X

NÃO é verdade que os experimentos de Michelson-Morley derrubaram a “teoria do éter luminífero”!

Alguém no Facebook afirmou:
Várias “experiências” foram feitas para se determinar a velocidade da luz.
Mas o “grande” experimento da velocidade da luz, foi feito por Michelson e Morley, acho que um ano antes de Einstein nascer, que além de determinar a velocidade da luz com grande precisão, também derrubou por vez a teoria do “éter luminífero”.
Os experimentos de Michelson e Morley tiveram papel fundamental para Einstein postular que a velocidade da luz no vácuo é constante, base da Relatividade.
Isto está correto?

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

A derrubada da teoria do éter luminíferoNÃO aconteceu graças aos experimentos Michelson-Morley. Esta é uma lenda a serviço da concepção empirista sobre como funciona a ciência.

Ao receber Michelson o Prêmio Nobel (1907) NÃO houve qualquer referência à “derrubada da teoria do éter”! A razão para atribuição a Michelson do prêmio é a seguinte:  “for his optical precision instruments and the spectroscopic and metrological investigations carried out with their aid“.

Michelson, até o fim de sua vida (1931) acreditou no éter e em 1925 anunciou que havia detectado o “vento de éter”.

Veja nosso artigo “Três episódios de descoberta científica: da caricatura empirista a uma outra história” disponível no ResearchGate, especialmente seções III.1 e III.2.

Segundo o próprio Einstein os experimentos de Michelson-Morley NÃO foram importantes para Teoria da Relatividade Restrita (TRR). Não há nenhuma referência a eles no artigo de 1905.

Quem tomou a sério os resultados negativos de Michelson-Morley foi Lorentz, criando uma teoria para explicá-los. Lorentz continuou a crer em um “éter indetectável” mesmo após a TRR. Em 1909 assim se pronunciou Lorentz: “I cannot but regard the ether, which can be the seat of an electromagnetic field with its energy and its vibrations, as endowed with a certain degree of substantiality, however different it may be from all ordinary matter.”

Segundo o próprio Einstein sua motivação para criar a TRR é resolver uma incompatibilidade entre a Mecânica e o Eletromagnetismo. Um dos problemas que inquietava Einstein desde os 16 anos está bem colocado  no seu célebre o Experimento  Mental da Perseguição do Raio de Luz: “Se um raio de luz for perseguido a uma velocidade c (velocidade da luz no vácuo), observamos esse raio de luz como um campo eletromagnético em repouso, embora com oscilação espacial. Entretanto, aparentemente, não existe tal coisa, quer com base na experiência, quer de acordo com as equações de Maxwell.

Produzi uma apresentação para configurar a inconsistência apontada por Einstein em seu experimento mental sobre a perseguição do raio de luz. Ela está em   https://www.if.ufrgs.br/~lang/Textos/Surf_Einstein_luz.pdf .

Sobre o “experimento da perseguição do raio de luz”: Einstein_surfando_em_uma_onda_de_luz:_a_historia_mal_contada_de_um_experimento_idealizado

Um programa na Rádio da Universidade (UFRGS), na série Fronteiras da Ciência, trata dos experimentos mentais de Einstein e do seu papel na gênese da TRR. O programa se encontra em http://dstats.net/download/http://www6.ufrgs.br/frontdaciencia/arquivos/Fronteiras_da_Ciencia-T06E08-O_Sonho_de_Einstein-20.04.2015.mp3

 “Entre 1950 e 1954, o físico e historiador R. S. Shankland (1908-1982) realiza cinco entrevistas com Einstein, abordando diversos aspectos de seu trabalho. Quando, na primeira delas, Shankland lhe pergunta sobre quando teve conhecimento da experiência de Michelson e Morley, Einstein responde que foi através dos escritos de Lorentz, mas apenas depois de 1905, “se não eu a teria mencionado em meu artigo”; e Einstein prossegue dizendo que os resultados que mais o influenciaram na elaboração da sua teoria foram as observações sobre a aberração estelar e as medidas de Fizeau sobre a velocidade da luz na água em movimento – “elas foram suficientes”, conclui Einstein” (PEDUZZI, 2009, p. 221 – http://www.if.ufrgs.br/~lang/Textos_Peduzzi/A%20relatividade%20einsteiniana%20-%20uma%20abordagem%20conceitual%20e%20epistemol%f3gica.pdf)

“Docendo discimus.” (Sêneca)

____________________________________________________

Comentário no Facebook em 20/10/2014

Beto Pimentel – O tema é muito complexo, e livros já foram escritos a respeito da possível ou suposta influência dos experimentos de Michelson-Morley na GÊNESE da TRR em Einstein. O fato de terem enchido o saco do Einstein perguntando sobre isso ao longo dos 50 anos seguintes não ajudou, porque em várias ocasiões ele deu declarações que poderiam ser interpretadas de diferentes maneiras. A opinião majoritária no entanto parece ser mesmo esta de que Einstein teria considerado o experimento do prisma de Arago (1810) e o arrasto do éter pela água em movimento por Fizeau (1851) como “suficientes” como base empírica. Por outro lado, no artigo original de 1905 ele tampouco cita ESTES experimentos, preferindo fazer uma declaração lacônica de que “alguns resultados experimentais” adicionaram às questões (provavelmente mais fundamentais para ele) de simetria das equações de Maxwell e da relatividade galileana para o desenvolvimento da TRR.

