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Sobre a história dos termômetros

O termômetro é o aparelho utilizado para medir a grandeza temperatura, e o seu papel no desenvolvimento da termodinâmica, não pode ser desprezado. Mas qual a origem do termômetro?

Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/

O conceito de  objetos quente ou frio tem origem muito anterior ao desenvolvimento do termômetro e da noção de temperatura. Que o ar e a água expandiam ao serem aquecidos,  eram conhecidos desde a Grécia antiga,  um exemplo sendo a máquina a vapor de Heron de Alexandria (cerca de 60 AC) ou um termoscópio rudimentar de Filão de Bizâncio (280-220 AC). No entanto, não tinham o propósito de medir temperaturas.

Talvez para surpresa de muitas pessoas, o termo temperatura não foi inicialmente elaborado para alguma aplicação em física ou  química. Cláudio Galeno (cerca  de 129 a 227 DC) , filósofo e médico grego, baseava seus tratamentos nas quatro qualidades propostas por Aristóteles: calor, frio, seco e umidade. A combinação/mistura destas quatro qualidades, definiria segundo Galeno, as diferenças entre as pessoas. O termo mistura em latim é escrito “tempera”, que dá origem ao termo temperatura.  Galeno propunha e existência de uma temperatura neutra, que não seria nem quente nem frio, e que poderia ser obtido com uma mistura igual de água fervendo e gelo, propondo o que seria o primeiro padrão de medida da temperatura, e a partir desta temperatura neutra, Galeno apresentou 4 graus de quente e 4 graus de frio [1]. Mas para a medida da temperatura, não existia nenhum aparelho,  de forma que “quente” ou “frio”, eram grandezas subjetivas.

Não se sabe exatamente quem inventou ou usou pela primeira vez um termômetro (no sentido de medir temperatura com alguma escala). Existem algumas indicações apontando diferentes autores em diferentes épocas, sendo comum os seguintes autores: Santorio Santorii (Sanctorius) (1561- 1636), que tem o primeiro registro escrito (1611) sobre o termômetro; Galileu Galilei,  apesar de não termos registros escritos, existem algumas indicações que teria inventado um termômetro antes de Santorio, talvez no período de 1592 a 1603;  Robert Fludd (1574- 1637) e  Cornelius Drebbel 1(572-1633) são outros prováveis inventores do termômetro. Não existem registros que eles tivessem conhecimento do trabalho dos outros, de forma que com grande possibilidade, foram desenvolvidos de maneira independente. Lembrando que no período, a comunicação era bem demorada. Mas o termômetro, como conhecemos atualmente, com líquido ou gás em um recipiente fechado, foi desenvolvido em 1641, por Ferdinando II, Grão Duque da Toscana (1610-1670). Os termômetros anteriores eram construídos utilizando recipientes abertos.

Uma vez tendo sido construído o termômetro, o próximo importante passo foi a de definir qual a melhor substância para ser utilizado, e qual o melhor padrão a ser utilizado para calibrar um termômetro. Alguns padrões propostos: temperatura dentro de um porão profundo,  temperatura das grutas sob o  Observatório de Paris, cera derretida, temperatura do corpo humano, temperatura do sangue, temperatura da manteiga derretida , água fervendo, mistura de água gelo e sal, dia mais quente do verão e outros [2]. Entre as substâncias, as preferências eram água, vinho, ar e mercúrio.

Daniel Gabriel Fahrenheit (1686-1736) foi o responsável por estabelecer a utilização do mercúrio como a substância ideal para os termômetros, e utilizou como padrão a temperatura do corpo  humano e a ponto de congelamento de uma mistura em partes iguais de água, gelo e sal amoníaco, em 96⁰F e 0⁰F, respectivamente. Note que Fahrenheit NÃO escolheu como pontos fixos a temperatura de ebulição e a temperatura de congelamento da água, em 212⁰F e 32⁰F, respectivamente [3]. Os termômetros construídos por Fahrenheit e com o padrão escolhido tornaram os termômetros confiáveis, com diferentes aparelhos resultando em medidas iguais nas mesmas condições,  o que antes não era possível (o termômetro de vinho (álcool), que era o mais comum, resultava em medidas diferentes nas mesmas situações). Os valores utilizados por Fahrenheit, possivelmente tem origem em uma escolha para evitar o uso de números decimais “Fahrenheit prosseguiu dizendo (….) achava que a escala de Roemer com suas frações era ao mesmo tempo inconveniente e deselegante; então, em vez de 22 1/2 ⁰ dividido em quartos, ou seja, 90, ele decidiu considerar 96° como calor do sangue” [4].

