  Topologia Quântica , Topocondutor e ouros termos que aparecem associados com a notícia do deste chip?  Estes termos são técnicos, não fazendo parte do vocabulário cotidiano (e talvez nem no vocabulário de muitos graduados em ciências). Vamos tentar apresentar uma explicação simplificada de uma forma que talvez seja compreensível para os não especialistas, em especial no significado do termo “Topologia” neste contexto.

O termo Topologia é uma referência a uma área da matemática que estuda propriedades que não se alteram quando submetidos a transformações continuas, transformações que incluem esticar, dobrar, comprimir, torcer  excluindo cortar e colar.  Um exemplo bem curioso é que para a Topologia uma rosquinha e uma xícara (ver figura 1) não são diferentes, pois ambos podem ser deformados continuamente (sem cortar e sem colar) passando da xícara para uma rosquinha e vice-versa. É importante ressaltar que para a Topologia a propriedade que se mantém na xícara e na rosquinha é a existência de um buraco, não sendo importante a forma geométrica dos objetos (mas não tente tomar chá usando uma rosquinha).

No caso da Topologia  aplicada à Computação Quântica existe um interesse especial na chamada Teoria dos Nós (ou mais especificamente nos chamados Braid Groups ).  Na figura 2 (encontrada em [1]) apresentamos um exemplo do que estuda a Teoria dos Nós. As duas primeiras figuras são equivalentes mas a terceira figura é diferente das outras duas. A segunda figura pode ser transformada na primeira por uma transformação contínua, sem necessidade de realizar cortes ou colagem para obter a primeira figura (basta distorcer a parte superior). No caso da terceira, para obter a primeira precisamos fazer um corte para desfazer o nó e depois colar as pontas para obter a primeira figura.

O termo Braid  em português significa trança, e faz referência a um conjunto de linhas que estão entrelaçadas, formando algo semelhante a uma trança (ver figura 3, adaptada de https://mathworld.wolfram.com/Braid.html ). Ressaltamos que no contexto da aplicação que estamos apresentando as linhas não representam uma corda. São o que denominamos linhas de mundo pois na figura  3 e 5 a direção vertical representa o eixo do tempo (aumenta da parte inferior para a parte superior) e a direção horizontal indica a posição no espaço (na figura 4 e 6  a horizontal é o tempo e a vertical o espaço), de forma que são tranças no espaço-tempo. (Caso não tenha estudado física, uma linha de mundo seria algo como o gráfico da posição pelo tempo, com algumas restrições importantes caso a linha de mundo seja de uma partícula com massa ou sem massa.)

Diferentes tipos de tranças podem ser construídos, realizando por exemplo trocas entre os fios (na verdade a troca de posição das partículas). Na figura 4 ilustramos este processo, considerando uma rotação no sentido anti-horário e outro no sentido horário de duas partículas. Notemos que a troca de posição ocorre no plano (na figura 4 marcado como sentido horário e sentido anti-horário) e as tranças estão representadas no espaço-tempo. Note que dependendo do sentido de rotação as tranças são diferentes.

O ponto importante a ser ressaltado é   que uma vez as tranças formadas, não são modificadas com transformações contínuas. As modificações são possíveis apenas com cortes (ver o exemplo na figura 2). Importante novamente ressaltar que a aparência da trança não importa. Na figura 5 apresentamos duas tranças que possuem aparências distintas, embora do ponto de vista topológico são iguais.

Em 1997, Alexei Kitaev, apresentou um artigo na qual fazia a proposta de que este tipo de tranças poderia servir para a implementação de computadores quânticos. Inicialmente a proposta foi recebida com algum ceticismo (o físico  Nick Bonesteel lembra que “A primeira vez que li sobre o assunto dei risadas”  [2] ).  No entanto muitos grupos começaram a tratar do tema com mais cuidado, principalmente porque poderia ser estudado usando algumas técnicas  conhecidas e pela possibilidade do sistema ser mais resistente a ruídos.  A figura 6, ilustra a ideia de que um ruído externo pode modificar a forma de uma das trajetórias mas não modifica a  (topologia da) trança e como a informação está contida na trança,  o ruído não afeta o resultado.

