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O automóvel BMW i3 elétrico viola as leis da Termodinâmica?

Prezado Prof. Lang

Tenho uma duvida a respeito de se pode ser aplicação da lei da termodinâmica nos powertrain de veículos elétricos, a respeito de o sistema consumir menos energia elétrica do que a energia mecânica aplicada ao veiculo.

Exemplo: BMW I3 bateria de 37,9 kwh de energia útil, motor de 170 hp torque de 25,6 kgf.m, consumo sem a regeneração estimado em 20 kwh/100km.

O veiculo deslocando-se  a 25 km/h demora 4 h para percorrer os 100km ou um consumo de  5 kwh, a esta velocidade o motor opera com 1.800 rpm e aplica 46 kw de potencia.

Esta relação entre o consumo de energia e a potencia mecânica aplicada estaria quebrando a lei da termodinâmica?

Atenciosamente

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - IF-UFRGS

Incialmente é importante notar que o consumo de energia de 20kW.h/100km (de acordo com a informação da BMW é 4,0milhas/kW.h ou 15,6kW.h/100km)  foi avaliado pela norma WLTP que envolve quatro etapas com as seguintes características:

ETAPA 1 – LENTA
Distância: 3095 metros
Tempo: 9 minutos e 50 segundos com 3 paragens de 52 segundos cada (num total soma 2 minutos e 36 segundos)
Velocidade média: 18,9 km/h

ETAPA 2 – MÉDIA
Distância 4756 metros
Tempo: 7 minutos e 10 segundos com 1 paragem de 48 segundos com uma velocidade máxima de 76.6 km/h
Velocidade média:39,8 km/h.

ETAPA 3 – RÁPIDA
Distância: 7158 metros
Tempo: 7 minutos e 40 segundos com uma paragem de 209 segundos e uma velocidade máxima de 97,4 km/h
Velocidade média: 56 km/h

ETAPA 4 – MUITO RÁPIDA
Distância: 8254 metros
Tempo: 5 minutos e 20 segundos com uma paragem de 7 segundos com picos de velocidade de 131,3, 125 e 100 km/h
Velocidade média: 92,9 km/h

Portanto, este consumo não pode ser repassado para  condições de operação do veículo diferente daquela da norma conforme equivocadamente fez o perguntante. A velocidade com a qual o veículo se desloca, além de outras condições, é uma variável importante para o efetivo consumo conforme se discute a seguir partindo-se de um modelo encontrado no artigo  Potência de tração de um veículo automotor que se movimenta com velocidade constante.

De acordo com o artigo a potência de tração está fornecida na equação 16, na qual ρ é a densidade do ar, S é área frontal do veículo, C é o coeficiente de arrasto aerodinâmico, v é o valor da velocidade do veículo em relação à pista (e ao ar),  α é o coeficiente de resistência ao rolamento, M é a massa do automóvel e g é o valor da aceleração da gravidade. A expressão indica que a potência de tração de um automóvel que se desloque na horizontal com velocidade constante possui duas componentes: a primeira que cresce com o cubo da velocidade (dependente do arrasto aerodinâmico) e a segunda, que cresce linearmente com a velocidade (dependente da resistência ao rolamento).

Para o automóvel BMW i3 encontram-se as especificações técnicas em EspecificaçõesA partir das dimensões fornecidas no documento avalia-se a área frontal do veículo em S=2,4m2. A massa do automóvel é M=1345kg. O coeficiente de arrasto aerodinâmico encontra-se na Wikipedia, sendo C=0,29. A densidade do ar é ρ=1,2kg/m3.  O coeficiente de resistência ao rolamento, em acordo com o artigo Potência …, é α=0,01. Substituindo-se esses valores na equação 16 se obtém para a potência de tração em função da velocidade a seguinte equação:

onde a potência de tração resulta em watts quando a velocidade está expressa em metros por segundo.

Admitindo-se que o motor elétrico tenha rendimento de 90%, a potência elétrica demandada das baterias que alimentam o motor é a potência dada na equação 16.1 multiplicada por 1/0,9=1,11, ou seja

Se a potência dada por 16.2 é multiplicada pelo tempo em segundos para percorrer a distância de 100km ou 100.000m (t=100.000/v),  obtém-se o consumo de energia elétrica em joules por 100km. Daí basta transformar joules em quilowatt-hora (1kW=3.600.000J). O consumo em kW.h/100km é dado então por

onde v é velocidade em m/s.

A Figura 1 apresenta os gráficos da potência de tração (equação 16.1) e do consumo (equação 16.3) em função da velocidade do automóvel. É importante notar que estes resultados valem para um automóvel BMW i3 movendo-se com velocidade constante sobre uma pista horizontal em ótimas condições, com os pneus na pressão adequada e sem vento.

Vale notar que na velocidade de apenas 25km/h o consumo seria de aproximadamente de 5kW.h/100km. Tão baixo consumo deve-se a que em tal velocidade o arrasto aerodinâmico é menor do que a resistência ao rolamento. Conforme aumenta a velocidade, o consumo (equação 16.3) aumenta pois a parcela devida ao arrasto aerodinâmico cresce com o quadrado da velocidade enquanto a parcela devida à resistência ao rolamento permanece inalterada.

Para o consumo obtido aplicando-se a norma WLTP de 15,6kW.h/100km a velocidade constante que lhe corresponde é cerca de 110km/h. Cabe também notar que na velocidade máxima de 150km/h (que é limitada eletronicamente) o motor desenvolve uma potência de cerca 36kW, portanto muito menor do que a sua potência nominal máxima de 125kW conforme a informação da BMW. Desta forma, sem limitação eletrônica de velocidade este automóvel poderia atingir facilmente velocidades de 200km/h. A equação 16.1 prediz uma velocidade máxima de cerca de 230km/h quando a potência de tração atingisse os 125kW ou 170cv.

Outro equívoco do raciocínio do perguntante está na presunção de que a 25km/h o motor opere com o torque máximo. Os motores elétricos possuem uma importante característica que está sendo mal interpretada. Eles podem desenvolver o máximo torque (neste caso de 250N.m ou 25,6kgf.m) em qualquer frequência de rotação do motor. Entretanto só excepcionalmente o torque efetivo produzido pelo motor atinge o seu valor máximo. Se a 25km/h o motor estivesse produzindo o torque máximo, a velocidade estaria aumentando rapidamente. É o caso acontecido em testes de aceleração mas não ocorre quando o automóvel desloca-se com velocidade constante.

Portanto, as leis da Termodinâmica não estão sendo violadas pelo motor elétrico do BMW i3 ou de qualquer outro automóvel!

“Docendo discimus.” (Sêneca)

 


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