A escala Celsius, que utilizamos no Brasil, foi desenvolvida por Andres Celsius, que utilizou como ponto fixo o ponto  de ebulição da água e o ponto de congelamento em 0⁰C e 100⁰ C, respectivamente. Na escala original, os pontos fixos de Celsius são invertidos em relação ao que utilizamos atualmente.

Uma definição mais precisa da temperatura, somente foi desenvolvida com a consolidação da termodinâmica, e sendo expressa pela Lei Zero da Termodinâmica (já estavam consolidadas as chamadas Primeira e Segunda Lei da Termodinâmica), e a unidade de temperatura sendo o kelvin, simbolizado pela letra K. Note que não é utilizado o símbolo ⁰ de grau na escala kelvin. Atualmente é utilizado como ponto fixo o chamado ponto triplo da água, sendo atribuído o valor de 273,16 K. A escala kelvin é considerada temperatura absoluta, e a  temperatura de 0K é a menor temperatura possível em um sistema físico [5].

Notas e Referências

[1] T J Quinn and J P Compton 1975, The Foundations of Thermometry  Rep. Prog. Phys. 38 151; F. Sherwood Taylor M.A. Ph.D. , 1942,  The origin of the thermometer, Annals of Science, 5:2, 129-156

[2] H. Chang 2007, Inventing Temperature, Oxford Univerity Press.

[3] A escolha do ponto de ebulição da água, não foi simples, até porque a definição precisa de ponto de ebulição não era bem estabelecida. Termos como ebulição branda, ebulição agitada, ebulição violenta eram comuns de serem utilizadas, além de que a utilização de um recipiente de vidro ou de metal, resultava em valores diferentes. Uma discussão interessante sobre estas dificuldades pode ser lida na referência [2].

[4]O trecho completo “Fahrenheit went on to say, in his letter to  Boerhaave, that in 1717 he felt Roemer’s scale with its fractions to be both inconvenient and inelegant ; so instead of 22 1/2 ⁰  divided into quarters, that is, 90, he decided to take 96° as blood heat.  Retaining the same zero, the melting point of ice became 32°, instead of 7 1/2 ⁰  divided into quarters,  or 30. This scale he continued to use and was using at the time the letter was written (that is,  in 1729) ; he added that he had been confirmed in his choice because he found it to agree, by pure coincidence, with the scale marked on the thermometer hanging in the Paris Observatory.  ” Fonte: Friend, J. The Origin of Fahrenheit’s Thermometric Scale. Nature 139, 395–398 (1937). https://doi.org/10.1038/139395a0

[5] Veja por exemplo  Sobre a determinação do zero absoluto . Uma curiosidade  é que para sistemas fora do equilíbrio ou em equilíbrio meta estável, é possível atribuir uma temperatura negativa, mas que  não representa uma temperatura menor que 0 K.  Em um laser, o processo chamado inversão de população, corresponde a um sistema com temperatura negativa, que a rigor é uma temperatura que é obtida após a temperatura +infinito.


Um comentário em “Sobre a história dos termômetros

  1. Carlos Eduardo Aguiar disse:

    Newton propôs a sua ‘lei do resfriamento’ para ser capaz de usar um relógio como termômetro. Quando ele dirigia a casa da moeda inglesa, a medição da temperatura das fornalhas de fundição era um problema: os termômetros usuais derretiam (na verdade, seu líquido vaporizava) lá dentro. Com a lei do resfriamento, Newton podia calcular essa temperatura retirando um pouco do metal da fornalha e medindo o tempo que essa amostra levava para esfriar até uma temperatura conhecida. Com isso ele conseguia estimar temperaturas de até 1000 graus Celsius.
    Mais detalhes estão no artigo de Anthony French, “Isaac Newton’s Thermometry”, publicado em The Physics Teacher v. 31, p. 208 (1993).

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