Radiação Hawking e “evaporação” de buracos negros.
18 de novembro, 2019 às 16:12 | Postado em Astronomia, Cosmologia, Mecânica quântica, Radiação, Relatividade
Respondido por: Vinicius M. G. da Silveira - Aluno de PG no IF-UFRGSCaros professores
É usual encontrar que o mecanismo de Hawking possibilitaria a “evaporação” de buracos negros. Neste mecanismo somente as partículas de anti-matéria cairiam no buraco negro e acabariam por desintegrá-lo ao cabo de um tempo fabulosamente grande. Mas se ao desintegrar a matéria oculta sob o horizonte de eventos, não deveria sobrar mais energia dentro e, pela Relatividade Geral a energia também não cria campos gravitacionais? Ou isso se explica pelo balanço de energia dos pares partícula-antipartícula separados no horizonte de eventos?
Agradeço antecipadamente!
De maneira simples, a evaporação de um buraco negro pode ser sim explicada pelo balanço de energia dos pares partícula-antipartícula separados no horizonte de eventos, mas um fenômeno complexo como esse merece uma discussão mais profunda.
Compreender a evaporação de buracos negros só é possível com um entendimento preciso das condições em que seria possível observar a radiação Hawking. O enunciado do resultado sobre emissão de radiação por buracos negros, descrito por Stephen Hawking em 1974 em seu artigo Black hole explosions?, é de que um observador a uma grande distância de um buraco negro deve observar um fluxo de radiação térmica proveniente do buraco negro, i.e., do ponto de vista desse observador, um buraco negro comporta-se como um corpo negro. Para o tipo mais simples de buracos negros, ditos buracos negros de Schwarzschild, a temperatura é inversamente proporcional à sua massa, T = ħc³/(8πGkM), onde ħ é a constante reduzida de Planck, c é a velocidade da luz, G é a constante gravitacional, k é a constante de Boltzmann e M é a sua massa (nota-se a presença de quatro constantes fundamentais da natureza).
Tendo em vista que um observador distante do buraco negro detecta um fluxo de radiação térmica (que possui energia positiva), um simples argumento de conservação de energia leva à conclusão de que, de fato, o buraco negro deve perder energia no processo de emissão de radiação. Lembrando a equivalência massa-energia, E=Mc², é possível chegar na conclusão de que essa energia deve ser perdida na forma de massa, i.e., o buraco negro evapora. A equação de Einstein para a relatividade geral, que pode ser resumida pela frase “tudo que possui energia gera campo gravitacional”, indica, então, que o campo gravitacional do buraco negro deve enfraquecer com a evaporação, até o seu desaparecimento. Aqui faz-se a observação que o modelo físico-matemático utilizado para a investigação desse fenômeno é o de um universo contendo um buraco negro, um campo de matéria e nada mais, por simplicidade.
A descrição acima permite conectar a existência da radiação Hawking com a evaporação de buracos negros, mas qual a causa da emissão de radiação? Uma abordagem de grande valor heurístico, discutida no livro Uma Breve História do Tempo, é imaginar um par partícula-antipartícula virtual (o adjetivo virtual indica que essas entidades não podem ser observadas), criado próximo ao horizonte de eventos de um buraco negro, tal que um de seus elementos é absorvido pelo buraco negro (e, portanto, está confinado ao seu interior) enquanto o outro escapa da atração gravitacional e é detectado por um observador distante. O par virtual deve ser composto por um elemento de energia positiva e um de energia negativa, mas é importante salientar que o elemento de energia negativa não necessariamente é uma antipartícula (e vice-versa). Uma vez que os elementos do par são separados, eles tornam-se partículas e anti-partículas reais, isto é, entidades observáveis, e o elemento que escapa da atração do buraco negro pode ser detectado por um observador distante. Para que ocorra a evaporação do buraco negro, as partículas absorvidas devem possuir energia negativa (vide o argumento de conservação de energia apresentado acima), enquanto as partículas que escapam do buraco negro devem ser de energia positiva (como qualquer partícula real em regiões de baixa gravidade). Isso é justificado pela observação de que partículas próximas a uma fonte gravitacional possuem menor energia potencial gravitacional que partículas distantes. Assim, é o fato de que partículas de energia negativa, e não necessariamente antipartículas, são absorvidas pelo buraco negro que leva à previsão de evaporação.
