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Princípio da incerteza é dedutível de transformações de Fourier?

Olá professor, minha pergunta é a seguinte: O princípio da incerteza de Heisenberg se justifica pelo resultado com transformações de Fourier ou ele é um princípio puramente físico? de qualquer forma, Heisenberg chegou nesse resultado partindo da física ou da matemática?

Respondido por: Prof. Sílvio Dahmen - IF-UFRGS

O princípio da incerteza é um princípio físico fundamental. Ele é uma propriedade de sistemas quânticos e não um resultado matemático das transformações de Fourier ou da não comutatividade de matrizes que representam os operadores da mecânica quântica. Estas propriedades matemáticas são antes a tradução, em linguagem matemática, do princípio da incerteza de Heisenberg. Ele também não deve ser confundido, como normalmente se faz, com “nossa incapacidade experimental de medir algo com precisão”.

Historicamente Heisenberg chegou ao princípio da incerteza através da sua tentativa de formulação matricial da mecânica quântica (na verdade foi Max Born, de quem Heisenberg era assistente em Götingen, na Alemanha, quem percebeu que a formulação desenvolvida por Heisenberg correspondia à algebra matricial). Ao estudar as propriedades das órbitas dos elétrons na velha mecânica quântica, Heisenberg partiu da premissa que estas órbitas não eram observáveis (ou sequer tinham uma trajetória precisa). A única coisa que se observava, experimentalmente, era a emissão de quanta de energia bem definidos (cuja frequências era assim também bem conhecidas, as famosas linhas espectrais). Portanto, ao fazer o desenvolvimento temporal via análise de Fourier só apareciam os termos correspondentes a estas frequências bem definidas. Ao formular sua teoria em forma matricial, ele percebeu que a não comutatividade de matrizes correspondia à incerteza na definição da frequência de uma onda num tempo t bem definido – e como as matrizes representavam grandezas físicas mensuráveis, como posição e momentum, estas também estavam submetidas a uma incerteza.

A analogia com a mecânica clássica existe, onde temos o princípio da incerteza da medida da frequência de uma onda num momento t: é impossível medir f pois (pensemos numa onda sonora) temos que ouvir o som por um intervalo de tempo. Mas ao fazermos isso, não podemos mais afirmar que medidos f num t, mas sim em um intervalo entre t e t+Delta t.

É justamente esta analogia e o fato que a física é expressa em linguagem matemática que nos faz pensar erroneamente que alguns resultados fundamentais são na verdade “matemáticos” e não princípios “físicos”.

Em resumo: Heisenberg chegou ao princípio da incerteza pela matemática, mas da mesma que Lorentz chegou na suas transformações matematicamente. Coube a Einstein fazer das transformações de Lorentz um princípio físico, resultando na Teoria Teoria da Relatividade Restrita. Mas, diferentemente de Lorentz, o próprio Heisenberg elevou este princípio a uma lei física fundamental. Por isso nós físicos costumamos dizer que a Mecânica Quântica é uma teoria intrinsecamente probabilística. O uso da palavra intrínseco reforça o fato que o princípio da incerteza é uma lei física fundamental.

Vide outras postagens sobre temas similares em Mecânica quântica.


6 comentários em “Princípio da incerteza é dedutível de transformações de Fourier?

  1. Gostaria de fazer uma ponderação técnica, sem entrar na seara da epistemologia. O principio da incerteza de Heisenberg possui uma correspondência com a desigualdade de Cauchy Schwartz. É uma característica de espaços normados. Por coincidência (?) A mecânica quântica possui uma de suas descrições em espaços de Hilbert, onde há a dualidade entre espaços de momento e posição através de transformadas de Fourier. A descrição de Heisenberg depende da unitariedade da transformada de Fourier (teorema de Parseval).

