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Paradoxo dos Gêmeos

Existe de fato um “Paradoxo dos Gêmeos” na teoria da relatividade?

Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/

O chamado Paradoxo do Gêmeos, aparece com o desenvolvimento da Teoria da Relatividade, sendo que talvez a primeira versão que discute a questão de duas pessoas viajando e apresentando diferenças na idades  é um artigo de Paul Langevin de 1911, [1] apesar de que em 1905 Einstein já discutia a ideia do tempo passar diferente para diferentes observadores (Einstein considerou o assunto “peculiar” mas não um paradoxo ) .

Mas o que é exatamente o “Paradoxo dos Gêmeos”? Antes de continuar, vamos deixar claro que não existe nenhum Paradoxo. Se existisse seria realmente um problema para a teoria da relatividade, mas vamos utilizar o termo usual de “Paradoxo dos Gêmeos”, assim o paradoxo dos gêmeos é um falso paradoxo, mas apesar disso nos permite discutir alguns conceitos importantes da física relativística.

Vamos considerar duas gêmeas, uma que fica na Terra (que vamos chamar de Alice) e outra (a Bruna) que viaja pelo espaço indo da Terra para uma estrela distante e depois retornando. Utilizando a teoria da relatividade, podemos demonstrar que se a viajem de ida e volta para Bruna  tenha durado dois anos (obviamente isto depende da distância percorrida e da velocidade, mas não vamos nos preocupar com isto), na Terra teriam passado duzentos anos.  O termo paradoxo é utilizado argumentando que como o movimento é relativo, poderíamos considerar que a gêmea na Terra (Alice) se afastou e depois voltou, portanto do ponto de vista de Bruna o processo deveria ser o inverso do descrito acima: o tempo para Alice deveria ser menor que a de Bruna!

O raciocínio acima assume uma simetria na situação, o que não ocorre de verdade, de forma que o paradoxo não existe.

Na figura 2 representamos em um diagrama espaço-tempo a situação da viagem de Bruna (em vermelho) e a situação de Alice (linha vertical em preto) que está parada no referencial da Terra. Notemos que o desenho não é simétrico. O eixo horizontal representa a distância e o eixo vertical o tempo, no sistema de referência de Alice. Se considerarmos apenas referencias inerciais, Bruna necessitaria de DOIS referencias inerciais enquanto Alice de apenas UM, o que indica que o problema não é simétrico.

Para explicar o paradoxo, duas respostas muito populares são

  • A existência de aceleração (no caso de Bruna que precisa acelerar para sair da Terra, acelerar para fazer o retorno e voltar para a Terra e novamente acelerar para reduzir para poder parar na Terra.
  • A necessidade de utilizar a Relatividade Geral para resolver de forma completa o paradoxo .

As explicações são razoáveis, e de fato quando consideramos estas condições, conseguimos entender as diferenças nos intervalos de tempos que são mensuradas. Mas existem situações sem a presença da gravitação e sem aceleração onde ocorrem estas diferenças nos intervalos temporais!

Então teríamos outras explicações? As explicações utilizando sistemas acelerados e a relatividade geral, não estão erradas! Elas podem ser aplicadas e conseguem descrever corretamente os efeitos do Paradoxo dos Gêmeos. No entanto, por não poderem ser utilizados para explicar situações sem aceleração ou presença da gravitação, devem ser entendidos como explicações para situações particulares [2].

Na física newtoniana eventos que são simultâneos (isto é que ocorrem no mesmo instante do tempo), são simultâneos para todos os observadores, isto porque com a noção de tempo absoluto, podemos criar um padrão para a medida de tempo que é a mesma para todos os observadores. Mas não existe um padrão de distância que vale para todos os observadores na física newtoniana, independente do seu estado de movimento? Sim, existe. Então qual a diferença, porque não dizemos que o espaço é absoluto também? Basicamente porque mesmo em movimento, como o tempo é absoluto (o mesmo para todos os observadores), isto nos permite transferir o padrão de medida no espaço de um observador a outro. É importante perceber que a medida da posição depende do observador (o referencial utilizado). Imagine um carro andando em uma estrada, e que você esteja dentro do carro. Para um observador externo, o carro (e você e tudo que esteja dentro do carro), terá posições diferentes em cada instante do tempo. Mas para o seu referencial (que é o carro), dentro do carro nada se move, tudo está parado um em relação ao outro dento do carro, logo as posições em relação ao referencial do carro não mudam com o tempo. A existência de um tempo absoluto nos permite SINCRONIZAR todos os relógios (instantes de tempo) existentes no espaço, independente do seu estado de movimento. E com isto podemos passar o padrão de distância de um observador a outro, sem nenhum problema [3].

