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Mecânica – Trabalho na esteira transportadora

O prof. Fernando Lang respondeu a pergunta proposta em http://einsteinmania.com/aprofundamento/questao-25-ita-2010-polemica/.

Agora, uma outra questão foi lançada no mesmo site e está disponível em http://einsteinmania.com/aprofundamento/questao-19-ita-2000-resolucao-equivocada/.

Gostaria de saber a opinião de vocês a respeito dela.

Obrigada!

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Olá, como vão?

No artigo Questão 25 – ITA 2010, apresentei duas soluções diferentes para a referida questão, propostas por dois grandes sistemas de ensino brasileiros. Ele despertou interesse significativo, sendo visualizado por milhares de pessoas. Naturalmente, fiquei satisfeito com o resultado, mas não apenas pela grande visitação, mas porque ele parece ter instigado o espírito crítico-analítico, tão importante para o crescimento intelectual e científico. Então, seguindo nesta linha, proponho que analisem a seguinte questão e a solução apresentada. Ela foi retirada do arquivo disponível para download Etapa-ITA2000-Fisica. Mais uma vez, devo ressaltar que o objetivo é analisar uma questão de Física e nada mais.

Mas, talvez, pudéssemos resolvê-la da seguinte maneira. Se a areia caísse com velocidade cuja componente  horizontal fosse de 4 m/s, ela não precisaria ser acelerada horizontalmente e não haveria necessidade de atrito entre ela e a esteira para que fosse conduzida. Seu movimento ocorreria por Inércia. Assim, não seria necessária potência extra. A potência a que se refere o enunciado é necessária para provocar a aceleração horizontal da areia. A cada segundo, a força de atrito faz com que 3 kg de areia adquiram a velocidade horizontal de 4 m/s. Desta forma, a força vale 12 N (lembre-se da 2ª Lei de Newton ou do Teorema do Impulso). Como potência pode ser calculada pela multiplicação da força pela velocidade, chegamos a 48 W.

E agora, qual solução está correta? Ou, mais uma vez, há problemas no enunciado?

Abraço a todos,

Prof. Douglas Almeida

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Resposta do Prof. Fernando Lang da Silveira

Inicialmente um consideração de ordem geral. TODOS os enunciados (leis, teoremas) da Mecânica relativos a conceitos envolvendo trabalho, potência, energia, impulso … são dedutíveis das Leis de Newton. 

Assim sendo, em caso de aparente conflito entre duas soluções, devemos desconfiar da solução que envolve leis ou teoremas obtidos das Leis de Newton. Os teoremas em qualquer sistema teórico são menos gerais do que os princípios pois decorrem dos princípios em alguma circunstância especial.

Soluções obtidas correta e diretamente das Leis de Newton devem merecer, em princípio, nossa confiança.

A solução levando a 24 W contabiliza apenas o trabalho necessário para produzir uma variação de energia cinética. Quando a areia cai sobre a esteira, na direção do movimento da esteira (direção horizontal), a areia se encontra inicialmente em repouso. Depois, ao interagir com a esteira, acaba por adquirir a mesma velocidade da esteira (4m/s). Nesta transição a areia, durante algum tempo, desliza em relação à esteira e as forças de atrito cinético realizam trabalho. Portanto o trabalho total É MAIOR do que a variação da energia cinética da areia pois somente parte dele é atribuído a esta variação.

Portanto a solução que leva a 24 W está errada e a potência deve ser maior do que 24 W! Neste caso, por exclusão chegamos à resposta correta.

Entretanto a resposta correta pode ser obtida como o Prof. Douglas apontou na sua solução que leva a 48 W.

Muito mais importante do que chegar à solução é a discussão conceitual sobre a aplicabilidade e as limitações dos conhecidos teoremas da Mecânica. O Teorema Trabalho-Energia, na forma usualmente conhecida, NÃO é válido sempre conforme discuto em Girando e aumentando a energia cinética. Como surge a energia cinética extra?

Outras postagens no Pergunte ao CREF sobre este tema estão acessíveis em Teorema Trabalho-Energia Cinética.

 

“Docendo discimus.” (Sêneca)

Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 1855.


