Sobre a (in)visibilidade do vidro em glicerina
6 de novembro, 2022 às 15:39 | Postado em Óptica geométrica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Bom dia/Boa tarde/ Boa noite professor, admiro muito seu trabalho e sempre o utilizo para minhas aulas e avaliações. Recentemente me surgiu uma dúvida sobre um experimento famoso (que até já caiu no ENEM) da invisibilidade do vidro na glicerina. A explicação comum para o fenômeno é que o vidro e a glicerina possuem índices de refração bem próximos fazendo com que seja impossível detectar possíveis bordas da garrafa já que a luz é desviada em ângulos iguais no vidro e no líquido. Entretanto, encontrei um artigo que aponta que essa explicação está errada e na verdade o fenômeno independe do índice de refração, mas sim da geometria da garrafa de vidro e do recipiente que contém o líquido (Invisibilidade da garrafa (a explicação correta) ). Gostaria de saber qual explicação está correta e o que exatamente explica este fenômeno.
A suposta invisibilidade do vidro em glicerina seria consequente de que os índices de refração dos dois meios é semelhante (1,50 para o vidro e 1,47 para a glicerina), impossibilitando a reflexão da luz pelo vidro. Entretanto, como bem nota o artigo de 2004 no Caderno Brasileiro de Ensino de Física – Invisibilidade da garrafa (a explicação correta) -, o objeto de vidro (por exemplo, uma pequena garrafa ou tubo) é visível quando imersa em glicerina. A figura 1 apresenta, em acordo com a proposta do artigo, um tubo de vidro, preenchido com glicerina, imerso em glicerina em uma cuba com faces planas.
Na figura 2 o tubo de vidro preenchido com glicerina está imerso em glicerina contida em um copo cilíndrico. Agora a (quase) invisibilidade do tubo ocorre!
A invisibilidade do tubo não acontece completamente pois é possível se perceber o fundo do tubo e o fundo do copo conforme a figura 3 indica.
Conforme exposto no artigo Invisibilidade da garrafa (a explicação correta) a (quase) invisibilidade do tubo de vidro no recipiente cilíndrico decorre de que o líquido entre o tubo e o recipiente é um dioptro cilíndrico que produz uma imagem virtual do tubo com diâmetro maior do que o seu diâmetro real. Esta ampliação, dependendo dos diâmetros do copo e do tubo, bem como do índice de refração do líquido ali presente, leva a imagem do tubo a ocupar completamente o interior do copo, tornando as paredes do tubo invisíveis. Para uma discussão quantitativa sobre a ampliação do diâmetro do tubo em uma cuba cilíndrica vide o material de apoio da dissertação de mestrado de Eric Barros Lopes, intitulada Refração e o Ensino de Óptica, disponível aqui.
Na figura 4 tanto o tubo de vidro quanto o copo contem água. Como o índice de refração da água é menor que o da glicerina a imagem do tubo tem diâmetro menor do que quando estava imerso em glicerina e agora é bem perceptível a parede lateral direita do tubo. A lateral esquerda está quase invisível pois como o tubo não está centrado no copo, sua imagem preenche completamente o espaço interno ao copo no lado esquerdo.
Um vídeo abordando corretamente a quase invisibilidade do vidro em glicerina é o seguinte: Vidro que (quase) desaparece.
Fica assim demonstrado empiricamente que o vidro é visível quando imerso em glicerina mas que dependendo do formato do recipiente e do objeto de vidro a (quase)invisibilidade pode acontecer por ocultação devida a uma imagem virtual ampliada. Teoricamente, baseado nas equações de Fresnel, o coeficiente de refletância para a interface entre vidro e glicerina é no máximo cerca de 1%, explicando assim que em determinadas condições de iluminação vídeos exibidos na internet corroborem erroneamente a invisibilidade mesmo quando a condição para ocultação por ampliação da imagem não está contemplada (por exemplo o vídeo Vidro desaparece na glicerina).
“Docendo discimus.” (Sêneca)
Excelente postagem! Esclarecedor! Parabéns prof Fernando Lang!!!