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Relatividade geral e Kugelblitz

Olá! Energia possui ou pode gerar gravidade? Qual a relação disso com o chamado “Kugelblitz”? E teoricamente seria possível que um buraco negro fosse formado caso a temperatura em um determinado ponto fosse suficientemente (e absurdamente) alta para isso?

Respondido por: Prof. Rafael Nunes - IF-UFRGS

Vamos dividir suas perguntas em duas partes.

Em primeiro lugar, sim, energia pode gerar gravidade. Para entender isso, ainda no âmbito da relatividade restrita, sabemos que energia e massa são quantidades equivalentes. Mais especificamente, a equivalência entre massa e energia é   uma das equações mais famosas da física, expressa pela equação E=mc2,  onde E é   a energia, m é a massa e c é  a velocidade da luz. Essa equivalência entre massa e energia também tem profundas implicações para nossa compreensão do universo e dos fenômenos físicos. Por outro lado, a teoria da relatividade geral (RG), nossa melhor teoria que descreve os efeitos gravitacionais, nos diz que a gravitação se manifesta através da curvatura do espaço-tempo causada pela presença de massa. Mas sabemos que massa é equivalente a energia. Assim, sim, energia pode gerar gravidade.

Agora vamos em relação ao Kugelblitz (traduzindo do alemão para português, deve ser algo como “relâmpago esférico”). Existem muito poucas referencias científicas e pouca discussão sobre esse tipo de solução da GR. Um Kugelblitz é um objeto hipotético que teoricamente é formado pela concentração de energia (calor, luz ou radiação) suficiente para criar um buraco negro, ou seja, formar um horizonte de eventos. O termo horizonte de eventos é   um conceito em física associado a buracos negros que se refere ao limite em torno de um buraco negro além do qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar.

Em 1955 [1], Wheeler sugeriu que se uma quantidade suficiente de energia pudesse ser focada em um espaço pequeno o suficiente, poderia criar um campo gravitacional tão intenso que prenderia a luz, formando um buraco negro. Certamente essa ideia do Wheeler foi baseada nos princípios da relatividade, onde matéria e energia são equivalentes. Uma discussão mais recente é apresentada em [2].  Assim ao concentrar energia suficiente, seria possível criar um buraco negro sem a necessidade de qualquer matéria presente, mas apenas energia.

Portanto, sim, teoricamente (muito hipoteticamente), seria possível criar um buraco negro formado de energia. A energia necessária para criar um Kugelblitz seria enorme, pois exigiria a compressão de uma grande quantidade de energia em um espaço pequeno o suficiente para criar um campo gravitacional forte o suficiente para prender a luz dentro dele. Por exemplo, assumindo um Kugelblitz com massa de 1010 kg (que é um minúsculo buraco negro), a energia necessária para formá-lo seria de E=9×1027 joules (bastar usar a fórmula E = mc2). Para gerar essa energia, vamos usar um feixe de laser muito poderoso para concentrar a energia em um ponto minúsculo. Vamos supor que temos um feixe de laser com uma potência de saída de 1015 watts e o usamos para concentrar energia em um pequeno ponto com um diâmetro de 10-15metros (que é aproximadamente do tamanho de um próton). Usando a equação da radiação de corpo negro podemos calcular que a temperatura do feixe de laser necessária para criar um Kugelblitz desse tamanho seria de T = 5,5×1032 K. Ao concentrar a luz para criar esse Kugelblitz, também estaríamos   atingindo uma temperatura além da temperatura de Planck (T = 1,4×1032 K). A temperatura de Planck representa a temperatura na qual nossas leis da física aparentemente falham. Não podemos ter certeza do que aconteceria em uma temperatura tão extrema. Isso também significa que em tal temperatura nosso buraco negro pode ou não se formar, pois não sabemos como a física se comporta nessas escalas de energia. Portanto, temos apenas situações hipotéticas. Na prática, o processo para formar um Kugelblitz envolve escalas de energia imagináveis e aparentemente impossíveis de serem encontradas em qualquer situação física.

[1] J. A. Wheeler, ”Geons”, Phys. Rev. 97, 511, 1955.

[2] J. M. M. Senovilla, ”Black hole formation by in- coming electromagnetic radiation”, Class.Quant.Grav. 32 (2015) 1, 017001.


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