Na física relativística, a noção de tempo absoluto utilizado na física newtoniana, deixa de ser válida, isto implica que o processo de sincronização deve ser alterado, pois não temos um padrão de tempo que possa ser utilizada por todos os observadores. Nesta situação, é importante que sejam estabelecidos para cada evento, o instante de tempo e a posição da ocorrência do evento. E para fazermos isto, precisamos ter um processo de calibração e definição um padrão que possa ser utilizado por todos os observadores. E este padrão inclui o tempo e o espaço, o que justifica a introdução do conceito de espaço-tempo [4]. Utilizamos uma grandeza que denominamos intervalo espaço-temporal, mas não vamos nos alongar neste assunto. O que importa é que podemos construir um padrão (que envolve o tempo e o espaço) que é o mesmo para todos os observadores, independente do seu estado de movimento. A necessidade de construirmos um espaço-tempo, decorre da Teoria da Relatividade (para uma discussão sobre a Teoria da Relatividade , um bom local para procurar sobre o tema é o site do CREF, por exemplo este texto ou este texto entre vários outros indicados nos links do CREF, mas se desejar um livro, existem muitos excelentes textos, um que particularmente gosto muito é Spacetime Physics , de E. Taylor e J.A. Wheeler, um outro livo interessante é  Flat and Curved Space-Times , de G. Ellis ).

Quando este processo de sincronização é realizado para diferentes observadores, em alguns casos o processo não pode ser realizado de forma unívoca! Por exemplo em uma trajetória de ida e volta, se imaginarmos como um círculo, não conseguimos sincronizar de forma única todos os relógios em cada ponto localizados no círculo (note que neste caso, por estar em movimento circular, em cada posição temos um referencial inercial diferente, e existe portanto um aceleração no sentido newtoniano).  Uma outra situação na qual ocorre o paradoxo dos gêmeos, é em um espaço periódico ou em espaços denominamos compacto. Se você já jogou um vídeo game no qual um objeto sai de um lado de uma tela (digamos na direita) e aparece na esquerda, este seria um exemplo de espaço compacto: dizemos que o lado esquerdo da tela está identificado com o lado direito da tela. Neste caso se considerarmos uma das gêmeas parada (Alice) e a outra gêmea (Bruna) com movimento horizontal, as duas irão se encontrar periodicamente. E não existe aceleração, ambas as gêmeas estão com velocidade constante (uma com velocidade zero e outra com velocidade diferente de zero). Em um diagrama espaço-tempo, o movimento de Alice é uma reta vertical e a de Bruna segmentos de reta, que ao atingir o lado direito da tela, reaparece no lado esquerdo da tela.

Na figura 3 representamos as trajetórias de Alice (em azul e na vertical) e Bruna (em vermelho e inclinado) em um diagrama espaço-tempo em um espaço compacto de largura L. Note que Bruna ao atingir o lado direito da tela, reaparece no lado esquerdo da tela, e mantém a mesma inclinação (a mesma velocidade). Quando analisamos esta situação, obtemos o mesmo efeito do paradoxo dos gêmeos para o caso de uma viagem de ida e volta com aceleração nos trechos, mas agora devido ao tipo de espaço utilizado podemos realizar uma ida e volta sem aceleração e em um espaço sem curvatura (para quem tiver interesse em mais detalhes, recomendo olhar este artigo  1973 ou o artigo do Luminet indicado em [2]. Compare com atenção a diferença entre a figura 1 e a figura 2. Note que na figura 1, para Bruna voltar ela precisa mudar a sua direção de movimento, enquanto no caso 2 isto não é necessário, devido ao tipo de espaço utilizado.

Assim o chamado paradoxo dos gêmeos não ocorre devido a aceleração ou a necessidade de utilizar a relatividade geral, mas sim devido as características do espaço-tempo e  o processo de sincronização dos relógios.

Notas

[1] O trecho do artigo de Langevin, que trata do tema, é “For this it is sufficient that our travelr consents to be locked in a projectile that would be launched from Earth with a velocity sufficiently close to that of light but lower, which is physically possible, while arranging an encounter with, for example, a star that happens after one year of the traveler’s life, and which sends him back to Earth with the same velocity. Returned to Earth he has aged two years, then he leaves his ark and finds our world two hundred years older, if his velocity remained in the range of only one twenty-thousandth less than the velocity of light. The most established experimental facts of physics allow us to assert that this would actually be so.”

[2] Existem textos muito interessantes que tratam do paradoxo do gêmeos. Eu indicaria os seguintes textos : R. Perrin,  Twin paradox: A complete treatment from the point of view of each twin, American Journal of Physics 47, 317 (1979); https://doi.org/10.1119/1.11835 e JP, Luminet, Time, Topology and the Twin Paradox, acesso livre em https://arxiv.org/pdf/0910.5847.pdf .

[3] Depende também da possibilidade de passar a informação de forma instantânea de um observador a outro.

[4] Na física newtoniana, o espaço e o tempo podem ser tratadas como separadas, e enquanto a noção de espaço absoluta é abandonada (na formulação original de Newton, ele utiliza uma noção de espaço-absoluto), a noção do tempo continua sendo absoluto, de forma que podemos falar de espaço e tempo como entidades separadas.  Um livro interessante sobre o assunto é Philoshophy of Physics: Space and Time de Tim Maudin, publicado pela Princeton Univertisy Press ou o livro The Philosophy of Space and Time, de Hans Reichenbach, mais antigo e publicado pela Dover.

 


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