Resposta de recurso à questão 19 da Física – CV-UFRGS 2014
11 de janeiro, 2014 às 12:38 | Postado em Eletricidade, Eletrostática, Questões do ENEM, vestibulares, concursos
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Caro prof, meu aluno entrou com recurso para a troca de gabarito da questão 19 da prova da UFRGS desse ano e recebeu a seguinte resposta. Gostaria de sua opinião sobre ela.
“O recurso contesta que a afirmativa I da questão 19 esteja incorreta. Na justificativa, o solicitante argumenta que “a partícula se movimenta de forma forçada, contra a tendência natural e, por esta razão, a força elétrica gera trabalho negativo”. O enunciado da afirmativa I não dá margem para tal interpretação, pois está escrito “O trabalho realizado pela força elétrica para mover uma carga …”. Mas a força elétrica não pode mover uma carga positiva de um potencial menor para um maior. O próprio solicitante reconhece que tal movimento só poderia ocorrer “de forma forçada”, o que implicaria ação externa. Portanto, a afirmativa I é incorreta, o que confirma o gabarito oficial.”
André
Desde Galileu e Newton sabemos que um corpo pode se mover CONTRA (em sentido contrário a) a resultante das forças sobre ele exercida, bastando para tal que inicialmente tenha velocidade dirigida em sentido oposto à força que lhe é aplicada.
Uma bola que se move para cima, sem sofrer qualquer força para cima, passa de regiões de potencial gravitacional menor para regiões de potencial gravitacional maior, perdendo energia cinética graças ao trabalho resistente da força gravitacional.
Do mesmo modo um corpo carregado eletricamente (com carga positiva) move-se contra o campo elétrico existente na região onde o corpo se encontra, isto é, move-se de uma região de potencial elétrico menor para uma região de potencial elétrico maior, sem necessidade de sofrer qualquer outra força além daquela devida ao campo elétrico ao qual estão associados os potenciais elétricos. Ao passar de uma região de potencial elétrico inferior para uma região de potencial elétrico superior, a força elétrica realiza um trabalho resistente (trabalho com sinal negativo) e o corpo perde energia cinética.
Adicionalmente, entre as diversas acepções do verbo MOVER o Dicionário Aurélio registra: ESTAR ou por-se em movimento.
Para que o enunciado da afirmativa I tivesse inequivocamente o significado que a banca lhe atribui ele deveria ter sido redigido assim:
I. O trabalho realizado pela força elétrica para mover uma carga elétrica de 1 C, ESTANDO A CARGA INCIALMENTE EM REPOUSO, de D para A é -1 J.
A especificação de que o objeto esteja inicialmente em repouso é conditio sine qua non para que a resposta faça algum sentido. Como tal NÃO foi especificado o movimento de uma carga elétrica de D para A implica inelutavelmente em um trabalho da força elétrica valendo -1 J.
Entretanto, se admitirmos que a afirmação I fosse como acima propus, incorre-se em um aspecto de ordem lógica que deveria ser evitado em qualquer questão a fim de que não seja interpretada como maliciosa, “pegadinha”.
No início do século XX aprendemos com Bertrand Russell que há afirmações verdadeiras (corretas), afirmações falsas e afirmações SEM SENTIDO. Segundo o grande filósofo e lógico defendeu, à afirmação “O atual rei da França é careca” não se pode imputar licitamente o valor de falsidade pois, para começar, atualmente a França não tem rei. A afirmação torna-se então, nem verdadeira (correta) e nem falsa, mas singelamente SEM SENTIDO.
Ora, no caso de o corpo carregado estar inicialmente em repouso a atribuição de um trabalho para mover a carga de D para A torna a afirmação sobre o trabalho SEM SENTIDO.
Se a banca tinha a intenção de testar o conhecimento sobre o movimento executado pela carga A PARTIR REPOUSO, deveria sobre isto que EXPLICITAMENTE formular o enunciado e não agir maliciosamente fazendo uma afirmação sobre o trabalho que sequer TEM significado, sentido, então.
Entretanto a afirmação I, na forma estrita como foi apresentada, TEM SENTIDO e É CORRETA.
