Heliocentrismo versus Terra Plana
22 de julho, 2017 às 18:04 | Postado em Astronomia, Forma da Terra, Gravitação, História da Ciência, Mítica Terra Plana, Mitos, empulhações, notícias falsas
Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Professor Lang
Tenho sido leitor assíduo das suas postagens combatendo a Terra Plana e também assisti sua palestra no youtube. Parabéns pela sua persistência e didática! Tenho observado que os terra-chatos afirmam que o heliocentrismo foi proposto por Copérnico a mando do papado através dos jesuítas. Dizem também que os heliocentristas são adoradores do Sol e que antes de Copérnico os geocentristas eram terraplanistas. O sr. poderia comentar sobre estas afirmações pois pelo pouco que sei há muitas mentiras aí. Muito obrigado!
As afirmações dos terra-chatos sobre o heliocentrismo possuem um grão de verdade perdido entre muita ignorância e/ou mentiras deslavadas.
Vou começar com o grão de verdade. A retomada da hipótese heliostática – melhor do que chamá-la de heliocêntrica conforme explico em Copérnico NÃO aboliu e usou epiciclos!!! – por Nicolau Copérnico (1473 – 1541) está associada com o ressurgimento na Europa do neoplatonismo conforme discuto no artigo de 2002, intitulado A Premissa Metafísica da Revolução Copernicana, disponível no ResearchGate.
No início do Livro I da “Revolução dos Orbes Celestes” Copérnico explicita a razão de admitir estar o Sol (quase) no centro do universo ao invés da Terra:
No meio de todos os assentos, o Sol está no trono. Neste belíssimo templo poderíamos nós colocar esta luminária noutra posição melhor de onde ela iluminasse tudo ao mesmo tempo? Chamaram-lhe corretamente a Lâmpada, o Mente, o Governador do Universo; Hermes Trimegisto chama-lhe o Deus Visível, a Electra de Sófocles chama-lhe O que vê tudo. Assim, o Sol senta-se como num trono real governando os seus filhos, os planetas que giram à volta dele.
Desta forma fica caracterizada a inspiração estética e metafísica que possibilitou a revolução iniciada por Copérnico e somente consolidada no século XVII. O seu livro foi impresso um pouco antes da sua morte em 1543. A hipótese copernicana do Sol estático e da Terra em movimento de translação e rotação possuía inúmeras objeções mecânicas e astronômicas – além das conhecidas objeções religiosas de católicos e protestantes – que lentamente foram superadas ao longo de mais de um século. O artigo do Prof. Alexandre Medeiros (UFRPe) é uma ótima referência na abordagem de A invisibilidade dos pressupostos e das limitações da teoria copernicana.
Trato especificamente das contribuições de Galileu (1564 – 1642) na superação das objeções à Teoria Copernicana, sejam observacionais a partir de suas investigações celestes com o telescópio iniciadas na primeira década do século XVII, sejam teóricas lançando os fundamentos de uma nova Mecânica, na palestra A Mensagem da Estrelas.
A superação de alguns argumentos contra os movimentos da Terra tiveram que aguardar o advento da Mecânica de Isaac Newton (1643 – 1727). Destaco aqui a objeção relativa à possibilidade de centrifugação de corpos da superfície da Terra resolvida satifatoriamente por Newton. Os terraplanistas, analfabetos científicos, hoje retomam o velho tema, desconhecendo que tal centrifugação não pode acontecer conforme está explicado em Rotação da Terra e centrifugação.
Desta forma percebe-se, que apesar da inspiração metafísica, o triunfo das ideias copernicanas deveu-se aos avanços observacionais/experimentais e teóricos subsequentes a Copérnico.
A geometria da Terra era essencialmente a mesma, seja na velha concepção geocêntrica, seja na revolucionária concepção heliostática de Copérnico. A divergência entre ambas as concepções estava em ser ou a Terra ou o Sol estático. Na figura abaixo vemos a belíssima obra artístico-científica concebida em 1561 pelo matemático, cartógrafo e cosmólogo português Bartolomeu Velho (? – 1568), indicando que naquela época já se conhecia com muita fidedignidade a geografia de nosso planeta. Esta obra representa a integração da cosmologia geocentrista aristotélica com o cristianismo, sendo rica em detalhes quantitativos (sugere-se a inspeção da figura no arquivo em alta da resolução da Wikipedia).
Assim sendo os geocentristas contemporâneos a Copérnico, não tinham dúvidas sobre a esfericidade da Terra e portanto NÃO eram terraplanistas.
Atribuir ao papa, através dos jesuítas, a formulação da concepção copernicana é uma afirmação boçal, repleta de má-fé, típica dos fundamentalistas religiosos que tentam reviver a anacrônica e esdrúxula Terra Plana, concepção superada na Antiguidade Clássica. É por demais sabido que a Igreja Católica nos séculos XVI e XVII tratou duramente os defensores da nova concepção que tirava a Terra do centro do universo. São bem conhecidos os processos e as penas sofridas, por exemplo, Giordano Bruno (1548 -1600) e Galileu.
