Luz cansada?
15 de outubro, 2024 às 12:36 | Postado em Astronomia, Cosmologia, Relatividade
Respondido por: Prof. Fernando Kokubun (FURG) - https://www.fisicaseteemeia.com.br/2021/Li que reapareceu a “teoria da luz cansada”: Renasce teoria de 100 anos que descarta Big Bang.
Gostaria de saber se há algum mecanismo capaz de explicar o “cansaço da luz” e quais são as suas contra evidências. Grato!
Logo após a publicação do artigo de Edwin Hubble em 1929 a respeito da velocidade de recessão (afastamento) das galáxias distantes, Fritz Zwick apresentou uma explicação para o deslocamento para o vermelho, sem considerar a expansão do Universo. O deslocamento ocorreria devido a luz ter percorrido uma grande distância entre a fonte emissora e a detecção na Terra, e devido a este longo deslocamento teria perdido energia (estas perdas teriam diversas origens) durante o seu trajeto, ou seja a luz estaria “cansada”. Portanto, a teoria da luz cansada foi uma teoria alternativa para explicar o deslocamento para o vermelho (redshift) observado em galáxias e que não considera a expansão do Universo. Assim, é uma teoria que propõe um Universo estático. [1].
Esta hipótese seria razoável? Talvez no início, mas com o desenvolvimento dos modelos de expansão do Universo e suas consequências, modelos de Universo estático deixavam de ser compatíveis com os dados observacionais. Um resultado importante foi a determinação da nucleossíntese primordial, que descreve a produção dos primeiros núcleos em um Universo em expansão.
George Gamow, um dos proponentes da nucleossíntese primordial, escreve a respeito da teoria da luz cansada em um artigo de revisão de 1949, On Relativistic Cosmology, afirmando que
No entanto, exceto pela declaração descritiva no sentido de que “quanta de luz pode se cansar viajando por um caminho tão longo”, nenhuma explicação razoável para tal avermelhamento foi proposta até agora e, na verdade, dificilmente pode ser esperada com base nas ideias atuais sobre a natureza da luz. Além disso, abolindo a ideia de um universo em expansão, perder-se-ia imediatamente a base sólida para a interpretação de fenômenos evolucionários na astronomia, e será muito difícil responder a perguntas como por que os elementos radioativos naturais ainda existem, por que as estrelas não consumiram todo o hidrogênio há uma eternidade, etc. [2]
Além de não existir nenhum mecanismo minimamente aceitável para explicar o que causaria o “cansaço da luz”, como não existe expansão do Universo, a densidade da Radiação Cósmica de Fundo (RCF) não se alteraria, de forma que o seu espectro também seria diferente ao do observado. A RCF foi descoberta por Arno Penzias e Robert Wilson (o artigo tem acesso livre), que detectaram a presença de um ruído de fundo em todas as direções do céu, que inicialmente acreditavam ser devido a um problema técnico e não um sinal de origem cósmica. Curiosamente, um outro grupo estava preparando um experimento para detectar a Radiação Cósmica de Fundo, e que foram contatados por Penzias e Wilson, que reconheceram imediatamente que o sinal detectado por era o sinal procurado, e o artigo de R.H. Dicke , P.J.E. Peeble, PG. Roll e D.T. Wilkinson , Cosmic Black-Body Radiation foi publicado no mesmo número da revista do artigo de Penzias e Wilson. Este resultado, conjuntamente com a nucleossíntese primordial, são resultados que descartam o nosso Universo como estático.
A figura 2 é uma ilustração entre as diferenças entre um modelo com expansão do Universo e um modelo de cosmologia de luz cansada.
Existem outros dados observacionais que descartam a teoria da luz cansada. Uma delas é a medida do brilho de galáxias distantes. No modelo de um Universo em expansão, o brilho das galáxias distantes é reduzido a devido diversos fatores, sendo possível mostrar que o brilho diminui basicamente como (1+z)⁻⁴ e no modelo da luz cansada em um Universo estático a diminuição como (1+z)⁻¹ , sendo z o redshift da galáxia (caso não tenha estudado cosmologia, podemos associar distâncias com o redshift, e quanto maior a distância, maior será o redshift), e observacionalmente os dados são compatíveis com um Universo em expansão.
A teoria da luz cansada também não é compatível com dados a respeito de Supernovas, a figura 3 retirado do Time Dilation in Type Ia Supernova Spectra at High Redshift de 2008, mostra a compatibilidade dos dados com a expansão do Universo, caso o fosse estático não deveria variar o redshift.
Sobre o constante reaparecimento da teoria da luz cansada, o astrofísico Ned Wright comenta [3] “Eu não acredito que seja possível convencer as pessoa que ainda sustentam a ideia da luz cansada (…) diria que é mais um problema para uma revista de psicologia (…)” .
Notas
[1] F. Zwick não utilizou este termo no seu artigo de 1929 ON THE RED SHIFT OF SPECTRAL LINES THROUGHINTERSTELLAR SPACE e nem posteriormente, de acordo com o artigo de Helge Kragh IS THE UNIVERSE EXPANDING? FRITZ ZWICKY AND EARLY TIRED-LIGHT HYPOTHESES . Para outras teorias de luz cansada, ver por exemplo Wesson, P.S. (1980). The Status of Non-Doppler Redshifts in Astrophysics. In: Gravity, Particles, and Astrophysics. Astrophysics and Space Science Library, vol 79. Springer, Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-009-8999-3_11
[2] Trecho original: However, except for the descriptive statement to the effect that “light quanta may get tired traveling such a long way, no reasonable explanation of such a reddening has as yet been proposed, and, as a matter of fact, can hardly be expected on the basis of present ideas concerning the nature of light. Moreover, abolishing the idea of an expanding .universe, one would immediately lose the sound foundation for the interpretation of evolutionary phenomena in astronomy, and it will be very difficult to answer such questions as to why the natural radio-active elements are still in existence, why the stars did not use up all hydrogen an eternity ago, etc.
[3] ‘Tired-Light’ Hypothesis Gets Re-Tired na seção News of the Week na Science. Texto original: Even so, researchers doubt whether the results will convert tired-light diehards. “I don’t think it’s possible to convince people who are holding on to tired light,” says Ned Wright, an astrophysicist at the University of California, Los Angeles. “I would say it is more a problem for a psychological journal than for Science.”