Imponderabilidade no filme GRAVIDADE: até quando é possível?
16 de março, 2014 às 19:18 | Postado em Forças inerciais, Gravitação, Mecânica
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Prof. Lang
Observei no filme GRAVIDADE que o estado de imponderabilidade dos objetos dentro da nave na qual a Ryan Stone retorna à superfície da Terra se manteve mesmo após a nave penetrar na atmosfera e já ter se aproximado da superfície do nosso planeta. Portanto o campo gravitacional naquelas altitudes já era bem mais intenso.
A minha pergunta é até que distância da superfície da Terra acontece o estado de imponderabilidade?
Incialmente é bom destacar que a intensidade do campo gravitacional na altitude em que se encontra a Estação Espacial Internacional é cerca de 8,6 N/kg (ou 8,6 m/s^2). Portanto lá em cima o campo gravitacional da Terra é apenas um pouco menor do que na superfície e, portanto, durante a descida pouco muda sua intensidade.
Para o estado de imponderabilidade a bordo da nave o quepossui relevância é que a nave esteja sofrendo uma aceleração idêntica à aceleração da gravidade no local ocupado pela nave. Para tanto a força resultante na nave deve ser idêntica à força gravitacional que a Terra (ou outro corpo atrator) lhe exerça. Uma discussão relacionada com a que faço aqui pode ser encontrada em Por que não sentimos o movimento da Terra em relação ao Sol? e Por que a aceleração da Estação Espacial Internacional não pode ser percebida pelos tripulantes? .
Para que a força resultante sobre a nave seja idêntica à força gravitacional que lhe é exercida, (1) ou a força gravitacional sobre a nave é a única força que lhe é aplicada, ou, (2) havendo OUTRAS forças (como por exemplo a força com a qual a atmosfera resiste ao movimento da nave através dela), estas OUTRAS forças devem possuir resultante nula.
Esta segunda possibilidade é concretizada em aviões especiais que conseguem cumprir a condição de imponderabilidade graças ao fato de que, com os motores e a aerodinâmica do avião, a resultante das forças extra gravidade seja nula no avião. O avião então descreve um arco de parábola consistente com o movimento do projétil SEM outra força exceto a gravitacional (o avião descreve a trajetória galileana para o projétil). Entretanto em aviões o estado de imponderabilidade dura apenas alguns poucos segundos pois não há como manter a condição de imponderabilidade por mais tempo.
A primeira possibilidade está concretizada, por exemplo, na Estação Espacial Internacional, graças ao fato que ela descreve uma órbita exclusivamente regida pela força gravitacional, ou seja, a cada momento tem a aceleração da gravidade. De fato a imponderabilidade no interior da estação (ou de qualquer nave) nunca é perfeita por razões que discuto em MICROGRAVIDADE: Forças de maré na Estação Espacial Internacional? .
Agora discutindo a reentrada da Ryan Stone na atmosfera.
A partir do momento em que a atmosfera produz na nave efeitos relevantes, acaba a imponderabilidade pela razão singela de que a aceleração da nave NÃO é mais idêntica à aceleração da gravidade local. Ou seja, na reentrada É IMPOSSÌVEL que os objetos dentro da nave fiquem “flutuando” como o filme mostra. Ainda que o efeito fosse apenas de um centésimo da gravidade local, um objeto ainda “flutuando” no interior da nave estaria acelerado em relação à nave a cerca de 0,1 m/s^2 e, portanto, se deslocaria para uma parede interna da nave cerca de 5 cm no primeiro segundo a contar do início do efeito, 20 cm no segundo segundo, cerca de 1 m em menos de cinco segundos! Impossível portanto os objetos ficarem “flutuando” como o filme mostra!
“Docendo discimus.” (Sêneca)
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