Tanto o universo copernicano quanto o geocêntrico era fechado na última esfera:a esfera das estrelas. Esta última esfera estaria, de acordo com a figura de Bartolomeu Velho, trinta duas vezes mais distante do centro da Terra do que o Sol e este dezenove vezes mais afastado do centro do universo do que a Lua. Portanto fica evidente que o geocentrismo na época de Copérnico absolutamente nada tem a ver com a Terra Plana coberta pelo Domo da Ignorância Fideísta, onde o Sol e a Lua estão em órbitas PARALELAS à superfície da Terra e ambos a apenas alguns milhares de quilômetros sobre a Terra e por baixo do tal domo. Vide Distância ao Sol na mítica Terra Plana: a razão de as diversas estimativas serem conflitantes! e Mais um exercício terraplanista de dissociação cognitiva na determinação da distância Terra-Sol.
Há muito tempo a concepção copernicana de que o Sol é a fonte de toda luz do universo – explicitada na supracitada transcrição do texto de Copérnico, na qual a luz das estrelas são reflexos da luz solar – foi superada, bem como a posição central que o Sol ocupava. Ou seja, a afirmação de que atualmente os cientistas sejam adoradores do Sol é apenas mais uma, entre tantas, estupidez dos terraplanistas.
Outras postagens sobre a Terra Plana:
Satélites de telecomunicações não existem, afirmou um aloprado terra-chato!
AS ATUAIS TECNOLOGIAS DE TELECOMUNICAÇÕES EVIDENCIAM A ESFERICIDADE DA TERRA
A divergência da luz crepuscular prova que o Sol da Terra Plana está logo ali! Será mesmo?
Duas terraplanistas demonstram em um vídeo que a Terra NÃO é plana!
Aprendendo a partir da discussão sobre a forma da Terra
Sobre o pêndulo de Foucault: resposta a um terraplanista
Domo na Antártica é real e há diversos!
Vide a palestra realizada na UNISNOS em 31/05/2017: Sobre a forma da Terra
Vide o artigo Sobre a forma da Terra
“Docendo discimus.” (Sêneca)
Visualizações entre 27 de maio de 2013 e novembro de 2017: 1404.
Tenho uma pergunta sobre o sistema Heliocêntrico:
Imagine no dia 1 dezembro às 24h é de noite, por exemplo em Paris. A terra faz mais 24h no movimento de rotação, e continua de noite em Paris. E mais 24h, e mais 24, por aí fora até perfazer 6meses.
Ao fim dos 6 meses, a Terra já estará do outro lado do Sistema Solar, e o local onde era noite pelas 24h, já estará virado para o sol e será de dia, pois encontra-se agora no outro lado oposto.
Não sei se me fiz entender.
Se me disser que o dia ao invés de 24h, tiver 23 horas 56 minutos e 4 segundos, e que vai atrasando diariamente 4 minutos no movimento de rotação, para ao fim dos 6 meses Paris continuar de noite (que acho um calculo engenhosamente engendrado), … não teríamos todos nós que acertar os nossos relógios diariamente 4 minutos, que somariam as 12 horas “necessárias” para ao fim de 6 meses Paris continuar de noite às 24h? Não teríamos de atrasar o relógio 4 minutos todos os dias? Pois o meu relógio marca 24 horas por dia e não as 23 horas, 56 min e 4 seg?
A explicação de dia sideral e dia solar não responde à questão.
Atentamente
Nuno Santos
A diferença entre o dia sideral e o dia solar pode ser detectada sem esperar longos período de tempo, bastando que se meça o intervalo de tempo entre duas passagens meridianas (ou culminações) do Sol e de uma particular estrela. Então não há qualquer engenhosidade engendrada pelos astrônomos pois esta diferença decorre de observações cuidadosas e precisas há muito tempo realizadas.
Os relógios do nosso cotidiano se pautam pelo movimento do Sol no sistema de referência da Terra e se estiverem bem calibrados não atrasam e não adiantam sistematicamente ao longo dia solar.
A diferença entre o dia solar e o dia sideral pode ser tanto explicada no velho modelo geocêntrico, quanto no modelo heliocêntrico. Mas esta diferença não pode ser explicada na mítica Terra Plana que é um um geocentrismo esdrúxulo, inconsistente com todo o conhecimento astronômico.
Tu estás muito confuso e não apenas em relação a este tema pois em outras ocasiões explicitamente te declaraste terraplanista. Estas confusões mentais decorrem do fideísmo de antanho que caracteriza os membros das seitas TP. Um ótimo antídoto para a alucinação mitológica é o estudo sério da ciência em geral e da Astronomia em particular. Podes começar com o antídoto em Astronomia e Astrofísica.
Prof. Fernando Lang,
Agradeço a sua pronta resposta que recebeu a minha consideração.
Vou seguir o seu conselho, e levar em conta o nosso inspirado tutor Nicolau Copérnico, e efetuar um estudo exaustivo da metafisica astronomia e astrofísica conhecida.
Muito obrigado pelo esclarecimento e felicidades.
O estudo da metafísica copernicana certamente te auxiliará a romper com a metafísica reacionária dos fideístas terra-chatos. Mas deves aprender também im pouco do conhecimento científico de Copérnico e pós-copernicano para conquistares tua independência intelectual. Olha também Um terraplanista ? considera uma engendração ? os conceitos de dia solar e sideral.