Em particular acho muito pouco provável que Einstein verdadeiramente desconhecesse o resultado de MM antes de 1905 porque Lorentz já tinha se debruçado sobre ele para desenvolver suas Teorias do Elétron, e Lorentz era um físico reconhecido (talvez o maior físico teórico de seu tempo) e Einstein um admirador confesso. Mas de fato não há como provar isso.

De qualquer maneira, a pergunta do aluno não era sobre se o experimento de MM influenciou a GÊNESE da TRR, mas o papel deles na derrubada do conceito de éter luminífero.

Isso me parece ainda mais complicado de responder. Em primeiro lugar porque depende um pouco do que se está chamando de éter luminífero. Mesmo Einstein, após 1907, ao começar a refletir sobre as ideias que posteriormente o levariam à TRG (Teoria da Relatividade Geral) flertou com o conceito de que o espaço-tempo dotado de características físicas não era muito diferente do que antes se chamava “éter”, em última instância.

Ainda que a gente entenda que o aluno se refere à ideia clássica (huygeniana) de éter luminífero, seria difícil precisar quando essa ideia cai por terra, e o que exatamente contribui decisivamente para tanto. Ele tem razão de associar isso ao experimento de MM porque muitas vezes o experimento de MM de 1887 foi apresentado como um experimentum crucis – cujo resultado teria então tido duas consequências: a corroboração da TRR e o descarte do éter luminífero pela navalha de Ockham einsteiniana. Nada disso é verdadeiro, é claro, porque não se pode fazer um experimentum crucis para decidir entre duas teorias científicas concorrentes ANTES que uma delas seja criada (isso violaria o primeiro princípio da TRR, a propósito!). E também não é verdade que o éter luminífero tenha sido descartado após MM: basta apontar para as Teorias do Elétron de Lorentz que, lançando mão da ideia de contração de FitzGerald-Lorentz, davam conta do resultado de MM E incorporavam a ideia de éter.

O professor Lang chama a atenção para um aspecto fundamental: o de que na época, especialmente na cultura científica estadunidense, onde o experimento de MM foi feito, uma base experimental era considerada necessária para fundamentar uma teoria, e a TRR parecia carecer dessa base (ou pelo menos ela não era explícita nos trabalhos de Einstein). Juntamente com o espírito nacionalista da época, e o fato de que a TRR levou muitos anos para se tornar o paradigma dominante na cultura científica (certamente não antes de 1919 e da “comprovação” das previsões da TRG), é razoável supor que os resultados de MM de 1887 TIVERAM UM PAPEL IMPORTANTE NO ESTABELECIMENTO E DIFUSÃO DA TRR, e por conseguinte no abandono da ideia de éter.

O fato de Michelson, Lorentz e outros grandes cientistas de época continuarem acreditando num éter não impediu que com o tempo ele fosse descartado (pelo menos em sua concepção clássica) – mas deu a Planck um belo insight epistemológico, pelo menos.

Como o tema sempre parece despertar grandes emoções, adianto então duas referências interessantes e talvez pouco conhecidas, pra quem quiser se aprofundar:

SWENSON, Loyd S. “The Ethereal Aether – a history of the Michelson-Morley-Miller experiments”, University of Texas, 1972.
KOSTRO, Ludwik. “Einstein and the Ether”, Apeiron, Montreal 2000.

Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 5696.


3 comentários em “NÃO é verdade que os experimentos de Michelson-Morley derrubaram a “teoria do éter luminífero”!

  1. Certo.
    O aspecto relevante que Einstein mencionou em seu artigo seminal, a respeito do éter, foi: “…A introdução de um “éter luminifero revelar-se-á supérflua, visto que na teoria que vamos desenvolver não necessitaremos de introduzir um espaço em repouso absoluto”…” E, realmente, a TR prescinde dessa hipótese.
    Mas o fato é que nem Morley – apesar de sua declaração de 1925 – ou outros, detectaram qualquer coisa parecida com algo como um éter, ao menos com a estrutura conceitual que lhe dá corpo, configurada por um montão de hipótese ad hoc.
    que lhe dá corpo.
    Não disse que isso inexistia, etc.

  2. Lio disse:

    Uau, parecem religiosos debatendo a interpretação correta dos livros sagrados. Eis o que se tornou a ciência, uma nova religião. Sacerdotes agora são os cientistas e nós, pessoas comuns, os leigos, que aceitam as interpretações deles como verdades absolutas e ainda as usamos para brigar com os divergentes. E ainda querem criticar a Terra plana e outros movimentos “não científicos”… Nessas condições é realmente muito interessante ser “não científico”. Sem mais.

    • Fernando Lang disse:

      O teu comentário mais uma vez denota total desconhecimento sobre ciência e história da ciência. A ciência é um empreendimento humano que não conta com fontes “reveladas” e portanto está sempre aberta a discussões. Que tu és “não científico”, irracionalista, terraplanista, já ficou evidente em outros comentários. Mas ainda há tempo para te aprimorares lendo as postagens do CREF e textos sobre filosofia e história da ciência. ?

      Poderias começar em Racionalismo crítico.

      K. R. Popper

Acrescente um Comentário:

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *