X

Salto quântico

Realmente, no salto quântico, o elétron excitado DESAPARECE em uma órbita de menor energia e reaparece em outra órbita de maior energia? Isso abre espaço para pesquisas sobre teletransporte de matéria? Como isso é possível? Obrigado pela sua atenção!

Respondido por: Prof. Michel Emile Marcel Betz - IF-UFRGS

Numa discussão elementar da física atômica, é comum descrever o processo de excitação de um átomo afirmando que a absorção de um fóton propicia o salto do elétron de uma órbita para outra de maior energia. O processo inverso, qual seja, a emissão de radiação por um átomo num estado excitado, é descrito como um salto do elétron para uma órbita de menor energia, acompanhado da emissão de um fóton. Como, muitas vezes, adota-se uma conceituação clássica das “órbitas”, é natural imaginar que o elétron desaparece num certo lugar para reaparecer em outro lugar.

Porém, um estudo mais profundo, baseado nos fundamentos da teoria quântica, fornece uma visão bastante diferente. Na mecânica quântica, o estado de um elétron no átomo é descrito por uma função de onda, que especifica a probabilidade de encontrar o elétron num dado lugar, numa medida de posição. Cada estado de energia bem definida é caracterizado por uma função de onda particular, chamada orbital. A evolução temporal de uma função de onda, especificada pela equação de Schrödinger, é contínua. Como ocorre, então, uma transição atômica? Consideremos, por exemplo, um átomo que esteja inicialmente no seu primeiro estado excitado. Por causa do acoplamento do elétron ao campo eletromagnético, a função de onda evoluirá numa superposição linear de componentes, uma das quais será constituída do átomo no seu estado fundamental, mais um fóton (quantum de radiação eletromagnética). Nesta situação, não se pode afirmar que o átomo esteja num estado de energia ou no outro. Quando o fóton for detectado, acontecerá o, assim chamado, colapso do estado, ou seja, a superposição linear será reduzida a um único termo, descrevendo o átomo no seu estado fundamental. A evolução temporal, governada pela equação de Schrödinger, seguida do colapso do estado na observação, constitui o processo de decaimento do átomo. Embora seja comumente descrito como “salto quântico”, vê-se que o elétron nunca desaparece nem salta de um lugar para outro.

Na verdade, a descrição acima apresentada ainda é uma forte idealização, já que ela considera o processo de observação ou medida como repentino, provocando uma modificação abrupta do estado do sistema sob observação. Considerados mais detalhadamente, um instrumento de medida no laboratório, ou um órgão de percepção humana, como o olho, são eles mesmos sistemas quânticos e evoluem de maneira contínua, conforme alguma equação de Schrödinger, muitissimamente complicada, devido ao grande número de partículas envolvidas, à agitação térmica, etc. É a extrema complexidade das interações ocorrendo no instrumento de detecção que ocasiona a descoerência das componentes da superposição linear de estados, permitindo afirmar que um ou outro estado está de fato realizado. Por exemplo, se o fóton deixou uma marca sobre uma chapa fotográfica, pode-se afirmar que o átomo decaiu. Existem na literatura vários estudos que procuram modelar o processo de descoerência, chegando à conclusão de que ele se dá de maneira extremamente rápida, justificando, na prática, a invocação do colapso do estado.

Embora a expressão “salto quântico” não deva ser compreendida ao pé da letra, e sim no sentido resumido acima, ela pode ser encontrada nos títulos de vários artigos de pesquisa que tiveram grande repercussão nas últimas décadas. Esses trabalhos apresentaram procedimentos para a observação do comportamento de um átomo isolado, utilizando uma, assim chamada, armadilha de íon, um recurso cujo desenvolvimento foi agraciado pelo prêmio Nobel atribuído em 1989 a Hans G. Dehmelt e Wolfgang Paul. Pela utilização desse recurso, entre outros, na manipulação de sistemas quânticos individuais,  o prêmio Nobel também foi outorgado a Serge Haroche e David J, Wineland, em 2012. No experimento destinado a observar saltos quânticos, dois lasers estão sintonizados de maneira a excitar dois estados distintos de um átomo preso numa armadilha de íon. O primeiro estado é facilmente excitado e decai rapidamente. O segundo estado é mais fracamente excitado e é metaestável, com tempo de vida de alguns segundos. No início, observa-se a luz espalhada por repetidas excitações do primeiro estado, seguidas de decaimento para o estado fundamental, até que ocorra uma excitação do segundo estado, Como este é metaestável, há então um lapso de tempo durante o qual o átomo fica invisível, até que ocorra o decaimento para o estado fundamental, possibilitando um novo ciclo de excitações e decaimentos do primeiro estado, com observação da luz associada. Assim, há uma alternância de períodos de iluminação e de escuridão, conforme o átomo salta para o segundo estado ou volta para o estado fundamental. Pode-se dizer que os saltos do átomo entre seu estado fundamental e o seu estado excitado metaestável estão sendo diretamente observados, com possibilidade de medir e analisar os intervalos de tempo entre saltos.

No que diz respeito ao teletransporte, é preciso enfatizar que as teorias e experimentos até agora apresentados dizem respeito ao transporte de um estado quântico, ou seja, ao transporte de informação, e não de matéria ou energia. O esquema básico do teletransporte quântico é mais facilmente explicado introduzindo duas personagens, digamos Maria e João. Maria dispõe de uma máquina capaz de criar pares de fótons num estado no qual existe um tipo particular de correlação entre as duas partículas. Usa-se a palavra emaranhamento para indicar tal correlação, de natureza intrinsecamente quântica. Maria fica com um dos fótons e manda o outro para João, que está longe, com Maria está também um outro sistema quântico, que vamos chamar sistema M. João, do seu lado, também dispõe de um sistema quântico, digamos, sistema J. A operação vai consistir em transferir o estado quântico do sistema M para o sistema J. Para tanto, Maria vai realizar uma certa medida sobre o sistema constituído do seu fóton, mais o sistema M. Ela vai comunicar o resultado a João, por exemplo por e-mail. Na base desta informação, João vai realizar uma certa operação sobre o sistema constituído do seu fóton, mais o sistema J. Após esta manipulação, João poderá ter a certeza de que o seu sistema J encontra-se no estado quântico no qual estava inicialmente o sistema M de Maria. O aspecto interessante deste processo é que nem Maria, nem João, precisa saber qual é afinal este estado quântico que foi transportado, mas eles podem ter certeza que o estado, seja ele qual for, foi transportado do sistema M para o sistema J.

Há uma relação entre o teletransporte e o salto quântico, entendido como colapso do estado na medida. Quando Maria realiza a sua medida, ela colapsa o estado do seu fóton e, por causa do emaranhamento, o estado do fóton que está com João também colapsa no mesmo instante, embora esteja muito distante. Porém, esta modificação do estado do seu fóton não poderá ser percebida instantaneamente por João; é apenas quando ele receber a informação mandada pela Maria por e-mail que ele poderá realizar a operação que completa a transferência de informação. Assim, não há violação do limite imposto pela relatividade à velocidade de propagação de um sinal.

Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 2328.


Acrescente um Comentário:

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *