Um campo gravitacional tem energia potencial ilimitada?
2 de maio, 2018 às 15:34 | Postado em Gravitação, Mecânica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Obviamente, sei que não existe energia infinita no universo. A questão é que, aparentemente, a lei da gravitação parece violar esse princípio. Ilustro meu raciocínio no exemplo seguinte. Inicialmente, vamos supor que um universo em que existam apenas dois corpos. Esses corpos estão a uma distância infinitamente grande. De início o campo gravitacional seria pequeno, mas ainda sim existiria, visto que a massa de um corpo gera um campo gravitacional em qualquer ponto do universo, por menor que seja esse campo. Com o passar do tempo (muito tempo!) a força atrativa sobre os corpos faria a velocidade aumentar continuamente e consequentemente sua energia cinética também aumentaria continuamente. A conclusão que se tira é que a energia poderia ser tão grande quanto fosse o universo (pois bastaria colocar os corpos a distância desejada atingir uma velocidade potencialmente ilimitada) ou que o universo não pode ser infinito, pois isso implicaria que a energia é infinita. Gostaria de uma opinião sobre a questão.
Vou responder o questionamento dando um exemplo muito particular, envolvendo o campo gravitacional da Terra. Consideremos um corpo com massa muito menor do que o da Terra, posicionado a uma distância muito grande da superfície do planeta, virtualmente no infinito, inicialmente em repouso. E conforme imaginaste no teu raciocínio, admitamos que somente existam a Terra e este corpo.
O corpo então é puxado pela Terra e vai ganhando energia cinética continuamente conforme se aproxima da Terra. Como a intensidade do campo gravitacional da Terra decresce com o quadrado da distância, o trabalho da força gravitacional sobre este corpo ao longo de um deslocamento dado – por simplicidade de 1 m – é nas proximidades da superfície da Terra cerca de 9,8 joules para cada quilograma do corpo cadente. Neste mesmo corpo, quando está tão afastado da Terra quanto a Lua está de nós, ao se aproximar por 1 m do planeta, o trabalho da força gravitacional (que é cerca de 2500 vezes menor do que aqui embaixo pois a distância ao planeta é 50 vezes maior do que o raio da Terra) é 9,8/2500=0,004 joules por quilograma de massa do corpo cadente. E quando este corpo estivesse tão distante da Terra quanto o Sol está, ao cair 1 m em direção à Terra, o trabalho da força gravitacional seria cerca de 144 mil vezes menor do que quando ele está tão afastado de nós quanto a Lua, portanto valendo cerca de 0,004/144.000=0,000000003 joules apenas.
Pode-se demonstrar, conhecendo-se um pouco de Cálculo Diferencial e Integral, que este corpo quando cai desde o infinito até a superfície da Terra, que o trabalho da força gravitacional é finito, valendo de cerca de 63 milhões de joules para cada quilograma do corpo cadente. Dito de outra forma, este corpo que cai a partir do repouso de um ponto muito distante da Terra, atinge a superfície da Terra (caso a única força exercida sobre ele seja a força gravitacional) com a velocidade de 11,2 km/s. E se este corpo fosse lançado da superfície da Terra com no mínimo tal velocidade (denominada então velocidade de escape), ele se afastaria indefinidamente da Terra sem nunca mais retornar (se a única força exercida nele é a força gravitacional da Terra). Vide mais sobre esta discussão em Velocidade de escape.
Finalmente, acertaste ao afirmar que “com o passar do tempo (muito tempo!) a força atrativa sobre os corpos faria a velocidade aumentar continuamente e consequentemente sua energia cinética também aumentaria continuamente“, entretanto erraste sobre a suposição de que o crescimento contínuo implica em crescer de forma ilimitada, isto é, sem convergir para um valor finito.
“Docendo discimus.” (Sêneca)