Apesar de seu grande valor heurístico, a analogia introduzida anteriormente não é uma descrição muito precisa dos fenômenos gravitacionais e quânticos que ocorrem próximos a buracos negros. Deduções mais rigorosas de efeitos como a radiação Hawking são realizados com as ferramentas da teoria quântica de campos em espaços-tempos curvos, que considera que a matéria e suas interações são descritas por objetos chamados campos quânticos, isto é, campos com propriedades quânticas. Em casos específicos, é possível interpretar certos estados de um campo quântico como estados de partículas, pois as propriedades desses estados são compatíveis com a ideia de partícula. Uma das grandes lições aprendidas com a teoria quântica de campos em espaços-tempos curvos é, entretanto, que fenômenos gravitacionais (e não-inerciais, como o efeito Unruh) só podem ser compreendidos de maneira consistente se campos quânticos, e não partículas, são utilizados na descrição de tais fenômenos. Assim, a radiação Hawking pode ser compreendida em termos da absorção de certos modos de oscilação de um campo (que, dentro de certas condições, podem ser interpretados como partículas e antipartículas) pelo buraco negro. A dedução do efeito segue um argumento muito similar ao discutido acima, exceto pelo fato de que as entidades a serem consideradas são os modos de oscilação do campo, e seu desenvolvimento matemático completo permite prever que o espectro da radiação Hawking é o de um corpo negro de temperatura T.
Adicionalmente, é importante ressaltar que os efeitos discutidos acima não foram observados experimentalmente de maneira conclusiva (é esperado que essas observações diretas sejam consideravelmente difíceis), e que uma descrição mais sofisticada desses fenômenos—por exemplo, uma descrição que leve em conta efeitos de reação reversa ou um esclarecimento do problema de perda de coerência quântica (também chamado de paradoxo da informação)—provavelmente só será possível com uma teoria da gravitação quântica.
Referências acessíveis:
HAWKING, S. W. A Brief History of Time. 1. ed. Nova Iorque: Bantam Books, 1988
PBS SPACE TIME. Hawking Radiation. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qPKj0YnKANw>
Referências técnicas:
HAWKING, S. W. Black hole explosions? Nature, v. 248, p. 30–31, Mar 1974.
WALD, R. M. Quantum Field Theory in Curved Spacetime and Black Hole Thermodynamics. 1. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 1994.
Outras postagens do CREF sobre buracos negros:
Buraco negro: o que é e como funciona
Buraco negro: o que é e como funciona (2)
Professor Vinicius.
Agradeço imensamente a resposta. Sempre tive dúvidas porque em parte eu não sabia que o que importa é a energia que a partícula (na minha visão anterior) apresenta, se positiva ou negativa e não a sua “natureza” (partícula ou anti-partícula).
Dito isto ficou implicito que somente os modos de energia negativa “entram” na região sob o horizonte de eventos, o que leva a diminuição total da energia nesta região.
Finalmente, aproveito e retiro uma dúvida: então o espectro de emissão da radiação Hawking tem a mesma distribuição em frequências que o de um corpo negro sob a temperatura dada na fórmula citada no texto?
Agradeço mais uma vez!
Sim, o espectro da radiação Hawking é indistinguível do espectro de um corpo negro de mesma temperatura. Uma expressão mais geral para a temperatura de Hawking é T = ħg/(2πck), onde g é a gravitação superficial do buraco negro. Para um buraco negro de Schwarzschild, g=c⁴/(4GM) e a expressão para T é igual à presente no texto da resposta, mas outros tipos de buracos negros (que podem possuir carga ou rotação) têm expressões diferentes para g.
Uma referência bastante técnica que demonstra a equivalência entre a radiação Hawking e a de um corpo negro é:
DIMOCK, J.; KAY, B. S. Classical and quantum scattering theory for linear scalar fields on the Schwarzschild metric I. Annals of Physics, v. 175, n. 2, p. 366–426, Mai. 1987.
Olá! Li que um buraco negro emitindo radiação Hawking irá, após um tempo muito longo, evaporar completamente (ao menos em teoria). Entretanto, pensei no seguinte: antes de evaporar completamente, o buraco negro irá alcançar a massa tal que sua atração gravitacional será menor que a necessária para impedir que a luz escape (a massa do buraco negro terá uma velocidade de escape menor que a velocidade da luz). Nesse momento, o buraco negro não “voltaria à luz”? Uma singularidade pode persistir com qualquer massa?
Vide Mini buraco negro.