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Ganho de Energia Mecânica por um skatista e pelo incensário de Santiago de Compostela

Boa noite! Nesse reveillon eu e um amigo estávamos observando um skatista andando naquela pista que se parece com uma banheira. Ele descia de um lado e na hora de subir ele chegava mais alto que sua altura inicial, eu queria entender o que aconteceu exatamente.

Grato.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

É interessante notar que uma criança em um balanço também consegue a mesma proeza. Quem já andou de balanço facilmente aprendeu como transferir energia mecânica para o balanço graças ao trabalho de forças internas ao sistema balanço-sujeito. Discutirei o caso do balanço e depois o do skatista na pista em forma de banheira.

Inicialmente é importante destacar que o trabalho de forças internas a um sistema pode modificar (aumentar ou diminuir) a energia mecânica de um sistema.

Em um automóvel é evidente que o trabalho do motor (que é um trabalho interno ao sistema automóvel) pode aumentar a energia mecânica do automóvel ou compensar as perdas causadas por agentes externos (ar, estrada, …). Assim também os freios de um automóvel, realizando um trabalho interno resistivo (negativo) sobre as rodas, fazem com que a energia mecânica do automóvel diminua. Idem para uma bicicleta. Eu poderia dar inúmeros outros exemplos de como trabalho produzido dentro de um sistema (portanto realizado por forças internas) afeta a energia mecânica do sistema mas me contento com estes.

No caso da criança que se embala vale detalhar um pouco melhor como ela consegue transferir energia mecânica ao balanço pois este processo é muito interessante do ponto de vista dinâmico. Inicialmente noto que a criança pode alterar a posição de partes do seu corpo em relação ao balanço, por exemplo, por simples movimento das pernas que pendem para fora do balanço ou elevando ou baixando o corpo sobre o assento. Se modelarmos o balanço como um pêndulo, estes movimentos do corpo da criança em relação ao balanço modificam o comprimento do “pêndulo simples equivalente” ao sistema balanço-criança. Então considerarei que a criança já tenha inicialmente alguma energia potencial gravitacional, partindo do repouso do ponto A da figura abaixo.

O balanço, ao descer, ganha energia cinética e quantidade de movimento angular em torno do ponto de suspensão. Quando o balanço atinge a parte baixa da trajetória, a criança eleva as pernas que pendiam abaixo do assento e, pode também, se puxando para cima elevar todo o corpo em relação ao assento. Isto equivale a encurtar o comprimento do “pêndulo simples equivalente” e tal está indicado na figura como a linha BC. Ao encurtar o comprimento do pêndulo, há um ganho de energia cinética graças ao fato que este encurtamento NÃO altera a quantidade de movimento angular em relação à suspensão. Ou seja, este processo é análogo ao da bailarina que, já rodopiando, fecha seus braços, realizando trabalho, conservando a quantidade de movimento angular e ganhando energia cinética. Vide a discussão em Girando e aumentando a energia cinética. Como surge a energia cinética extra?.

Ou seja, ao passar de B para C, o balanço ganha energia mecânica graças ao trabalho realizado pela criança. Quando o balanço chega em D, é o momento de retomar a posição das partes do corpo da criança como originalmente em A.   Esta retomada aumenta o comprimento do “pêndulo simples equivalente” e, como o balanço já está quase em repouso, haverá novamente no processo de reposicionamento do corpo conservação da quantidade de movimento angular e agora perda de energia cinética. Entretanto esta perda entre D e E, será MENOR do que o ganho obtido entre B e C pois, como já notado, o balanço encontra-se já quase parado, atingindo então o ponto E que está acima do nível do ponto de partida A. Agora basta a criança esperar a chegada novamente em B e repetir o procedimento para continuar aumentando a energia mecânica do balanço ou, simplesmente, para repor as perdas de energia mecânica acontecidas ao longo do movimento oscilatório pelas forças dissipativas externas ao sistema.

O processo que descrevi tem como aspectos importantes o encurtamento do pêndulo quando ele já tem energia cinética e o seu alongamento quando a sua energia cinética é pequena. Estas duas ocorrências, se acontecidas nos momentos adequados, implementarão a energia mecânica do sistema oscilatório.

No caso que tratei o agente que realiza trabalho está dentro do próprio balanço. Entretanto o procedimento pode ser utilizado com sucesso por agentes externos ao balanço que encurtam e alongam a corda de suspensão. Tal pode ser visto no célebre incensário pendular de Santiago de Compostela no vídeo seguinte:  https://www.youtube.com/ .

No caso do incensário, o comprimento da corda é 21 m e os padres que a acionam conseguem modificar este comprimento em cerca de 2 m apenas. Observa-se nitidamente que o encurtamento acontece quando o incensário tem grande energia cinética e o alongamento ocorre quando o receptáculo com incenso está com pequena energia cinética (próximo aos pontos de máxima energia potencial gravitacional).

E agora o caso do skatista. O skatista flexiona os joelhos nos pontos mais altos da sua trajetória. Quando chega na parte baixa, ele estica as pernas, se afastando mais do skate. Neste processo ele encurta o raio da trajetória que o centro de massa do seu corpo descreve, realizando trabalho interno ao sistema sujeito-skate,  e ganhando então energia cinética. Se proceder adequadamente o skatista fará exatamente o que observaste: subirá além da altura de saída graças ao trabalho que ele realiza quando movimenta seu corpo para cima.

“Docendo discimus.” (Sêneca)

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