Resposta ao Estadão: medidas da temperatura nas cidades por “relógios digitais”

14 de novembro, 2023 às 12:20 | Postado em Mitos, empulhações, notícias falsas, Outros temas, Termologia, termodinâmica, VeriFísica - Sociedade Brasileira de Física

Bom dia, professor

Tudo bem? Sou Marcio Dolzan, repórter do Estadão. Minha matéria é mais na linha de tirar a curiosidade das pessoas em relação àqueles termômetros de rua. Alguns marcam temperaturas distintas mesmo entre equipamentos próximos, às vezes a temperatura registrada é diferente daquela que os órgãos oficiais apontam no fim do dia, etc. Então o que eu gostaria de ver com o senhor é explicar um pouco o funcionamento desses equipamentos, sua importância, e se ele servem, ao menos, para dar “uma boa base”.

Encaminho-lhe então os seguintes questionamentos.

1- Os relógio digitais, esses disponibilizados nas vias das cidades, possuem termômetros próprios, correto? Como eles funcionam? Há uma espécie de sensor?

2- Existe uma margem de erro?

3- Eles captam a temperatura “real” ou a sensação térmica?

4- Acredito que o local de instalação do equipamento deve ser pensado, considerando o entorno e eventuais barreiras, correto? Ou isso pouco influi?

5- Por que, em alguns casos, vemos diferenças de vários graus entre equipamentos instalados a distâncias não muito grandes?

6- Em resumo: eles servem para a população ter uma boa base?

Inicialmente cabe um comentário sobre as medidas de temperatura do ar por estações meteorológicas, por exemplo do Instituto Nacional de meteorologia – INMET,  que fornecem “dados oficiais” divulgados pelas mídias. Essas medidas obedecem a uma série de critérios usados universalmente. A figura 1 mostra a aparência de uma estação meteorológica, indicando que ela se encontra em um local especial, dispondo de diversos equipamentos.

Não basta se dispor de termômetros confiáveis e calibrados para se realizar as medidas. Como o objetivo é medir a temperatura do ar, os termômetros se encontram em um abrigo meteorológico. O abrigo exemplificado na figura 2, além de ser branco para minimizar a absorção de energia térmica, estar a cerca de 1,5m do solo, permite a circulação natural do ar através de venezianas. A figura 2 mostra o interior do abrigo com diversos instrumentos de medida.

Agora passemos aos questionamentos.

1- Os relógios digitais, esses disponibilizados nas vias das cidades, possuem termômetros próprios, correto? Como eles funcionam? Há uma espécie de sensor?

Sim, em algum local dentro do “relógio digital” existe um sensor de temperatura, possivelmente um sensor do tipo termistor ou termopar  no qual a medida da temperatura é consequente de um sinal elétrico oriundo do sensor que guarda uma relação conhecida com a temperatura.

2- Existe uma margem de erro?

Ainda que a medida de temperatura  seja precisa (se eles estiverem adequadamente calibrados!) com tais sensores, o aspecto importante é que qualquer sensor de temperatura na verdade mede a temperatura do próprio sensor. Anteriormente foi notado que em estações meteorológicas os termômetros se encontram em um abrigo especial que tem o objetivo de garantir que a temperatura registrada seja a mais próxima possível da temperatura do ar atmosférico.

Vemos “relógios digitais” espalhados pelas cidades com cores e aparências diversas, com localizações que não raro os expõem à radiação solar direta, aquecendo o seu interior, em especial o local onde o sensor de temperatura  se encontra. Então há de fato erros importantes na medição da temperatura pois a medida usualmente não fornece a temperatura do ar atmosférico.

3- Eles captam a temperatura “real” ou a sensação térmica?

Eles captam uma temperatura “real” mas que pelas razões postas anteriormente não é  uma medida fidedigna da temperatura do ar atmosférico.

As estimativas de sensação térmica envolvem outros fatores além da temperatura, tais como umidade relativa e velocidade do vento. Então a resposta é negativa em relação ao que medem os “relógios digitais”.

4- Acredito que o local de instalação do equipamento deve ser pensado, considerando o entorno e eventuais barreiras, correto? Ou isso pouco influi?

Pelas razões já postas o local de instalação pode afetar muito as medidas de temperatura.

5- Por que, em alguns casos, vemos diferenças de vários graus entre equipamentos instalados a distâncias não muito grandes?

Dois “relógios digitais” próximos podem fornecer medidas de temperatura muito diferentes. É fácil imaginar que se um estiver na sombra e o outro sob radiação solar direta, ou se um estiver em local mais ventilado do que o outro, registrarão diferentes temperaturas.

6- Em resumo: eles servem para a população ter uma boa base?

Em resumo, eles servem para se ter uma informação mais ou menos confiável  da temperatura do ar atmosférico, frequentemente com muitos graus de diferença em relação ao valor efetivo da temperatura do ar.

Adicionado em 16/11/2023 – Aqui a reportagem do Estadão: Termômetros de rua.

“Docendo discimus.” (Sêneca)