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Validade da Lei de Ohm

Estou preparando um material para meus alunos e notei algo interessante: nos livros didáticos de Física, a resistência elétrica costuma ser inicialmente definida pela relação R=U/i, de forma operacional. Somente depois aparece a definição baseada nas propriedades físicas do condutor, usando resistividade, comprimento e área da seção transversal (R=ρ⋅L/A). Do ponto de vista lógico, me parece que essa ordem poderia ser invertida, mas minha dúvida principal é outra.

Ao estudar a Lei de Ohm, definimos um resistor ôhmico como aquele cuja resistência se mantém constante, independentemente da corrente elétrica que o percorre. No entanto, sabemos que todo resistor dissipa energia (efeito Joule), o que leva ao aumento de temperatura e, consequentemente, à variação da resistividade do material — e, portanto, da própria resistência elétrica.

Diante disso, seria incorreto afirmar que não existem resistores verdadeiramente ôhmicos? Seriam todos os resistores ôhmicos, na prática, apenas aproximações ou idealizações teóricas? Em outras palavras: o resistor ôhmico é um modelo ideal, útil para fins didáticos e práticos, mas que nunca é plenamente realizado na natureza?

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - IF-UFRGS

A resposta será orientada pelo artigo de 1876 na Nature de James Clerk Maxwell, intitulado Relatório ao Comitê para Testagem Experimental da Exatidão da Lei de Ohm. A seguir encontra-se a tradução livre dos parágrafos iniciais (o grifo é nosso):

O enunciado da Lei de Ohm é que, para um condutor em um dado estado, a tensão elétrica é diretamente proporcional à corrente produzida.

Se dividirmos o valor da tensão pelo valor da corrente, este quociente é definido como a resistência do condutor, e a Lei de Ohm afirma que a resistência, tal como foi definida não varia com a intensidade da corrente. A dificuldade de testar esta lei reside no fato que a corrente gera aquecimento do condutor, de tal forma que é extremamente difícil garantir que o condutor está na mesma temperatura quando correntes com diferentes valores estão passando por ele.

Desses dois parágrafos se conclui que a expressão

R U/i

é a equação de definição de resistência elétrica (R), na qual U e i são respectivamente a tensão elétrica aplicada no condutor e intensidade da corrente elétrica que por ali flui. Ou seja, o símbolo de identidade () é mais apropriado do que o símbolo de igualdade (=) pois trata-se, como já notado, de uma equação de definição.  É importante notar que a definição de resistência elétrica, não exige que ela seja constante.

Entretanto, em acordo com o restante do texto de Maxwell, a Lei de Ohm admite que, se a temperatura é constante, U é diretamente proporcional a i, implicando que R é constante. O restante do artigo de 1876 (disponível no endereço indicado) trata de como garantir experimentalmente que a testagem da Lei de Ohm possa ser feita, controlando a condição de temperatura constante.

Assim sendo, a definição correta (isto é, consistente com o que Maxwell explicita) de condutor ôhmico (condutor que obedece a Lei de Ohm) é a seguinte:

Um condutor é ôhmico se sua resistência elétrica se mantém constante, independentemente da corrente elétrica que o percorre ou da tensão que se lhe aplica, quando sua temperatura é mantida constante.

Nota importante: Obtendo-se experimentalmente um  gráfico de U contra i que não resulta em uma reta passando pela origem (se resultasse então R seria constante), ainda não se está demonstrando uma violação da Lei de Ohm embora a resistência elétrica esteja variando. Em outra postagem será discutido um caso muito comum, seja em livros, seja em materiais da internet, que incorre no equívoco de admitir ser suficiente a detecção experimental da variação da resistência elétrica para a demonstração de que o condutor não é ôhmico.

O condutor é não-ôhmico (não cumpre a Lei de Ohm) se o comportamento não linear no gráfico de U contra i  se deve a outra(s) variável(is) que não seja exclusivamente a temperatura. Existem condutores não-ôhmicos a exemplo dos díodos, dos VDR (Voltage-Dependent Resistor), dos  foto resistores ou LDR (Light_Dependent Resistor), dos transístores, … .

Os metais (e alguns outros materiais) são, com excelente aproximação, condutores ôhmicos pois mantida constante a temperatura, apresentam resistência elétrica (ou resistividade) constante dentro da faixa de corrente e tensão em que são utilizados.

Portanto, conforme afirmado pelo perguntante,  é verdade “que todo resistor dissipa energia (efeito Joule), o que leva ao aumento de temperatura e, consequentemente, à variação da resistividade do material — e, portanto, da própria resistência elétrica”  mas estas variações de resistividade e de resistência elétrica por si só não se constituem em violações da Lei de Ohm conforme explicitado no texto de Maxwell, devendo ser consideradas e controladas quando se testa esta lei.

“Docendo discimus.” (Sêneca)


2 comentários em “Validade da Lei de Ohm

  1. Achei interessante a abordagem e as dúvidas sobre a lei de Ohm.
    O que eu diria é que a Lei não especifica condições : R = E/I vale sempre para valores instantâneos em qualquer temperatura, quando se analisa o comportamento elétrico de um Resistor.
    Tanto é assim que a Resistência pode ser expressa para vários dispositivos resistivos (Resistores), como função da temperatura (T), Por exemplo: R(T) = Ro + α (T – To) onde Ro é a Resistência numa temperatura inicial, α é um coeficiente, positivo ou negativo, nem sempre constante ou ainda como função da deformação, como no caso dos Extensômetros (Strain Gages) pela variação da espessura ou comprimento de um resistor, (R=ρ⋅L/A​) etc. O acaso da linearidade é um caso particular, mas uma ótima aproximação da realidade na maioria das situações práticas e de uma simplicidade (franciscana)…De um modo geral deve-se salientar que R é um parâmetro e não um elemento físico, é preciso separar Resistência e Resistor. Existem vários tipos de Resistores, para vários tipos de aplicação que podem ter diferentes comportamentos, mas a mesma Resistência que é o parâmetro elétrico utilizado na análise de circuitos.
    Não vale a pena complicar. O que me parece é que o Resistor ôhmico é um criação literária. Aquilo que a primeira vista pode parecer um defeito (a variação da resistência com a temperatura) se transforma numa virtude quando buscamos um sensor de temperatura (Vide os PT100) ou qualquer outro RT.
    Quando falava aos meus alunos sobre a lei de Ohm (usava V em vez de U para representar a tensão) e dizia que ela é tão simples que aquele que a vê Ri … pois V=RI.




  2. Gostaria de colaborar com esse post. Acredito que esse vídeo ajudará a esclarecer as duvidas da postagem inicial.

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