O átomo existe de fato?
4 de outubro, 2010 às 12:00 | Postado em Estrutura da matéria, Filosofia da Ciência, História da Ciência, Mecânica quântica, Termologia, termodinâmica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/A existência do ÁTOMO não é apenas teoria, ou seja, a TEORIA ATÔMICA? Alguém já viu um ÁTOMO?
Pergunta originalmente feita em http://br.answers.yahoo.com/question/
O atomismo é uma concepção que remonta à Antiga Grécia. Em que pese ter havido atomistas ao longo de todo o tempo, é no século XIX que ele passa a adquirir o status de teoria científica. Inicialmente químicos, para explicar as reações químicas, e depois físicos, quase concomitantemente, desenvolveram um “teoria cinética da matéria” onde os átomos desempenham um papel central. No final do século XIX e início do século XX havia por parte de físicos e químicos positivistas (por exemplo, Mach e Ostwald) fortíssima oposição ao atomismo.
A oposição dos positivistas à existência dos átomos passava por argumentos semelhantes ao que usaste na pergunta. Os átomos não eram observáveis diretamente segundo os próprios pressupostos da Teoria Atômica e, portanto, de acordo com os ditames da filosofia positivista “não existiam e a ciência se faz com aquilo que se observa”.
Um dos campeões na defesa da existência dos átomos e moléculas foi o físico Ludwig Boltzmann, que infelizmente se suicidou em 1906 antes de ver a vitória dessa concepção. O triunfo da concepção atomista sobre os seus fortes opositores muito se deveu a um dos três importantes trabalhos de Einstein em 1905 – recordando quais são eles: sobre o efeito fotoelétrico (que o levou ao prêmio Nobel em 1921); sobre a eletrodinâmica do corpos em movimento (depois conhecido como o trabalho sobre a Relatividade Restrita); sobre o movimento browniano -, sobre o MOVIMENTO BROWNIANO se constituiu em uma “tremenda prova” sobre a existência dos átomos e moléculas, convencendo alguns dos importantes opositores do Atomismo. Mas houve outras “provas” sobre a existência das tais partículas microscópicas como, por exemplo, a cintilação de uma tela de material fluorescente nas proximidades de uma fonte radioativa.
O trabalho de Einstein de 1905 serviu para que em 1909 o físico Jean Perrin fizesse uma determinação precisa do Número de Avogadro a partir de medidas sobre o movimento browniano de partículas coloidais (vide abaixo os reparos feito pelo Prof. Roberto Martins).
Assim o atomismo tem no mínimo 2400 anos mas faz menos de um século que ele se afirma como uma grande teoria científica, bem corroborada, frutífera e com poder explicativo sobre o mundo.
O importante nessa discussão é compreender que CIÊNCIA NÃO SE FAZ APENAS COM O QUE SE OBSERVA. O observável frequentemente é explicado por teorias que “vão mais fundo na estrutura da realidade”, postulando entidades e processos que não podem ser observados diretamente. É nesse caráter conjectural, hipotético e especulativo que reside o poder das grandes teorias científicas. Um dos objetivos da ciência é a compreensão do que se observa através de níveis mais profundos da realidade.
“Docendo discimus.” (Sêneca)
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Comentários no Facebook
Fernando Lang da Silveira – A propósito da postagem do Bolivar Alves sobre trabalhos do Jean Perrin e Louis de Broglie relativos à existência de átomos e moléculas comentei:
Hoje se fala sobre átomos, moléculas como se a existência dessas entidades fosse óbvia. Com facilidade os livros de Física esqueceram que havia, no início do século XX, uma enorme oposição à teoria atômica e molecular da matéria. Portanto a existência dos átomos e moléculas era duvidosa faz pouco mais de 100 anos. E o esquecimento foi rápido pois no livro de 1935 do Max Born encontro o seguinte: As ideias sobre átomos e moléculas “são sugeridas quase inevitavelmente quando tentamos interpretar as regularidades simples que se revelam imediatamente quando as massas das substâncias que se transformam nas reações químicas são determinadas quantitativamente com a balança.”
