O valor do coeficiente de atrito pode ser maior do que UM?
13 de outubro, 2014 às 8:13 | Postado em Atrito, Mecânica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Olá! Nos últimos meses estou percebendo que a grande maioria dos meus colegas têm como verdade que o valor do coeficiente de atrito(tanto o estático quanto o cinético) obrigatoriamente tem que estar entre 0 e 1. Sempre discordo, pois não me recordo de ter lido em alguma literaturas de física sobre um limite superior para o coeficiente de atrito. Teria como fazer uma demonstração para provar se existe ou não um limite superior para os coeficientes de atrito?
A Tribologia (a ciência que tem como objetivo o estudo do atrito) iniciou-se com Leonardo da Vinci que estabeleceu, baseando-se em experimentos, as “leis do atrito” que até hoje aprendemos. Por exemplo Leonardo da Vinci (1452-1519), ao estudar experimentalmente o atrito, constatou que o VALOR MÁXIMO da força de atrito entre as duas superfícies é independente da área de contato mas depende da intensidade da força de compressão entre as duas superfícies (força normal às superfícies em contato) e da natureza das superfícies (entenda-se, do material do qual são feitas ambas as superfícies, do grau de polimento de ambas as superfícies. …). Vide um artigo sobre os experimentos de Leonardo da Vinci em tribologia aqui.
Vide Por que o atrito não depende da área de contato do corpo?
Uma teoria em voga atribui a existência das forças de atrito entre sólidos a “soldas” que ligariam regiões microscópicas das duas superfícies em contato. Estas “soldas” decorrem de interações eletromagnéticas entre os constituintes dos dois sólidos quando são colocados muitos próximos (em “contato”) na interface em que se atritam.
Ora, o limite de ruptura dessas “soldas” determinaria o valor máximo possível para o coeficiente de atrito e, em princípio, ele poderia ser maior do que um. E que de fato coeficientes de atrito podem ser superiores à unidade está bem estabelecido experimentalmente, por exemplo, em Friction and Coefficients of Friction.
Outras postagens sobre atrito: Atrito
“Docendo discimus” (Sêneca)
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Comentário do Prof. Alexandre Medeiros (UFRPe) em 01/06/2016
CONVERSANDO sobre o COEFICIENTE de ATRITO
ser MAIOR do que UM
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Esta mesma questão já foi muito bem abordada pelo nosso amigoFernando Lang que explicou em um texto postado no CREF, a um estudante que lhe fez esta pergunta, que NADA impede que o COEFICIENTE DE ATRITO não possa ser MAIOR do que UM.
Eu apenas gostaria de acrescentar aqui algumas CONSIDERAÇÕES PEDAGÓGICAS ao referido tema.
O que me preocupa NÃO é apenas REAFIRMAR o que já foi bem explicado pelo Fernando em seu texto; mas, sim QUESTIONAR PORQUE muitos estudantes e até mesmo alguns professores de Física pensam assim.
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E para me auxiliar na tarefa de tentar responder esta QUESTÃO relacionada à ORIGEM COGNITIVA da referida DÚVIDA, eu me valho de minhas próprias ANOTAÇÕES de muitas coisas ditas por estudantes em sala de aula e por colegas em conversas e em salas de professores ao longo de minha experiência docente.
Lembro bem de um ESTUDANTE de FÍSICA que certa vez me fez essa mesma pergunta de uma forma ou pouco mais rebuscada. Disse ele:
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– “Professor, o senhor já disse que o COEFICIENTE de ATRITO pode ser MAIOR que UM; mas isso não leva a uma CONTRADIÇÃO?”
Eu olho para ele e devolvo a pergunta:
– Que CONTRADIÇÃO?
– “Porque, para mim, se o COEFICIENTE de ATRITO puder ser maior do que UM, então a FORÇA de ATRITO poderia ser MAIOR do que a FORÇA MOTORA APLICADA ao CORPO e assim se ele estivesse, por exemplo, em REPOUSO sobre uma superfície PLANA; quando eu o EMPURRASSE, ele se MOVERIA na minha DIREÇÃO, o que me parece uma DOIDICE”.
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OUVIR aquilo, para mim foi um PRESENTE. Eu nunca havia imaginado que a ORIGEM da DÚVIDA fosse aquela.
CLARO que o RACIOCÍNIO físico do estudanten está ERRADO!
Mas, ele é CONVIDATIVO não apenas para os INICIANTES.
E a PROVA disso é a própria PERSISTÊNCIA da referida DÚVIDA.
Ao OUVIR aquilo; ficou CLARO para mim que de NADA adiantaria apenas eu lhe garantir que de fato o referido COEFICIENTE de ATRITO pode ser maior que UM e até mesmo lhe dar EXEMPLOS disso; como mencionar que o COEFICIENTE de ATRITO entre duas superfícies planas de BORRACHA é da ordem de 1,16.
O que está em JOGO, neste caso, para a COMPREENSÃO do FENÔMENO não é apenas que ele seja bem explicado fisicamente; mas, também, que a o MODELO MENTAL que dá SUPORTE à referida DÚVIDA seja amplamente posto em jogo e devidamente questionado.
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Mas, afinal que MODELO MENTAL é este?
Na verdade, a ideia subjacente ao CONCEITO de COEFICIENTE de ATRITO ESTÁTICO é a de que para que um corpo em REPOUSO sobre uma superfície seja posto em MOVIMENTO, a FORÇA motora F a ser exercida sobre ele deve ser igual, ao menos, ao produto de tal COEFICIENTE pela força NORMAL; assumindo, por simplicidade, que a direção desta força seja paralela à superfície sobre a qual o corpo esteja em repouso.
Um COEFICIENTE de ATRITO MAIOR do que UM apenas IMPLICA que a FORÇA TOTAL que se precisa exercer para colocar o referido CORPO em MOVIMENTO é MAIOR em MÓDULO que a FORÇA que PRESSIONA o referido CORPO contra a superfície, a que se denomina de NORMAL.
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E aqui, portanto, surge a raiz do EQUÍVOCO:
O que o MODELO MENTAL subjacente à referida DÚVIDA parece ignorar é o fato de que o COEFICIENTE de ATRITO é a razão entre a FORÇA NORMAL (ou, no caso mais simples, o PESO) e a FORÇA de ATRITO e NÃO entre a FORÇA MOTORA e a FORÇA de ATRITO, como parece estar IMPLÍCITO na forma como a referida DÚVIDA foi exposta pelo meu estudante em termos de sua suposta “CONTRADIÇÃO”.
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Por exemplo, se uma caixa em repouso sobre o chão horizontal é empurrada a uma VELOCIDADE CONSTANTE, e o COEFICIENTE DE ATRITO é 1, isto SIGNIFICA que a FORÇA necessária para empurrar o mesmo é IGUAL ao seu PESO. Mas, se colocarmos, por exemplo, na superfície inferior do CORPO uma LIXA DE PAPEL com AREIA e o COEFICIENTE de ATRITO em decorrência disso mudar para o valor 2, isso SIGNIFICA que, neste novo caso, a FORÇA necessária para empurrar o CORPO terá de ser DUAS VEZES maior do que aquela que seria necessária para levantá-lo.
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Perfeito. A força de atrito aparece somente se for provocada, ou seja, independe do valor do coeficiente de atrito. A Primeira Lei de Newton diz muito bem que se um corpo estiver parado, permanecerá. Sendo assim, um corpo em repouso em um plano horizontal, mesmo com irregularidades no contato entre as superfícies, não tem necessidade da atuação da força de atrito, uma vez que permanecerá parado caso nenhuma força externa seja aplicada ao sistema.
Muito legal. Hoje (2021) medi um coeficiente de atrito maior que 1, entre madeira e borracha (um amplificador JBL). Me bateu essa dúvida, “Mas o coeficiente de atrito não tinha sempre um valor menor que 1? De onde eu ouvi isso?”.
Muito obrigado pelo artigo.