Por que a Lua não é arrancada da Terra pelo Sol?
22 de janeiro, 2019 às 11:14 | Postado em Astronomia, Gravitação, Lua, Questões do ENEM, vestibulares, concursos
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Professor Lang: Em um comunidade de Física do FB estavam discutindo sobre a seguinte questão: A força gravitacional que o Sol exerce na Lua é duas vezes maior do que a força gravitacional que a Terra exerce na Lua. Por que a Lua não é arrancada da Terra pelo Sol? O sr. poderia responder esta questão? Agradeço antecipadamente.
Em 2000, quando então os formandos em Física eram avaliados pelo Provão do MEC, entre as questões discursivas (de resposta livre) para licenciados estava esta:
Questão discursiva 4: Um estudante diz ao seu professor: “Na semana passada li em uma revista de divulgação científica que o Sol tem massa cerca de 300.000 vezes maior que a massa da Terra e que a distância do Sol até a Lua em média é cerca de 400 vezes maior do que a distância da Lua até a Terra. Então fiquei pensando: quem ganharia a briga, ou seja, quem exerce mais força sobre a Lua: o Sol ou a Terra? Fiz umas contas e conclui que o Sol ganharia. Aí não entendi mais nada: por que o Sol não “arranca” a Lua da Terra?”
a) Que princípio ou lei física possibilitou ao aluno essa conclusão?
b) Refaça os cálculos do aluno para comprovar a correção dessa conclusão.
c) Considerar a Lua como um “objeto de disputa” entre a Terra e Sol é correto? Explique.
d) Considerar a Terra e a Lua como um só sistema, ajuda a responder a pergunta do aluno? Explique.
Quando o “padrão de resposta esperada” foi publicado pelo MEC, eu e meu colega Prof. Rolando Axt ficamos insatisfeitos, julgando que a resposta estava com problemas, especificamente nos quesitos c e d. Um artigo criticando o “padrão de resposta esperada” foi por nós escrito e publicado no Caderno Brasileiro de Ensino de Física. O artigo intitulado QUESTÃO DISCURSIVA NÚMERO 4 DO PROVÃO 2000 DO MEC PARA A LICENCIATURA EM FÍSICA se encontra disponível no Research Gate.
Transcreverei aqui apenas a seção do artigo na qual expusemos nossa resposta ao questionamento, remetendo para o artigo quem desejar os cálculos que demonstram ter a força gravitacional do Sol sobre a Lua cerca do dobro da intensidade da força gravitacional da Terra sobre a Lua.
Como poderíamos responder ao estudante?
A seguir o leitor encontra a nossa resposta à interrogação do estudante. Julgamos importante acrescentar ainda alguns aspectos que colocaremos em Apêndice.
Neste problema estamos tratando de um sistema de três corpos, sendo que um deles – o Sol – tem massa muito maior do que os outros dois. Assim, as forças gravitacionais da Terra e da Lua sobre o Sol produzem acelerações que podem ser desprezadas frente às acelerações sofridas pela própria Terra e pela própria Lua. Portanto, para efeito do raciocínio que vamos desenvolver, o Sol pode ser considerado um sistema de referência inercial (não-acelerado), em relação ao qual a Terra e Lua estão aceleradas. Neste sistema de referência, Terra ou Lua sofrem duas acelerações: a aceleração produzida pela força gravitacional do Sol e a aceleração produzida sob efeito de sua atração gravitacional mútua. Como a dimensão do sistema Terra-Lua (distância entre a Terra e a Lua) é muito pequena em relação à distância que separa o sistema do Sol (cerca de 400 vezes menor), é fácil demonstrar – utilizando-se a Lei da Gravitação Universal e a Segunda Lei de Newton – que a força gravitacional exercida pelo Sol produz praticamente a mesma aceleração (em intensidade e orientação) em ambos os corpos. Isto equivale a dizer que o campo gravitacional do Sol sobre o sistema Terra-Lua pode ser considerado uniforme. Já que a Terra e a Lua estão igualmente aceleradas pelo Sol, o movimento relativo entre elas independe da força que o Sol exerce sobre cada uma, dependendo apenas das forças internas ao sistema Terra-Lua (e do estado desse sistema em um dado momento). Esta afirmação seria rigorosamente correta se o sistema Terra-Lua estivesse sob a ação de um campo gravitacional externo uniforme mas, como é bem sabido, o movimento relativo Lua-Terra sofre efeitos em consequência da não-uniformidade do campo gravitacional externo ao sistema. São perturbações pequenas mas perceptíveis (vide o gráfico da figura 1).
Resumindo em poucas palavras, pode-se dizer que a Lua é acelerada pelo Sol mas a Terra também é acelerada por ele, sendo essas acelerações iguais. Então, a distância Terra-Lua não é aumentada (ou alterada de qualquer maneira) devido às acelerações idênticas causadas pelo Sol.
O gráfico de figura 1indica que a órbita da Lua sofre muitas perturbações, as mais importantes decorrentes dos efeitos gravitacionais do Sol sobre o sistema Terra-Lua. Neste gráfico observa-se que o período sinódico da Lua no sistema de referência da Terra varia entre 29,2 dias e 29,8 dias, sendo em média 29,5 dias. Para maiores detalhes vide o artigo As variações dos intervalos de tempo entre as fases principais da Lua.
Outras postagens sobre a Lua: Lua.
“Docendo discimus.” (Sêneca)
Excelente artigo.
Prof. Lang nos brinda com msis um material para enriquecer nosso conhecimento.
Incrível
O fato da força do Sol sobre Lua ser bem maior que a força Terra-Lua tem consequências surpreendentes no referencial do Sol. Detalhes podem ser encontrados no artigo “A órbita da Lua vista do Sol”.