Alexandre Medeiros – Os trabalhos experimentais do Jean Perrin, assim como a explicação dada pelo Einstein para o Movimento Browniano foram realmente decisivos para que a TEORIA ATÔMICA viesse a se tornar paradigmática. Você está correto em seus comentários a respeito da dificuldade inicial de aceitação da mesma; o que muitos desconhecem. A teoria atômica surgiu, ao longo da história em três diferentes ondas: a filosófica que data da Grécia Antiga, a Química com origens nos trabalhos do Dalton no início do século XIX e a Física, com seus primórdios nos séculos XVII e XVIII, principalmente com os trabalhos do Daniel Bernoulli, mas que se consolidou realmente com o advento da Mecânica Estatística que corroborava as leis empíricas da Termodinâmica, assumindo a natureza atômica da matéria como base. Mas, ADVERSÁRIOS de vulto não faltaram; dentre eles até mesmo o jovem MAX PLANCK que havia feito sua tese de PhD sobre a Segunda Lei da Termodinâmica e que não estava disposto a aceitar a formulação de Boltzmann para o conceito de Entropia e muito menos a metáfora do demônio de Maxwell que retirava a palavra “SEMPRE” da afirmação de que o calor passa da fonte quente para a fonte fria para substituir a mesma por “QUASE SEMPRE”. Sua “conversão” tardia ao criar a hipótese de quantização da energia se deu de forma meio insegura, pois tentou “consertar” a mesma (em vão) por muito tempo. Sua adesão final aos cânones da Teoria Atômica foi uma decorrência natural de seu feliz insucesso em “consertar” a melhor ideia que havia tido em sua vida. Mas, essa é uma outra história. Rsrsrs …
Fabio Pra Mach – tb morreu sem dar o braço a torcer.
Fernando Lang da Silveira – Tenho dúvidas sobre isto Fabio Pra. Sei que Mach sempre se opôs à Teoria da Relatividade a quem Einstein considerava sua neta. Entretanto não foi a primeira vez que um avô rejeitou a neta!
Fabio Pra – Eu sempre “brinco” com meus alunos sobre como eles podem acreditar em coisas tão pequenas que nem podem ver.
Fernando Lang da Silveira – De fato APOSTO que a maioria dos alunos nem imaginam quão pequenos!!
Alexandre Medeiros – Me parece que o Fabio Pra está correto em sua observação. O Mach se opôs à concepção do Boltzmann e o fez de forma até mesmo tirânica. Não diria que o suicídio do Boltzmann tenha sido motivado diretamente por isso, mas certamente influenciou em seu estado mental. Mach era um energeticista e achava a Teoria Atômica algo “gratuito”. Nosso amigo Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, escreveu um pequeno, mas interessante, texto em seu BLOG sobre isso: Boltzmann x Ostwald no qual menciona o Mach. http://dererummundi.blogspot.com.br/2009/01/disputa-de-boltzmann-contra-ostwald-e.html
Alexandre Medeiros – O Robert Deltete escreveu um artigo bem mais longo na “Synthese” sobre esse mesmo tema. http://link.springer.com/article/10.1023%2FA%3A1005287003138
Alexandre Medeiros – O energeticismo de Mach está bem exposto em seu clássico “History and root of the Principle of the Conservation of Energy” cujo DOWNLOAD pode ser feito de forma GRATUITA em: https://archive.org/details/historyrootofpri00mach
Alexandre Medeiros – Veja este trecho do texto do Barry Masters “Ludwig Boltzmann A Pioneer in Atomic Theory”: “Boltzmann struggled in his final years to defend his atomic-molecular theories. Most German-speaking physicists and philosophers opposed the concepts of atoms and molecules. Boltzmann conflicted with some of his colleagues in Vienna, particularly Ernst Mach, who became a professor of philosophy and the history of science in 1885. Mach demanded experimental evidence for scientific concepts, and at the time there was a paucity of data to support the existence of atoms”. O TEXTO COMPLETO pode ser lido em: http://www.osa-opn.org/home/articles/volume_22/issue_11/features/ludwig_boltzmann_a_pioneer_in_atomic_theory/#.UulB5j1dUa8
Fabio Pra – Nem eu imagino quão pequeno!! Adorei o livro, devidamente baixado aqui.