  2. Horacio Dottori disse:

    Prezado Osvaldo, o fato de existir uma correspondência entre o Principio de Incerteza e a desigualdade de Cauchy Schwartz, o único que indicaria é que a MQ é um espaço normado (se eventualmente não há mais condições a preencher). Mas como explicado muito didaticamente pelo professor Dahmen, em Física é um princípio. É um comportamento fundamental da natureza.

  3. COSME ARISTIDES DE SOUZA disse:

    As desigualdades de Heisenberg aparecem dentro da teoria quântica num contexto bem mais amplo, que não se circunscreve apenas à interação entre fóton e elétrons. Há que se partir do fato que a mecânica quântica tem uma modelagem matemática baseada num espaço vetorial dotado de produto escalar (também conhecido como produto interno) e, em todos eles, vale um resultado conhecido como Desigualdade de Cauchy-Schwartz.

    A desigualdade de Cauchy-Schwartz e mais os postulados quânticos que associam as quantidades físicas com operadores hermitianos levarão ao que mais apropriadamente é chamado pelos físicos e matemáticos como Relação de Incerteza de Heisenberg. No meu artigo acima faço uma demonstração dela; que, apesar de ser longa, é simples e não requer conhecimentos de matemática além daqueles visto no segundo grau. Ficou extensa justamente por que não pulei nenhuma passagem e não me preocupei em ser redundante com a intenção de deixar claro cada passo.

  4. Sílvio Renato Dahmen disse:

    Acrescentando apenas um detalhe quanto a esta discussão: primeiramente agradeço pelas considerações de todos que aqui se manifestaram. Sem entrar aqui na questão filosófica da relação entre a matemática e a física e a corrente filosófica do platonismo matemático temos, enquanto cientistas, que tomar uma posição. A minha, particular, é de que os princípios são mais fundamentais e encontram, na matemática, sua representação. Não nos esqueçamos que no princípio de Heisenberg aparece a constante de Planck, uma constante física fundamental. Uma analogia seria a relatividade restrita de Einstein: é possível deduzir as transformações de Lorentz partindo das propriedades de simetria do espaço sem sequer mencionar, em algum momento, a constância da velocidade da luz no vácuo para diferentes referenciais inerciais. Porém, surge nestas deduções uma grandeza (com dimensão de velocidade ao quadrado) que, posteriormente, identifica-se via experimentos com a velocidade da luz no vácuo. Ou seja, podemos, uma vez conhecendo a estrutura matemática de uma teoria, deduzir muitos resultados sob um viés puramente matemático (abstrato). Porém, as constantes físicas fundamentais nos dão as dimensões e escalas apropriadas e sem elas a teoria matemática, por mais bela que seja, é inócua. Muitas vezes a matemática nos indica o caminho e abre espaço para que novas descobertas sejam feitas. Há de se tomar porém o cuidado de lembrar que a física é uma ciência experimental e sempre devemos prosseguir com cautela para que não entremos num beco sem saída. Há interessantes discussões atualmente a esse respeito, como o recente livro da física alemã Sabine Hossenfelder intitulado “Lost in Math: How Beauty Leads Physics Astray”.

  5. Borde Zax disse:

    A comutatividade dos operadores, que devem satisfazer a uma álgebra específica, é fundamental para unitarieade da MQ, e para preservar, portanto, a norma durante a evolução temporal. Isso foi estruturado pelo Dirac, e está muito bem explicado na última edição de seu livro de Mecânica Quântica (MQ). Não se trata de filosofia ou capricho matemático admitir que essas restrições impostas à teoria estão na sua estrutura mais dorsal. O chamado “princípio de incerteza” pode ser deduzido dessas restrições e, portanto, estritamente falando, não é um princípio. Assim como o princípio de Arquimedes também pode ser derivado de considerações calcadas na mecânica de Newton. É comum ser possível juntar um corpo teórico que se submete hierarquicamente, para finalidades mais específicas, a uma estrutura teporica mais ampla e, para esses “subcorpos” podemos enunciar certos “princípios”.

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