A descrição acima é bastante simplificada mas apresenta a essência do que seria um Computador Quântico Topológico e a sua vantagem na robustez contra ruído. Na figura 7, temos uma representação de uma porta lógica (uma porta CNOT – Controlled-NOT, caso não conheça portas lógicas, não se preocupe, a figura apenas ilustra como opera a porta usando tranças), lembrando que o eixo do tempo está na horizontal.

Uma programação usando tranças corresponde a produzir tranças específicas (como o da figura 7) para cada situação particular.  O mais importante é que por serem propriedades topológicas, estas tranças mesmo que modificadas com transformações continuas (figura 6), continuam realizando as mesmas simulações. Não são 100% imunes a ruídos, mas dependendo das configurações as influências dos ruídos são muito menores do que as existentes em um computador quântico utilizando outras técnicas (armadilhas de íons, elementos supercondutores).

Existem algumas dificuldades importantes: o sistema funciona para o caso em duas dimensões (espaciais) e as partículas utilizadas precisam possuir propriedades bem específicas. Por que em duas dimensões? A construção das tranças pode ser imaginada como uma troca de posição entre as partículas e na mecânica quântica sabemos que ao trocarmos a posição de duas partículas, podemos ter duas situações: o sinal da função de onda não se altera ou se altera. No primeiro caso dizemos que as partículas são bósons (exemplo é o fóton) e no segundo caso dizemos que as partículas são férmions (exemplo é o elétron) e neste caso não é possível utilizarmos as tranças para a construção de computadores quânticos.  Dizemos que a fase altera de +1 para bósons e de -1 para férmions. Em duas dimensões a situação é diferente pois podemos obter qualquer valor entre +1 e -1. Este tipo de partículas são denominadas anyons (não confundir com ânion , que é um íon de carga negativa), correspondente à junção da palavra ANY (qualquer em inglês, indicando qualquer fase entre +1 e -1) e o afixo ON que é utilizado comumente para indicar partícula. E não pode ser qualquer anyon, devendo ser anyons não-abelianos. O termo não-abeliano indica que a ordem de duas (ou mais) transformações realizadas nos anyons é importante (quando a ordem não é importante dizemos que  a transformação é abeliana). E justamente esta propriedade de ser não-abeliano permite produzir tranças (braids) que correspondem a diferentes informações.

A construção de materiais de duas dimensões não é o principal o problema [3], mas a produção do tipo de anyon necessário para realizar a computação. No caso do chip da Microsoft é prposto a utilização de quase-partículas [4], denominadas  Modo Zero de Majorana (Majorana Zero Mode [5]), um tipo específico de anyon não-abeliano. O termo  Majorana  faz referência a um tipo de partícula elementar proposta por Etore Majorana em 1937, a saber uma partícula (mais precisamente um férmion) que seria a sua própria anti-partícula. Normalmente isto não ocorre, por exemplo o elétron que é um férmion, tem como sua anti-partícula o pósitron que é diferente do elétron. Ressaltamos que no caso do chip da Microsoft, não é uma partícula fundamental como propôs  Majorana, mas sim uma quase partícula de Majorana, que não sendo um férmion é um anyon. O termo Majorana é devido a semelhança na estrutura matemática utilizada para descrever a partícula de Majorana e a quase partícula Modo Zero de Majorana.

Para a utilização da computação topológica, é necessário produzir estas quase-partículas de Majorana, devendo ser produzidas em pares (uma como partícula e outra  a anti-partícula). Estes conjuntos de anyons constituem as tranças.

É justamente na suposta detecção da quase-partícula de Majorana que a está a grande dúvida sobre o anuncio da Microsoft [6,7]. Outros grupos já haviam reportado a detecção desta quase-partícula e em 2021 Sergey Frolov comentou [8] a respeito de possíveis detecções da quase-partícula de Majorana que “(…) os pesquisadores estão escolhendo (os dados) a dedo — focando em dados que concordam com a teoria de Majorana e deixando de lado aqueles que não concordam”e que é comum “(…) o viés de seleção assumir o controle na pesquisa experimental orientada por hipóteses.  Os “melhores” dados são frequentemente considerados aqueles que se encaixam na teoria. Então, desvios são muito facilmente considerados como erro experimental ou humano que  podem, portanto, ser descartados.