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Comentários no Facebook em 16/10/2014
Roberto De Andrade Martins – Fernando, gostaria de lhe pedir que leia com atenção o artigo de Perrin, de 1909: http://hermes.ffn.ub.es/lui…/nuevo_maletin/Perrin_1909.pdf
Havia diversas outras determinações do número de Avogadro, que Perrin menciona. Com base no estudo do movimento browniano, ele obteve o valor de 7,0×10**23, mas Max Planck, a partir da teoria da radiação do corpo negro (sim, parece que não tem relação, mas tem) já havia obtido antes o valor 6,1×10**23, que é muito mais próximo daquele que aceitamos. Perrin cita esse resultado na página 110 do seu artigo.
Roberto De Andrade Martins – Entre as pessoas que rejeitavam a ideia de átomos, em torno de 1900, podemos incluir duas pessoas que Einstein admirava: Ernst Mach e Wilhelm Ostwald. Eles defendiam uma concepção empirista da ciência, que levava à rejeição daquilo que não pode ser observado. Einstein aceitava essa postura empirista; isso foi o que o levou depois a rejeitar o éter, como é bem sabido. Einstein tentou até mesmo trabalhar com Ostwald, mas não conseguiu… Então, penso que é importante entender as posições dessas pessoas todas, na época.
Lucas Guimarães – Professor Martins, já li alguns materiais que afirmam que, devido a essa postura empirista de Ciência tida por Mach, o mesmo fez diversas críticas a Boltzmann, após este ter ampliado os resultados da teoria cinética dos gases de Maxwell, e que, diante da rejeição da sua proposta, Boltzmann havia se suicidado em 1906. Isto procede?
Roberto De Andrade Martins – Nunca estudei essa lenda, Lucas. Não sei se é verdade.
Fernando Lang da Silveira – Em suas “Notas Autobiográficas” Einstein externa a sua admiração por Mach. Entretanto já havia superado a postura empirista. De fato o artigo de 1905 sobre a “Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento” é consistente com os ditames positivistas. A linguagem ali usada é notoriamente fenomenista (observadores, medidas com relógios e réguas …).
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Comentários no Coletivo Ácido Cético
Guga Vieira – Lang, uma vez que a ideia de átomo lançada pelos gregos era puramente filosófica e versava especificamente sobre a porção mínima de matéria a partir da qual esta não poderia mais ser dividida (daí o termo “átomo”), creio ser um equívoco chamar o atual átomo como sendo o equivalente científico do que os gregos haviam falado ha mais de dois mil anos atrás. Entendo que à época de desenvolvimento da teoria atômica e do desenvolvimento dos meios teórico-práticos para a percepção dos átomos os cientistas acreditassem ter encontrado a tal partícula indivisível e, por isso, batizaram-na com o termo sugerido pelos gregos. Neste sentido, sim, a teoria atômica, de uma certa forma remonta aos gregos, porém, para ser justo, a partir do momento que se conseguiu “dividir” o átomo em suas partículas e, mais recentemente, estas em sub-partículas, fica claro que o que os cientistas pensaram ser o átomo grego não o era. Acho que vale este esclarecimento histórico, não?
Fernando Lang da Silveira – Apontas para uma questão histórica importante e que transcende a este contexto particular do átomo. Um termo usado no passado pode ter significados diferentes do mesmo termo atualmente. Exemplifico com um caso mais recente envolvendo Newton e os demais cientistas do século XVII.
O termo FORÇA (vis) no Principia designa muito mais do que hoje entendemos por FORÇA. O significado atual para FORÇA restringe-se à FORÇA MOTORA IMPRESSA (esta é a terminologia de Newton na Segunda Lei). Havia na época de Newton outras “forças” que hoje são designadas por termos diversos. Newton fala em vis insita ou vis inertiea (hoje apenas inércia), vis viva (hoje o dobro da energia cinética), …
A questão central do atomismo para os antigos gregos, e depois para todos os atomistas posteriores, é de que a matéria é descontínua e de que, subjacente a todas as transformações percebidas no mundo natural, há algo perene e imodificável, os ÁTOMOS. E os átomos, segundo os antigos gregos, estão em constante movimento e tem como pressuposto a ideia de VAZIO separando estas entidades microscópicas. Os opositores do atomismo ao longo de toda a história também se opuseram à ideia do vazio. Os antiatomistas eram PLENISTAS e lhes era inconcebível a possibilidade de vazio, vácuo.
De fato o que designamos por ÁTOMO não é INDIVISÍVEL no sentido geral mas ainda continua sendo indivisível no sentido químico, no sentido que que tal entidade é a menor parte da matéria com determinadas propriedades químicas.
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