Teorema Greenberg-Horner-Zeilinger e a realidade física
29 de maio, 2025 às 20:42 | Postado em Mecânica quântica
Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/O que é o Teorema Greenberg-Horner-Zeilinger? E o que ele implica para o realismo na Mecânica Quântica?
Em 1935 A.Einstein, B. Podolsky e N. Rosen publicaram um artigo (atualmente conhecido como artigo EPR ou paradoxo EPR ) [1] no qual consideravam que a mecânica quântica poderia ser uma teoria incompleta. Apesar de N. Bohr ter publicado um artigo refutando a proposta, devido à dificuldade de realizar experimentos para comprovar ou não a ideia do artigo EPR, o tema ficou relegado por muitos anos.
Mas em 1964, John Bell publicou um artigo mostrando a possibilidade real de realização de um teste experimental sobre o paradoxo EPR (ver o texto A desigualdade de Bell ), construindo uma desigualdade que todo sistema que satisfaz os critérios estabelecidos no artigo EPR deve contemplar: a da localidade e existência de elementos de realidade física (sobre o termo realidade física, ver Mecânica Quântica e Realismo ). É importante ressaltar que a desigualdade de Bell (e suas variantes) tem sido testada em diversas situações, mostrando que a mecânica quântica viola a desigualdade.
Mas existe uma construção que discorda da situação clássica de forma mais dramática do que as desiguldades de Bell, proposta no artigo Going Beyond Bell’s Theorem de DM Greenberger, MA Horne e A Zeilinger em 1989 [2]. No artigo os autores analisaram uma situação de um estado emaranhado de quatro partículas e concluem que “não há maneira de formar uma teoria local clássica e determinística que reproduza teoria quântica em geral” . Este resultado atualmente é conhecido como o Teorema GHZ.
Para apresentar a proposta do Teorema GHZ, vamos utilizar um exemplo mais simples do que o das quatro partículas. Este exemplo foi sugerido por D. Mermin em 1990 [3] em um trabalho que considerou um estado emaranhado de três partículas, cada um com spin 1/2. Nesta situação o resultado de uma medida em uma direção qualquer em cada partícula será +1 ou -1. Após a produção do estado emaranhado, cada partícula é enviada para uma estação de medida e cada estação pode realizar medidas em duas direções, que vamos representar por 1 e 2. Na figura 1, temos uma ilustração do dispositivo apresentado por Mermin.
No centro existe a fonte do estado emaranhado, que envia cada partícula para um detector, representado pelas letras A, B, C e em cada detector é escolhida uma direção , representada pelos números 1 e 2. Em cada detector existe uma luz indicando o resultado da medida +1 ou -1 (no artigo Mermin representa pela letra R e G, de Red e Green). A figura indica que o detector A e B são regulados para realizar medidas na direção 2 e o detector C na direção 1. No artigo Mermin analisa a situação na qual apenas um dos detectores está regulado para fazer medidas na direção 1, outros dois estando na direção 2.
Nestas situações é possível mostrar [4] que se o detector A estiver no sentido 1, B e C no sentido 2 o resultado do produto das três medidas deve ser igual a -1. Se os três forem -1 o resultado final será -1, se dois forem +1 o terceiro deve ser -1, e somente nestas situações o resultado do produto será igual a -1. Isto implica que apenas um número impar de resultados (apenas um ou todos os três) das medidas pode ser -1 pois caso contrário o resultado será +1.
Agora se os três detectores forem escolhidos para medir a mesma direção (por exemplo a direção 1), o produto das medidas dos três detectores será igual a +1. Este é um resultado que pode ser obtido diretamente com a utilização do formalismo da Mecânica Quântica (na nota [5] indicamos como obter na mecânica quântica os resultados acima).
Este resultado é similar ao que acontece no paradoxo EPR: se conhecermos o resultado de duas medidas, a terceira é determinada de forma inequívoca.