5 comentários em “Mecânica – Trabalho na esteira transportadora

  1. Matheus Bezerra de Lima disse:

    Fiquei na mesma. Não consigo entender porque energia cinética ganha pela areia é apenas metade da potência total. A areia não possui forças internas que possam realizar trabalho e nem rotação, logo o trabalho da força resultante sobre a areia deve ser igual a variação de energia cinética dela. E a única força agindo sobre a areia é a de atrito cinético, que faz a areia ir de 0 a 4 km/h. Logo, toda a variação da energia cinética da areia deve ser devido ao trabalho dessa força de atrito cinético. Ao mesmo tempo, não consigo ver erros lógicos na outra solução também. Juro que não entendi nem um pingo do que o senhor escreveu aqui, dá para explicar de novo com muito mais detalhes e profundidade? E se a resposta é mesmo 48 W, para onde foram esses 24 W que não aumentaram a energia cinética da areia?

    • Fernando Lang disse:

      “Logo, toda a variação da energia cinética da areia deve ser devido ao trabalho dessa força de atrito cinético.”

      Está correto mas é só uma parte do processo! A outra parte está em que forças de atrito cinético determinam que energia mecânica seja transformada em energia interna dos dois sistemas que se atritam: a areia e a esteira. Em outras palavras, quando a areia ganha energia cinética, a areia e a esteira aquecem.

      Sugiro olhares as postagens indicadas e compreender teoricamente que o trabalho total sobre um sistema NÃO é necessariamente igual ao trabalho da resultante das forças sobre o sistema pois forças internas a um sistema, que não contribuem para a resultante, podem realizar trabalho. É o caso das forças de atrito cinético entre a esteira e a areia.

      • Matheus Bezerra de Lima disse:

        Muito obrigado pela resposta! Vou estudar melhor o assunto. Algumas análises desse problema da esteira abordam dizendo que o atrito cinético faz com que parte do tratalho sobre o sistema, a outra metade dos 48 W (a que não contribui para o aumento da energia cinética da areia) se perde como calor. Isso significa que atrito cinético sempre libera calor? Como funciona o trabalho do atrito cinético? Acho que é isso que o senhor está dizendo, mas já vi outros falando que o aumento constante da quantidade de areia sobre a esteiran já que areia nunca deixa de cair, é que explica a discrepância e a não validade do teorema trabalho energia nesse caso. Qual dessas abordagens está correta?

        E pelo que vejo do que o senhor disse, talvez meu erro seja pensar que o sistema é apenas a areia em vez de conjunto areia e esteira (neste último caso a força de atrito cinético é interna ao sistema de fato) e não há forças internas na areia, como escrevi na minha pergunta:

        “Não consigo entender porque energia cinética ganha pela areia é apenas metade da potência total. A areia não possui forças internas que possam realizar trabalho e nem rotação, logo o trabalho da força resultante sobre a areia deve ser igual a variação de energia cinética dela. E a única força agindo sobre a areia é a de atrito cinético, que faz a areia ir de 0 a 4 km/h. Logo, toda a variação da energia cinética da areia deve ser devido ao trabalho dessa força de atrito cinético.”

        Eu já vi as postagens sobre o Usain Bolt e “Girando e Aumentando a Energia Cinética”, me ajudaram a entender a caminhada e como a força de atrito não faz trabalho embora seja responsável por acelerar o centro de massa da pessoa. Mas confesso que não entendi como aplicar esses problemas a essa questão da esteira, acho que simplesmente não entendi e não percebi todos os detalhes, especialmente quais sao todas as forças em ação, do sistema areia-esteira. Acho que se eu entendesse todos os fatores envolvidos eu entenderia esse problema e que eu gostaria que o senhor dissesse, que não estou conseguindo encontrar nos livros didáticos. Talvez eu precise fazer uma releitura profunda da mecânica clássica desde a física básica, desde o início, para resolver carências que talvez expliquem o porque esse problema me deixa tão confuso. Afinal, eu sempre vi a situação do problema só como trabalho na areia.

        • Fernando Lang disse:

          “Afinal, eu sempre vi a situação do problema só como trabalho na areia.” Aí está o erro!

          Se há interesse em calcular a potência necessária para manter a esteira com velocidade constante, é necessário considerar o sistema esteira-areia e não apenas a areia pois enquanto a areia é acelerada, a velocidade da esteira não permaneceria constante caso não houvesse uma força externa à esteira realizando trabalho. A interação da correia com a areia pode ser considerada como uma colisão completamente inelástica e portanto, caso não houvesse uma força externa motora na correia, implicaria em uma perda de energia mecânica para o sistema areia-correia. Esta perda, juntamente com o ganho de energia cinética da areia, deve ser compensado pelo trabalho da força motora na esteira.

          • Matheus Bezerra de Lima disse:

            Muito esclarecedor! Obrigado! Vou refletir bastante o que o senhor escreveu! Parece que agora estou no caminho certo para entender esse problema finalmente.

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