Interação anti-nêutron e próton, anti-próton e nêutron
13 de novembro, 2023 às 17:13 | Postado em Estrutura da matéria, Física Nuclear, Física de Partículas, Mecânica quântica, Relatividade
Respondido por: Prof. César Augusto Bernardes - IF-UFRGSOlá senhores, por favor matem a minha curiosidade: A interação entre um anti-nêutron e um próton (não um anti-próton) é conhecida? E a de um anti-próton e um nêutron? Minha pergunta tem uma dimensão tanto teórica quanto experimental.
Muito agradecido pela pergunta interessante.
Do ponto de vista experimental: é possível analisar esses tipos de processos em experimentos que têm um feixe de anti-prótons (prótons) e um feixe de nêutrons (anti-nêutrons) e coloque-os para colidir, ou um alvo praticamente em repouso em câmaras de bolhas (esses feixes são possíveis de se fazer utilizando aceleradores de partículas e/ou reatores nucleares). Nesses casos é possível estudar as interações a altas energias (de alguns GeV a vários TeV), i.e., acessando as interações entre os pártons (quarks e glúons) constituintes dos (anti-)prótons e (anti-)nêutrons. Lembrando que os (anti-)nêutrons não sentem a barreira coulombiana dos núcleos [1], podendo adentrar os núcleos e interagir com os prótons e nêutrons. Por exemplo, uma reação observada em experimentos da década de 50 é compatível com: próton + anti-nêutron -> píon^+ + píon^+ + píon^+ + píon^- + píon^- [2]. Uma outra forma que penso ser possível experimentalmente, mas acredito que nunca foi feita, seria análise conhecida como femtoscopia [3] (que pode ser feita em colisores de partículas), onde os (anti-)prótons e (anti-)nêutrons são produzidos em colisões hadrônicas a altas energias (como as do LHC [4]). Essas partículas são emitidas nas colisões e detectadas por detectores próximos ao ponto de colisão. Como as partículas são produzidas em regiões muito próximas (ordem de femtometros, 10^{-15} m), elas acabam interagindo entre si e os efeitos dessas interações podem ser detectados pelas chamadas correlações femtoscópicas entre as partículas, definidas como uma modificação na distribuição da diferença angular entre as duas partículas emitidas (ou diferença de momento) [3].
Do ponto de vista teórico: quando vamos descrever a interação entre partículas subatômicas, precisamos primeiro pensar em que escala de energia estamos considerando e quais interações fundamentais estarão envolvidas. Até o momento, conhecemos quatro interações fundamentais: eletromagnética, fraca, forte e gravitacional [5]. Nas interações entre partículas subatômicas e energias que acessamos nos laboratórios, a interação gravitacional pode ser desprezada em comparação com as demais. Por que é importante sabermos em que escala de energia estamos analisando? Porque a magnitude dessas interações variam com a energia e também possuem um alcance espacial variado (pela relação de de Broglie lambda = h/p, quanto maior a energia usada em uma interação (associada ao momento p das partículas interagentes) menor é a escala espacial investigada (associada ao comprimento de onda lambda), h é a constante de Planck. Quem iniciou toda essa estória de colidir partículas para estudar a estrutura da matéria foi Rutherford e seus estudantes Geiger e Marsden por volta de 1909, eles mandavam partículas alfa (núcleos de Hélio) em alvos de folhas finas de Ouro, devido à energia das partículas alfa de alguns MeV (provenientes de decaimentos radioativos), eles basicamente estavam analisando a interação coulombiana entre os prótons das partículas alfa e os prótons do núcleo do átomo de ouro (existiam também interações com os elétrons dos átomos, mas também de origem coulombiana). Ou seja, processos com mais baixas energias, tendem a privilegiar essas interações de longo alcance, como a eletromagnética. As interações forte e fraca são de curtíssimo alcance (~10^{-15} m e ~10^{-18}m, respectivamente). O (anti-)nêutron sendo eletricamente neutro, as interações eletromagnéticas tendem a ser suprimidas nos processos que você perguntou. Então devemos analisar do ponto de vista de interações de seus constituintes (quarks e glúons). Que de fato, poderíamos ter a interação coulombiana e fraca, mas certamente a maior componente deve ser a interação forte. Ou seja, torna-se parecido ao estudo de interações próton-próton, anti-próton-anti-próton, etc… ou seja, com o estudo da cromodinâmica quântica (QCD) [5], atual teoria utilizada na descrição da interação forte entre quarks e glúons. Por exemplo, a reação entre próton e anti-nêutron que mencionei na parte experimental descrita na Ref.[2] pode ser entendida pela QCD.
Referências
[1] Ver seção 7.8 (Compound State Properties) do Livro: W.S.C. Williams, Nuclear and Particle Physics – Oxford.
[2] L. Agnew et al. , Phys. Rev. 110, 994 (1958).
[3] M.A. Lisa, S. Pratt, R. Soltz, U. Wiedemann, Femtoscopy in Relativistic Heavy Ion Collisions: Two Decades of Progress, Ann. Rev. Nucl. Part. Sci. 55, 357 (2005).
[4] LHC site: https://home.cern/science/accelerators/large-hadron-collider
[5] Paul Langacker, The Standard Model and Beyond (Series in High Energy Physics, Cosmology and Gravitation), 1st Edition, CRC Press.
Não entendi plenamente, mas me parece que muito pouco foi desenvolvido nesta área.
Resposta do Prof. César Augusto Bernardes:
Muito agradecido pelo feedback.
Do ponto de vista de física de altas energias (escala de TeV), ou seja, estudando as interações fundamentais entre os quarks e glúons, eu diria que não tem muitas justificativas de se propor um experimento de colisões anti-nêutron e próton (ou anti-próton e um nêutron) , pois as colisões próton-próton já fazem o trabalho e é bem mais complicado preparar/controlar um feixe de TeV de energia de (anti-)nêutrons.
Agora, do ponto de vista da interação hádron-hádron, i.e., residual de um anti-nêutron e um próton, ou anti-próton e um nêutron. Ou seja, devido à existência dos quarks e glúons que resultam em uma interação residual entre os hádrons, por exemplo, algo parecido ocorre com a interação entre as moléculas de água que sabemos ser proveniente da interação fundamental eletromagnética. Esse tipo de interação, que envolve conhecimentos da cromodinâmica quântica em seu regime não perturbativo, é pouco conhecida de fato. Como citei em minha resposta anterior, a femtoscopia seria algo interessante de se tentar, o problema seria a necessidade de se identificar os (anti-)nêutrons nos detectores, que é bem complicado, já o (anti-)próton é mais fácil de detectar, inclusive temos análises de femtoscopia sobre as interações de prótons e outros hádrons [1].
Referência
[1] ALICE Collaboration, Unveiling the strong interaction among hadrons at the LHC, Nature, 588 232-238 (2020).