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Mecânica quântica e colapso da função de onda

O “colapso da função de onda” decorre da Equação Schroedinger ou é um postulado?

Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/

Os sucessos  da mecânica quântica, são um forte indício de que as leis fundamentais na física, sejam quânticas. Das quatro interações fundamentais que conhecemos [1], três delas possuem uma formulação quântica com excelentes comprovações experimentais, e a quarta interação que é a gravitação, ainda aguarda por testes experimentais, mas os indícios que necessitamos de uma teoria de gravitação quântica, são bem convincentes. No entanto, existem questões importantes na mecânica quântica que ainda não sabemos como responder.

Na mecânica quântica, a resolução da equação de Schroedinger tem o objetivo de obter  a função de onda e a partir dela descrever as propriedades do sistema em estudo.  Na visão usual (a chamada interpretação de Copenhagen) a função de onda descreve de maneira completa o sistema em estudo, e a equação de Schroedinger nos permite determinar como a equação de onda evolui com o tempo. Isto é semelhante ao que é realizado na física clássica, como por exemplo na mecânica clássica. Com a solução da equação de Newton, podemos obter uma equação que descreve a trajetória da partícula, e a partir dela, obter todas as informações da dinâmica da partícula. Mas estas semelhanças são superficiais, pois existem diferenças fundamentais [2] entre a mecânica quântica e a mecânica clássica (a física clássica), e algumas destas diferenças   vamos apresentar a seguir, concentrando no chamado colapso da função de onda.

Uma questão importante é como a partir da função de onda, podemos obter alguma informação sobre o sistema? Na mecânica quântica, para cada grandeza física atribuímos um operador. De forma bem simplificada, um operador é um conjunto de regras a ser aplicado em um outro objeto, e no caso específico da mecânica quântica, o operador é aplicado em uma função de onda.  Usando a construção que introduzimos no texto sobre estados emaranhados, podemos representar a ação do operador (que representamos com a letra Z na Figura 1) com

e que devemos entender como “o operador Z atua na função de onda” [3]. E qual o resultado desta ação do operador na função de onda? Obtemos como resultado, o valor da grandeza física representada pelo operador.  No exemplo da Figura 1a o resultado da atuação do operador é ” a moeda é cara” e na Figura 1b  o resultado é “a moeda é coroa” [4].  Se repetirmos a medida imediatamente após a primeira medida, no caso 1a o resultado vai continuar a ser “moeda é cara” e no caso 2a, “moeda é coroa”.  É importante reafirmar que no  nosso exemplo “moeda é cara” ou “moeda é coroa”, representa um sistema que possui apenas duas possibilidades de resultado, e representa um sistema quântico. É uma analogia com a grandeza denominado spin que utilizamos na mecânica quântica. O conceito de spin, algumas vezes é introduzido na disciplina de química no ensino médio, quando estudamos os átomos.)

Agora vamos considerar o caso de superposição, como a da Figura 2.  Lembrando que na mecânica quântica, a função de onda deve considerar todas as possibilidades que o sistema pode apresentar. No nosso caso, como temos as duas possibilidades “moeda é cara” e “moeda é coroa”, além das duas funções de onda apresentadas na Figura 1, devemos ter uma outra que contemple a possibilidade de ter AMBAS as possibilidades.   Quando efetuamos a medida (representada pelo operador Z) neste estado de superposição, temos duas possibilidades de resultados: moeda é cara ou moeda é coroa, cada um com 50% de chances de ocorrer. Esta é em essência a interpretação probabilística da mecânica quântica.   Mas se repetirmos a medida (“atuar com o operador Z”) imediatamente depois de uma medida, algo diferente vai ocorrer. Se o resultado da primeira medida for “moeda é cara”, a medida imediatamente depois resultará com 100% de certeza em “moeda é cara”, e se o resultado da primeira medida for “moeda é coroa”, a medida imediatamente depois resultará com 100% de certeza em “moeda é coroa”.  Aquela incerteza inicial (poderia ser cara ou coroa) agora deixou de existir!  O diagrama da Figura 2 ilustra esta situação.

Após a primeira medida no estado com superposição, obtido um resultado (moeda é cara ou moeda é coroa) as medidas imediatamente depois, mantém o mesmo resultado. Isto é, na segunda medida já não temos a mesma função de onda inicial (a com superposição). Para que isto ocorra, a função de onda inicial foi modificada, já não sendo a função de onda com a superposição inicial de “moeda é cara” e “moeda é coroa” [4].  Dizemos que ocorreu um colapso na função de onda.

Este colapso da função de onda, é na construção padrão da mecânica quântica, um postulado. Não é algo que decorre por exemplo da utilização da equação de Schroedinger. É um postulado que mostra compatibilidade com os dados experimentais de forma excepcional, mas se pensarmos em termos de fundamentos da mecânica quântica, é uma lacuna ainda a ser preenchida: não sabemos como ou porque ocorre o colapso da função de onda.

