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Fotoluminescência: como converter o laser verde em luz vermelha.

Olá! Me chamo Adriano, sou mestrando em ensino de Física na UFRJ e estou estudando fotoluminescência. Dentre os artigos sobre a fenomenologia, me deparei com alguns que me deixaram intrigado quando ao comportamento da luz do laser. No artigo  Spectral cola or how to turn green laser light red, de Csaba Forró, Xavier Mettan and Thibaud Humair, publicado em 2014 na European Journal of Physics, os autores mostram um experimento de fluorescência, no qual incidem um laser verde na lateral de um copo de coca-cola sem gás, paralelamente à horizontal. Olhando o copo por cima, é possível observar a reemissão da luz em comprimentos de onda maiores, tendendo para o vermelho conforme o laser incide na lateral em pontos mais baixos do copo. A minha dúvida é a seguinte: se os elétrons absorvem a energia dos fótons da luz verde e liberam parte de forma vibracional e outra parte na forma de radiação (comprimento de onda maior), por que a luz continua verde ao sair do copo? Isso é algo que eu vi apenas descrito nos artigos que li, mas nada explicando o motivo. 

 

Respondido por: Professores Ricardo R. B. Correia e Sílvio L. S. Cunha (IF-UFRGS)

RESPOSTA do Prof. Ricardo R. B. Correia (IF-UFRGS):

A fluorescência observada, convertida a partir da absorção da luz do laser, é emitida em direção aleatória podendo ser observada em menor e maior intensidade, de acordo com a configuração das interfaces de liquido e vidro, praticamente em todas direções do espaço. Desta forma, conforme descrito no artigo, grande parte da energia absorvida é transformada em energia radiante em comprimentos de onda mais longos, e espacialmente distribuída.
O feixe de luz que propaga através da garrafa é somente parcialmente absorvido.
De acordo com a figura 4 do artigo, a atenuação do feixe de uma lâmpada foi corretamente medido e extraído o coeficiente de absorção, k.
Entretanto, a potência do feixe do laser utilizado (2W) iluminando áreas da ordem de mm2, ultrapassa em muito o limite de saturação de absorção do meio, o que invalida a utilização da eq. (1).
De acordo com o valor da absorbância para 514,5nm, indicaria que somente um valor < 0,1% da potência original do laser ainda atravessaria o Becker de 3cm, porém a saturação da absorção torna o meio parcialmente “transparente” (menos absorvedor) permitindo a transmissão de uma potência maior do feixe através da solução.
Considerando esse efeito de saturação, vale notar nas fotos que, nos primeiros milímetros da propagação do feixe dentro do Becker, a intensidade da fluorescência produzida permanece praticamente a mesma.

RESPOSTA do Prof. Sílvio L. S. Cunha (IF-UFRGS):

O leitor pergunta: se os elétrons absorvem a energia dos fótons da luz verde e liberam parte de forma vibracional e outra parte na forma de radiação (comprimento de onda maior), por que a luz continua verde ao sair do copo? Isso é algo que eu vi apenas descrito nos artigos que li, mas nada explicando o motivo. A dúvida do leitor decorre do fato que o artigo é realmente omisso nesta explicação, apesar de ser uma questão crucial na interpretação dos resultados observados por eles. A resposta está contida nas figuras 3 e 5 do artigo. O pico grande em 514,5 nm, como os autores mencionam, é a luz do laser. O que eles não mencionam é o porquê esta luz é visível naquela direção, dando a impressão que toda luz vista de cima teria origem na fluorescência. A origem do pico em 514,5 nm é o espalhamento elástico da luz do laser. Por espalhamento entendemos a redistribuição da luz (reemissão em outras direções) sem que ocorram processos intermediários, como absorção e fluorescência. Elástico por que não há perda de energia, ou seja, o fóton espalhado tem a mesma frequência e comprimento de onda do fóton original. O espalhamento de luz, dependendo do objeto que o causa, recebe diferentes denominações, bem como a modelagem teórica e aproximações feitas serão diferentes. Quando ocorre espalhamento de luz por átomos e moléculas é conhecido como “Espalhamento Rayleigh”, que é o fenômeno que explica a cor do céu. Espalhamento por partículas maiores, como por uma névoa formada por gotículas, é chamado de “Espalhamento Mie”, etc. O espalhamento Rayleigh provavelmente explica a maior parte da luz com comprimento de onda de 514,5 nm, vista de cima, que é notável na foto da figura 1 do artigo, para baixas profundidades e fica também evidente pelo grande pico neste comprimento de onda mostrado no espectro da figura 3. Caso ainda houvesse algum resíduo de gás na cola (bolhas de gás), poderíamos ter também espalhamento tipo Mie.