Se é este o caso do anúncio da Microsoft, ainda é cedo para afirmar. O grupo da Microsoft, fez uma apresentação sobre o tema recentemente, entretanto para muitos não foram apresentados dados convincentes.

O físico  Eun-Ah Kim, da  Universidade Cornell em  Nova York, afirmou que  não estava claro se as medições  provavam que eles funcionavam, apesar de Chetan Nayak (um dos autores do trabalho da Microsoft) afirmar   que essas medições correspondem à modelagem teórica  do dispositivo de sua equipe e que tem confiança no desempenho do dispositivo [6].

A comunidade científica ainda aguarda mais dados que confirmem de forma robusta que o chip anunciado realmente funciona.    Steve Simon,  da Universidade de Oxford, é otimista e afirma que [7] “Pode ser que o protocolo deles não seja tão confiável, mas isso não significa que eles não tenham chegado ao lugar certo de qualquer maneira.

Desta forma, por enquanto, devemos aguardar por novas evidências. 

 

Notas

[1] Computing with Quantum Knots, Graham P. Collins, Scientific American, 01 de Abril de 2006,294 (4),57

[2] “I laughed when I first read it,” recalls Nick Bonesteel, a theoretical physicist at Florida State University in Tallahassee, em  Quantum computation: The dreamweaver’s abacus , Venema, L. Quantum computation: The dreamweaver’s abacus. Nature 452, 803–805 (2008). https://doi.org/10.1038/452803a

[3] Um sistema bidimensional pode ser obtido confinando um gás de elétrons na interface de dois semicondutores, sendo que os elétrons tem seus movimentos contidos nesta interface, em baixas temperaturas e um campo magnético transversal intenso.

[4] Quase-partículas são o que denominamos excitações coletivas. Um exemplo ilustrativo é a OLA em um estádio de futebol. O movimento coordenado dos torcedores, passa a impressão de uma onda em movimento mas os torcedores não se deslocam da sua posição. Veja a figura a seguir, que foi utilizado no texto a respeito da luz sólida.

[5] Majorana zero modes and topological quantum computation , Sarma, S., Freedman, M. & Nayak, C. Majorana zero modes and topological quantum computation. npj Quantum Inf 1, 15001 (2015). https://doi.org/10.1038/npjqi.2015.1

[6]   Microsoft’s quantum computer hit with criticism at key physics meeting , Karmela Padavic-Callaghan, New Scientist 19 de março de 2025.

[7]  Debate erupts around Microsoft’s blockbuster quantum computing claims , Zack Savitsky, Science 20 de Março de  2025.

 


2 comentários em “Majorana 1, O Chip da Microsoft

  1. Kaique disse:

    Esclarecidíssimo, e excelentíssima maneira de compreender algo relativamente novo e complexo. Muito grato pela resposta!

  2. Carlos Alberto dos Santos disse:

    Para complementar este excelente artigo do prof. Fernando Kokubun, sugiro a leitura de outros textos publicados no Brasil:
    1) Livro publicado pela Livraria da Física – Majorana, o oráculo da física contemporânea – https://www.livrariadafisica.com.br/detalhe_produto.aspx?id=155138&titulo=Majorana+-+o+or.
    2) para o grande público:
    – Majorana desapareceu antes de ganhar o Nobel – https://tribunadonorte.com.br/colunas/artigos/majorana-desapareceu-antes-de-ganhar-o-nobel/.
    – Majorana desapareceu antes de ganhar o Nobel, parte 2 – https://tribunadonorte.com.br/colunas/artigos/majorana-desapareceu-antes-de-ganhar-o-nobel-parte-2/
    – O desaparecimento de Majorana, fatos e boatos – https://estadodaarte.estadao.com.br/ciencias/o-desaparecimento-de-ettore-majorana-fatos-e-boatos/.
    3) para estudantes, professores e pesquisadores:
    – A presença de Majorana na física contemporânea – https://www.scielo.br/j/rbef/a/C7WD39q3vFKF6qmSQNHYqMH/?format=pdf&lang=pt
    – Majorana, Heisenberg, a interação de troca e o méson de Yukawa, o berço da interação forte – https://www.scielo.br/j/rbef/a/Nhm5NGJ4VTbBxPvQPb5NDPD/?format=pdf&lang=pt.

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