Faço ainda minha as lúcidas palavras de um colega do IF-UFRGS que prefer permanecer anônimo:
Pelo visto estamos entrando em um terreno que não é mais de Física e sim linguistico. Como a afirmação I deveria ser interpretada? Eu diria que está sendo afirmado que foi realizado o trabalho [ a carga foi movida] (esta é a premissa) e portanto o que cabe verificar é se este trabalho está avaliado corretamente (não está sendo excluída a existência de contribuições de trabalhos positivos na questão).
Especificamente não está sendo dito na questão que a força elétrica de per si (nada mais sendo considerado no problema físico) pode mover a tal carga a partir do repouso, de D para A, o que sim seria incorreto. Em particular se se dissesse – a afirmativa está incorreta – se poderia concluir que o trabalho é nulo, ou é positivo, ou é negativo mas de outro valor? Qualquer destas conclusões levaria a valores errados para uma situação em que a carga fosse movida.
Vide também: Questão 19 – prova de vestibular UFRGS 2014
“Docendo discimus.” (Sêneca)
Prof. Fernando Lang da Silveira
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Comentários do Facebook
Adroaldo Carpes de Lara – Parto de uma análise ainda mais simplificada para a aceitação dessa questão como avaliação doa conhecimentos de ensino médio: se diversos professores graduados em física, mestres e até doutores estão discutindo qual deve ser o gabarito correto da questão, esta me parece mal formulada e não atinge seu objetivo de aavaliar o conhecimento de física de estudantes de nível médio. Só esse argumento, para mim, já invalida a questão
Fernando Lang da Silveira A questão está bem formulada e há a resposta correta no gabarito!
Filipe de Oliveira – Concordo com o professor Lang, a questão tem resposta correta nas alternativas. Muitos estão alegando ser difícil, o que também concordo. A afirmativa I exige duas competências: entender e interpretar corretamente o que estão lendo e lembrar e aplicar corretamente a fórmula. Uma questão de física que requer domínio de português e matemática o que, infelizmente, a torna difícil.
Fernando Lang da Silveira – E mais difícil ainda quando o gabarito apresenta uma resposta que os melhores alunos NÃO reconhecem como correta!
Fernando Lang da Silveira – Sei de um aluno que somente não tirou nota máxima na prova por esta questão. Ele também ingressou com recurso conforme me informou seu professor.
Brenda Kuser – E a ufrgs não vai mudar isso? É inacreditável que uma universidade que condena as falhas do enem não corrija as suas.
Marcos Eugênio Wagner – Lamentável. É tão mais simples, elegante e humano assumir quando erramos…
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Comentário do Prof. Miguel Gusmão do IF-UFRGS sobre qual discordo exceto no que diz respeito à malícia da afirmativa:
A afirmação “O trabalho realizado **pela** força elétrica **para mover** uma carga …”, a meu ver, só pode ser interpretada no sentido de que a **força elétrica move a carga**. E isso é falso no caso. Se o texto fosse “…quando uma carga … é movida..”, ou “..se desloca..”, tu (Lang) terias total razão. Mas *para mover* deixa claro que a força elétrica é que **causaria o deslocamento** da carga (de um potencial mais baixo para um mais alto).
A minha leitura da afirmação I me leva a julgá-la incorreta, concordando com o gabarito. Eu considero a forma apresentada na prova como totalmente equivalente à seguinte:
“A força elétrica move uma carga de 1 C de ‘D’ até ‘A’, realizando um trabalho de -1 J.”
Como o que a primeira parte relata não pode acontecer, pois ‘A’ corresponde a um potencial maior que ‘D’, a afirmação NÃO está correta.
É verdade que a questão pode ser interpretada como uma “pegadinha”, pois o valor do trabalho da força elétrica estaria correto se o deslocamento da carga fosse realizado por outro meio. Eu, particularmente, acho que “pegadinhas” em provas devem ser evitadas. Por outro lado, alguém pode argumentar que o cálculo, que resulta em um número, não deve ter precedência sobre a compreensão da situação física.
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