Ainda podemos complementar explicando por que a intensidade do pico em 514,5 nm vai atenuando com a profundidade. A resposta é a mesma que dá origem a fluorescência com comprimentos de onda maiores que o do laser. A luz do laser espalhada na direção vertical pode ser absorvida antes de sair da superfície do líquido, produzindo mais fluorescência. Quanto maior a profundidade, maior a probabilidade que estes fótons sejam absorvidos e redistribuídos na forma de fluorescência, explicando também o aumento da fluorescência, visto na figura 5, em comparação com a altura do pico em 514,5 nm, quando a profundidade aumenta. Esta mesma explicação também serve para explicar por que o pico da fluorescência se desloca para o vermelho quando aumenta a profundidade, como visto na figura 5. Isto decorre também de uma redistribuição espectral da luz em virtude de os comprimentos de ondas mais curtos serem absorvidos com mais eficiências que os comprimentos de ondas mais longos, como mostrados na figura 4. Os autores não deixam isto evidente no texto, mas o consideram e o fazem de maneira absolutamente correta nas simulações apresentadas.

 


2 comentários em “Fotoluminescência: como converter o laser verde em luz vermelha.

  1. Adriano Gomes disse:

    Obrigado pelas respostas, professores! Foram muito esclarecedoras. Mas acabei ficando com mais uma dúvida a respeito do fenômeno. Como a luz do laser é apenas parcialmente absorvida, por que não vemos o feixe de luz verde no líquido, principalmente na região escura?

    • Fernando Lang disse:

      O Prof. Sílvio Cunha responde:
      A resposta a esta questão também está contida na mesma explicação enviada anteriormente. A fração da luz do laser em 514,5 nm que é espalhada é muito pequena comparada com a densidade de fótons em qualquer posição no feixe de laser, o qual vai atenuando de acordo com a lei de Beer-Lambert conforme o laser penetra no líquido. Inclusive a contribuição do espalhamento para a atenuação do feixe do laser é muito pequena, quase desprezível, em comparação com a contribuição da absorção. Estes fótons em 514,5 nm, espalhados na direção vertical, ainda podem ser absorvidos antes de sair na superfície superior do líquido, sendo convertidos na banda de fluorescência entre 514,5 e 700 nm, se somando a fluorescência gerada diretamente da absorção do feixe do laser, como mostrado na figura 3 do artigo. Mesmo assim para baixas profundidades há bastante luz em 514,5 nm, a qual será misturada com a fluorescência, como é mostrado na figura 1 e fica evidente no grande pico em 514,5 nm, mostrado no gráfico da figura 3. A nossa percepção será de uma cor que é a combinação dos fótons em 514,5 com os fótons da banda de fluorescência entre 514,5 e 700nm, por isso aparentemente não enxergamos o “verde” correspondente ao 514,5 nm. Quando o laser passa por uma posição mais profunda no líquido, o caminho dos fótons espalhado até a superfície aumenta e assim aumenta também a probabilidade destes fótons serem absorvidos e convertidos em fluorescência. Por isso quanto mais fundo passa o laser menor a contribuição dos fótons em 514,5 nm para a cor resultante que vemos sair na superfície superior do copo.

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