E classicamente, seria possível? Ou melhor, em uma teoria não probabilística, seria possível? Nesta situação devemos considerar que os valores +1 ou -1 já são pré-determinados desde o início, e que as medidas apenas revelariam estes valores, não sendo um caso probabilístico (ou um resultado da medida).
Utilizando a seguinte notação na qual A1 representa o valor do spin da partícula A na direção 1, A2 o valor do spin da partícula A na direção 2, e analogamente para B1, B2, C1, C2, podemos apresentar na forma de equações os resultados das medidas, sendo que para os casos com apenas um detector na direção 1, temos três possibilidades
A1B2C2=−1
A2B1C2=−1
A2B2C1=−1
É importante lembrar que apesar da semelhança das equações acima com as da mecânica quântica (ver [4]), os termos A1, A2, B1, B2, C1, C2 não são operadores, mas valores que preexistem à realização das medidas nos detectores, com seus valores podendo ser +1 ou -1 definidos na produção do estado emaranhado (é assumido a existência de uma realidade física, no sentido proposto no artigo EPR).
E no caso dos três detectores na mesma direção (digamos 1)
A1B1C1=1.
Esta última equação indica que ou os três valores são positivos, ou um é positivo e dois são negativos. Vamos analisar com cuidado o caso com três valores positivos no qual as três primeiras equações podem ser escritas como (basta eliminar A1, B1,C1 das equações, lembremos que agora são grandezas clássicas)
B2C2=−1
A2C2=−1
A2B2=−1
Assim os sinais de cada par em cada equação devem ser opostos. Mas isto resulta em uma contradição! Por exemplo se escolhermos B2=+1 então devemos ter C2=−1, isto implica que a segunda equação deve ser A2=+1. Mas se A2, B2 são positivos, a terceira equação não é válida! (Um bom exercício é analisar o que ocorre se apenas um valor em A1B1C1=1 for positivo, e mostrar que a contradição ainda estará presente). Resumindo, a física clássica em um experimento como o proposto no Teorema GHZ produz um paradoxo de que 1=-1.
Isto implica que o sistema utilizado no Teorema GHZ não pode possuir valores definidos, como é assumido pela física clássica, ou seja reforça a característica não local da mecânica quântica e contraria a ideia da existência de uma realidade física conforme assumida no artigo EPR, sendo também um resultado mais forte do que a desigualdade de Bell.
Notas
[1]A. Einstein, B. Podolsky, N. Rosen. Can Quantum-Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?
Phys. Rev.,47 (10) ,777–780, (1935). https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRev.47.777
[2] D.M. Greenberger, MA. Horne, A. Zellinger : Going Beyond Bell’s Theorem’Bell’s Theorem, em Quantum Theory, and Conceptions of the Universe’, M. Kafatos (Ed.), Kluwer, Dordrecht, 69-72 (1989) , acesso livre em arxiv , 200
[3] N. David Mermin. Quantum mysteries revisited , Am. J. Phys. 58, 731–734 (1990).
https://doi.org/10.1119/1.16503
[4] Mermin considera o estado (ao longo do eixo z)
|Ψ⟩=1/√2 [|111>−|000⟩]
(no artigo é utilizado |−1,−1,−1> ao invés de |000> )
[5] Caso esteja interessado na notação padrão da mecânica quântica, as equações são obtidas utilizando os operadores de Pauli para cada partícula (usamos a notação σai sendo a=A,B,C para indicar o detector e i=1,2 para indicar a direção), e neste caso as 4 equações são:
σA1σB2σC2|Ψ⟩=−1|Ψ⟩
σA2σB1σC2|Ψ⟩=−1|Ψ⟩
σA2σB2σC1|Ψ⟩=−1|Ψ⟩
σA1σB1σC1|Ψ⟩=+1|Ψ⟩
Notando que em cada equação, os operadores comutam.
Estados de Werner tbm são interessantes, são estados que possuem emaranhamento local. Todo estado que viola a desigualdade de Bell é emaranhado, mas nem todo estado emaranhado viola a desigualdade de Bell.