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Termodinâmica: as diversas formas de trabalho.

Professor Lang

Li em uma comunidade do FB um comentário relativo à postagem do CREF  sobre Questão sobre calor e variação da temperatura para duas esferas.  O  comentário envolvia a Primeira Lei da Termodinâmica e o conceito de trabalho: “a termodinâmica clássica é pensada com trabalho de expansão, se há outros trabalhos, outros tratamentos são necessários.”  Segundo o comentarista  o único trabalho que estaria contido naquela lei é o “trabalho da pressão” ocorrido quando há mudanças de volume em um sistema.

Entretanto como bem nota o professor Jorge Sá da UFF em uma das suas impecáveis aulas o “trabalho da pressão” é um dos tantos tipos de trabalho possíveis de ser incluídos na Primeira Lei da Termodinâmica. Veja por exemplo aos 2min do vídeo https://www.youtube.com/watch?v=JV2Xgc9t1G8.

Este equívoco do comentarista é comum e lhe sugiro uma postagem com alguns exemplos de outras formas de trabalho e a Primeira Lei da Termodinâmica. Tenho aprendido muito com as postagens do CREF e lhe agradeço antecipadamente.

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Talvez o equívoco aconteça devido a que a Termodinâmica, em nível de Física Geral, enfatize o trabalho em sistemas gasosos e mais especificamente em gases ideais. Esta ênfase pode levar à concepção tácita de que o trabalho contido na Primeira Lei da Termodinâmica seja exclusivamente “trabalho da pressão” quando um sistema muda de volume, interagindo por pressão com o entorno.

Conforme nota o Prof. Jorge Sá em suas excelente aulas, qualquer forma de trabalho realizado sobre ou por um sistema deve ser considerada no contexto da Primeira Lei da Termodinâmica. O verbete da Wikipedia discute extensamente sobre diversas formas de trabalho: Work (thermodynamics).

A ingenuidade da presunção do comentarista se choca com a história da Termodinâmica, por exemplo em relação aos conhecidos experimentos do conde Rumford no século XVIII (vide Entrevista com o conde Rumford).  O efeito de aquecimento da água que refrigerava as brocas dos canos de bronze dos canhões de Rumford exemplifica uma forma de trabalho isocórico (a volume constante) do atrito acontecido quando dois sólidos (no caso o bronze do cano e o metal da broca) tem as suas superfícies de contato movidas uma em relação à outra, acarretando que o trabalho da força de atrito determine um aumento da energia interna dos metais. Este aumento da energia interna manifesta-se no aumento da temperatura dos corpos envolvidos, que devem ser banhados em água para evitar que temperaturas muito elevadas aconteçam. O conde Rumford constatava a água em ebulição no tanque onde a operação do broqueamento dos canos de canhão se dava.

Outro exemplo de trabalho isocórico, medido com precisão, aconteceu no célebre experimento de Joule em que pás movidas por corpos acionados pela gravidade agitam a água no calorímetro, incrementando a energia interna do calorímetro.

Quando as mãos são esfregadas para aquecê-las, tem-se outro exemplo de trabalho isocórico devido ao atrito que incrementa a energia interna da pele das mãos interagentes e consequentemente elevando a temperatura.

Um experimento factível de ser realizado em sala de aula está descrito em Energia Mecânica e Calor. Uma garrafa pet com um pouco de água, fortemente agitada, absorve trabalho adiabaticamente (sem trocas por calor), aumentando sua energia interna e um incremento na temperatura da água pode ser detectado com um termômetro. Outra versão do experimento é feito com um liquidificador com água,  aquecida ao se realizar trabalho sobre o líquido através das pás do aparelho.

O conhecido Efeito Joule acontece graças ao trabalho elétrico realizado sobre um condutor, aumentando a sua energia interna, aquecendo-o. Pode-se usar este efeito, medindo-se o trabalho elétrico em um resistor imerso em água e a variação de temperatura da água em um calorímetro, para se determinar o “equivalente mecânico do calor” conforme descrito em Medindo o equivalente mecânico do calor. Este experimento me foi marcante quando o realizamos em 1967 nas aulas do saudoso Prof. Sporket no curso científico no Colégio Sinodal em São Leopoldo.

Outro exemplo de como o trabalho elétrico é capaz de produzir aquecimento acontece nos fornos de micro-ondas; aliás, é importante destacar que o aquecimento no forno de micro-ondas não é por calor. O campo elétrico variável, associado à radiação de micro-ondas, trabalha sobre as moléculas dos alimentos produzindo aquecimento dielétrico conforme discutido em Aquecimento da água no micro-ondas NÃO se dá por ressonância!

Em núcleos de ferro de bobinas que operam em corrente alternada encontramos outro exemplo de como o trabalho eletromagnético determina o aumento da energia interna desses sistemas. Ali acontece o aquecimento devido em parte às correntes de Foucault induzidas no núcleo (embora essas possam ser minimizadas pela laminação do núcleo conforme discutido em Dúvidas sobre um transformador elétrico) e em parte pelo trabalho dissipativo associado à histerese magnética do material.

Os leitores da postagem poderão oferecer outros exemplos de sistemas que trocam trabalho com o entorno além do conhecido “trabalho da pressão”.

“Docendo discimus.” (Sêneca)


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