Luz sólida? Supersólida?
17 de março, 2025 às 20:31 | Postado em Estrutura da matéria, Mecânica quântica
Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/Notícias recentes indicam que cientistas solidificaram a luz como um supersólido. Afinal o que é a luz supersólida? Com ela seria possível criar um sabre de luz ao estilo de Guerra nas Estrelas?
O resultado foi apresentado no artigo Emerging supersolidity in photonic-crystal polariton condensates. Em ciências os termos técnicos utilizados tendem a ser extremamente precisos, e muitas vezes acabam tendo significados bem distintos da sua utilização cotidiana. Um exemplo é a utilização cotidiana de calor como sinônimo de temperatura, quando na ciência estes dois termos não podem ser considerados sinônimos.
Vamos iniciar pelo título, que contém os termos “supersólido” e “condensado de poláriton”.
Condensado faz referência ao Condensado de Bose Einstein, que é um fenômeno quântico descrevendo a tendência dos chamados bósons [1] de ocuparem o mesmo estado físico (no caso o estado fundamental). A formação de um Condensado de Bose-Einstein ocorre quando a temperatura atinge um valor crítico que depende da densidade e da massa das partículas que o formam [2]. Para condensados constituídos por átomos, a temperatura é muita baixa. No caso do primeiro condensado obtido experimentalmente com átomos de Rubídio, a temperatura crítica é cerca de 170×10−9K.
O termo poláriton faz referência a uma quase-partícula [3,4] e surge devido a um processo de interação entre a luz (no caso do artigo pulsos de laser) e o meio material (no caso do artigo arsenieto de gálio e alumínio que é um material semicondutor), não sendo igual a um fóton usual (podemos pensar no poláriton como um fóton com massa efetiva diferente de zero). Desta forma “condensado de polaritons” significa que foi formado um estado físico no qual os poláritons ocupam o estado fundamental de forma coerente.
O termo supersólido faz referência à propriedade do material seus constituintes formam uma rede cristalina e ao mesmo tempo se comportar como um superfluído (material com viscosidade zero). Este tipo de fase da matéria foi proposta no artigo Speculations on Bose-Einstein Condensation and Quantum Crystals [1]publicado em 1970 na revista Physical Review, sendo comprovada experimentalmente de forma convincente apenas em 2017 e em sistemas em temperaturas extremamente baixas. A formação de um supersólido é uma decorrência de efeitos da mecânica quântica em um sistema de muitos corpos, portanto somente ocorre em situações bem específicas. Então, não é um sólido usual como um pedaço de pedra ou metal.
A formação do supersólido de condensado de poláritons ocorreu de acordo com a descrição do artigo quando o número de fótons dentro da região ultrapassou um valor crítico. Uma descrição pictórica da formação do supersólido é apresentada em A supersolid made using photons , fazendo uma analogia com um teatro e suas cadeiras. O melhor local para observar o ato é na primeira fileira e na cadeira central, que representaria o estado fundamental. O teatro representaria o material semicondutor. Os fótons ao serem introduzido no teatro, tendem a procurar a primeira fileira e a cadeira central. Aumentado o número de fótons no teatro, a cadeira central começa a ficar cheia (lembre que os fótons são bósons). Mas o número de fótons não pode aumentar indefinidamente na cadeira central, de forma que a partir de um certo valor, o sistema redistribui os fótons nas cadeiras vizinhas, mas de forma simétrica (digamos uma para a cadeira do lado direito e outra para uma cadeira à esquerda) formando condensado satélites ao primeiro condensado (na cadeira central). É esta distribução que forma o supersólido.

Assim, o artigo demonstra a formação de um supersólido mas, apesar de ser formado de fótons, deve o poláriton ser considerado como uma quase-partícula e não o fóton usual (quem tiver interesse, um texto interessante sobre poláritons, ver Polariton condensates publicado na revista Physics Today 63(8) 42-47 , 2010), portanto não um sólido usual. O interessante é que como a temperatura crítica para formar o condensado é inversamente proporcional à massa, e como a massa do polariton é bem menor do que a o átomo de Rubídio, o condensado (e portanto o supersólido) pode ser obtido em temperaturas mais altas.
E para finalizar, por não ter viscosidade, algo ser atingido por um supersólido não seria semelhante a ser impactado por um sólido comum. Desta forma um “sabre de luz” de supersólido não seria uma espada útil em uma luta com Darth Vader.

Notas
[1] Na natureza atualmente conhecemos dois tipos de partículas, os bósons e os férmions. Uma característica que diferencia um bóson de um férmion é que podemos ter mais de um bóson com o mesmo estado físico e no caso do férmion não é possível. O que diferencia um bóson de um férmion é o seu spin. Bósons possuem spin inteiro (ou zero) e férmions possuem spin semi-inteiro (1/2,3/2, 5/2 etc) . O elétron, o próton e o neutron são exemplos de férmions e o fóton um exemplo de bóson. Sistemas compostos também podem se comportar como bósons ou férmions, isto quer dizer que um átomo que é composto de férmions, e dependendo da configuração pode se comportar como férmion ou um bóson.
[2] O condensado de Bose Einstein foi obtido inicialmente com átomos de Rubídio (considerando o spin total do Rubídio, o resultado é um spin inteiro). O vídeo a seguir ilustra a formação de um Condensado de Bose Einstein: Vídeo.
A temperatura crítica é dada por
TC=A/m.(N/V)2/3
sendo A, m, N e V respectivamente uma constante, a massa, o número de partículas e o volume ocupado pelas partículas. Desta forma quanto maior a massa menor a temperatura crítica para ocorrer a formação do Condensado de Bose-Einstein. No caso do átomo de Rubídio, esta temperatura é cerca de 170×10−9K .
[3] Uma analogia que permite entender o que é uma quase-partícula é a OLA nos jogos de futebol. O movimento coletivo dos torcedores de forma sincronizada, passa a impressão de propagação de uma onda pelas arquibancadas. A figura 3 ilustra esta situação.

[4] Para um introdução sobre Polariton, ver Polariton condensates publicado na revista Physics Today.
