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A luz tem massa?

Nos últimos dias diversos sites noticiaram experimentos detectando a massa de fótons. Então a luz tem massa?

Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/

A luz tem massa? Esta é uma dúvida de muitas pessoas quando escutam que a luz é desviada pela gravidade. Afinal, aprendemos que “massa atrai massa” de acordo com a gravitação universal. Se não tem massa, como pode ocorrer a atração? E um artigo recente   tem sido divulgado em alguns sites como tendo determinado que a luz tem massa. Seria então esta a explicação correta? A luz tendo massa é atraída pelo campo gravitacional?

Vamos começar pelo artigo citado, e uma leitura atenta mostra que o artigo não afirma que a luz tem massa, mas estabelece um LIMITE SUPERIOR para a sua massa e não o valor da massa. Notemos que se o experimento tivesse determinado um LIMITE INFERIOR para a massa, seria um indício que a luz tem massa. Muitos outros experimentos também estabeleceram estes limites superiores, o que o artigo recente traz é a utilização de dados obtidos com observação de pulsares (um tipo de estrela) e utilizando uma formulação na qual desde o início é considerado que a luz tem massa (em geral se inicia com massa zero e são acrescentados termos de perturbação). E aqui é importante ressaltar que medir qualquer grandeza com precisão absoluta não é possível, e quando a própria grandeza tem valor nulo, a situação é mais complicada. Isto considerando apenas questões de medidas de dados observacionais/experimentais. Se considerarmos o Princípio da Incerteza, é possível mostrar que o limite superior máximo é da ordem de 10⁻⁶⁶ g (ver por exemplo The mass of the photon), de forma que experimentalmente não temos condições de determinar se a massa é zero ou não, sempre existirá uma incerteza no seu valor.  Estimativas para a massa da luz tem sido calculadas por diversos autores, por exemplo, Louis de Broglie em 1940 estimou um limite superior para a massa do fóton em 10⁻⁴⁴ g e Schroedinger em 1945 estimou o valor de 10⁻⁴⁷ g  (citado em Must the Photon Mass be Zero? de Bass e Schroedinger, 1955), de forma que o assunto é estudado faz muitos anos.

É importante ressaltar que o artigo NÃO obteve um valor para a massa da luz, mas estabeleceu um limite superior para o seu valor, caso tenha massa.

Mas se a luz não tem massa, como explicar que a força da gravidade atue na luz? Uma explicação muito comum é utilizar a relação da chamada equivalência entre massa e energia, a famosa equação E=mc².  No entanto, uma explicação mais adequada, e talvez mais fundamental é outra. Isto porque mesmo sem a utilização da relação entre massa e energia, podemos determinar a existência de deflexão da luz ao passar perto de um corpo massivo.

Consideremos o caso de um objeto com massa m perto de um corpo com massa M, e utilizando as leis de Newton, temos que

Notemos que a massa m aparece nos dois lados da equação. A princípio o m do lado esquerdo é a massa inercial e o m do lado direito é a massa gravitacional. O fato das massas inercial e gravitacional serem iguais, a aceleração de qualquer objeto é a mesma, independente da sua massa, isto é, a sua massa não importa. Isto implica que mesmo objetos sem massa, são sensíveis ao campo gravitacional. A diferença – no caso da gravitação  newtoniana – é que sendo a massa zero, ela não produz campo gravitacional. Utilizando a equação acima, podemos calcular o desvio da luz na presença de um corpo com massa M (para quem tiver curiosidade, no livro Curso de Física de Berkeley Volume 1 Mecânica, este cálculo é realizado detalhadamente). A igualdade entre a massa inercial e a massa gravitacional (ver por exemplo o texto Gravitação: gráviton e fóton) é conhecido como o Princípio Fraco da Equivalência.  Mas voltando ao desvio da luz, o cálculo utilizando a gravitação newtoniana, quando o objeto central é o Sol, nos fornece um valor que é a metade do valor previsto pela Relatividade Geral. Mas o mais importante é que o desvio da luz (independente do seu valor) ocorre devido a igualdade entre a massa inercial e a massa gravitacional, e não devido a equivalência entre a massa e energia. (No caso da Relatividade Geral, a fonte da curvatura do espaço-tempo é uma grandeza que descreve o conteúdo de energia e massa, de forma que a curvatura pode ser gerada pela presença de uma massa ou de energia, mesmo sem massa).

E se a luz tiver massa? Quais seriam as consequências? Se luz tiver massa a lei de Coulomb não seria mais “inverso do quadrado da distância”, a polarização da luz seria diferente, seria necessário incluir uma componente longitudinal para a onda eletromagnética e outras consequências (ver por exemplo este artigo ).

E a luz tendo massa, possivelmente necessitaremos de uma ou mais novas teorias, mas estas novas teorias necessariamente devem descrever as mesmas observações que são descritas pelas teorias atuais, podendo é claro, prever novas consequências ainda não observadas. Em todo caso, as diferenças entre esta possível nova teoria e as atuais, pelo menos dentro das situações experimentais e observacionais que conhecemos, deverão ser muito pequenas! E com quase toda certeza, para muitas situações continuaremos a utilizar as teorias que atualmente utilizamos. Um exemplo é a utilização da mecânica newtoniana mesmo após o advento da teoria da relatividade e da mecânica quântica. O que sabemos hoje é os limites da sua aplicação, e por ser relativamente mais simples em muitas situações, optamos por utilizar a mecânica newtoniana. Possivelmente o mesmo deve ocorrer caso seja detectado uma massa para o fóton. Mas no momento, os indícios são que a sua massa é zero.

 


2 comentários em “A luz tem massa?

  1. GUSTAVO MEHANNA UHDRE disse:

    Do ponto de vista do espaço-tempo. Podemos mostrar que partículas com massa de repouso nula, não implica que a massa inercial seja zero. Fótons tem massa de repouso nula, porém eles sofrem espalhamento e podemos associar a eles uma massa inercial m=E/c².

    • Fernando Kokubun disse:

      Isto não é 100% correto. O conceito de massa é sempre a massa de repouso. Apesar de ser comum a utilização de massa relativística, não é um conceito conveniente, pois existem massas relativisticas transversais e longitudinais (que aparece já no artigo original de Einstein em 1905) Qual seria a massa correta? A transversal ou longitudinal? Para evitar este tipo de confusão conceitual, o adequado é trabalhar sempre com massa de repouso. Ao utilizar a construção “massa inercial do foton= E/c^2”, está trabalhando com massas diferentes para o fóton (vai depender da energia), ou seja o conceito de massa relativística. Assim, caso opte por utilizar o termo “massa inercial” para o foton, é preciso ter o cuidado de não confundir com a massa que só tem sentido se for no sistema na qual o objeto está em repouso.

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