Uma situação que talvez ilustre a noção do colapso da função de onda de forma mais interessante, é quando desejamos por exemplo determinar aonde está a partícula, usando um exemplo apresentado por Einstein (ver Figura 3) no Congresso de Solvay de 1927 [5]. Considere uma partícula descrito pela equação de Schroedinger, e que incide em um anteparo com um pequeno furo. Nesta situação, após o furo (suficientemente pequeno) a função de onda ira se espalhar como uma onda esfericamente simétrica, centrada no furo. Em um local depois do anteparo com o furo, temos uma tela que serve como detector (no local que a partícula atingir, a tela apresenta um brilho), representado na Figura 3 pela linha vermelha. O que será detectado é a presença de um único ponto na tela. Uma vez que um ponto na tela detecte a presença da partícula, nenhum outro ponto na tela pode brilhar (e não ocorre, lembre que estamos tratando de uma situação de uma partícula por vez). De acordo com a descrição ortodoxa da mecânica quântica, o que ocorre é que uma vez que a partícula é detectada, a função de onda sofre um colapso, isto é, a  função de onda que ANTES da detecção estava em todo espaço, ao ser detectada (medida) se torna localizada em torno do ponto de detecção (representado por um ponto amarelo na Figura 3).

Na Figura 4 apresentamos esquematicamente no eixo horizontal uma posição no detector, e no eixo vertical o valor do módulo quadrado da função de onda, representado como |Ψ|2. Após sair do furo como a probabilidade de ser detectado na tela é a mesma para qualquer ponto, temos uma reta horizontal para o módulo quadrado da função de onda (gráfico (a) na Figura 4). Após a detecção, que ocorre em um único ponto na tela, a função de onda (ou melhor, com o módulo quadrado da função de onda) deve ficar concentrada em torno deste ponto (gráfico (b) na Figura 4).

Einstein ao apresentar esta construção, argumentava que se a função de onda fosse uma descrição completa, era difícil aceitar este processo de colapso, por outro lado se representasse uma coleção de partículas , não haveria este problema, e que neste caso implicaria que a mecânica quântica não seria uma teoria completa (mais tarde em 1935, Einstein, Rosen e Podolsky, publicariam um artigo sobre o tema, e em 1964 J. Bell apresentaria uma proposta de como testar experimentalmente esta hipótese, veja a postagem ESTADOS EMARANHADOS em MECÂNICA QUÂNTICA]). Atualmente existem resultados experimentais, que demonstram fortemente que a proposta da mecânica quântica não ser uma teoria completa, não se sustenta.

Existem diferentes propostas para tentar explicar o que causa o colapso da função de onda, de forma que não seja um postulado, mas uma consequência do modelo teórico.  Mas devido as dificuldades experimentais, ainda não temos condições de dizer quais destas propostas estão corretas.  Talvez nos próximos anos, pelo menos algumas propostas possam ser descartadas com dados experimentais mais precisos. Entender o colapso da função de onda, talvez explique também as razões de não observamos em nosso cotidiano a superposição de estados e os estados emaranhados, típicos de sistemas quânticos.

 

[1] Alguns dados experimentais, indicam que talvez exista uma outra interação que ainda não conhecemos. Mas por enquanto, ainda são hipóteses a serem testadas com mais rigor.

[2]     No  livro A philoshopical essay on probabilities (1814, em francês), Pierre Simon de Laplace, introduz o que atualmente denominamos “Demônio de Laplace”, que seria capaz de determinar com precisão o futuro do Universo (caso tivesse acesso a todas as condições iniciais), expressando uma visão determinista do Universo presente na mecânica newtoniana. Na mecânica quântica, o Demônio de Laplace não conseguiria fazer esta determinação.

[3] Caso esteja curioso como seria escrito na forma de equação, seria algo como Z^ΨV ou Z^ΨA, onde ΨV seria a função de onda da moeda vermelha e ΨA a função de onda da moeda azul (cara),  No caso da figura 2, seria algo como Z^ΨAΦV+ΨVΦA, onde ΨV,ΨA corresponde a função de onda da primeira moeda e ΦA,ΦV corresponde a função de onda da segunda moeda.

[4] Modificada para que tipo de função de onda? Para o que denominamos autofunção do operador que representa a grandeza física, no caso uma função de onda onde “a moeda é cara” (Figura 1a) ou “a moeda é coroa” (Figura 2a).

[5] T. Norsen, Einsten’s boxex, Am.J.Phys, 73 (20, 164 (2005), que pode ser acessado livremente em https://arxiv.org/abs/quant-ph/0404016.

 


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