Fissão nuclear: por que se usa o urânio?
23 de setembro, 2015 às 19:52 | Postado em Estrutura da matéria, Física Nuclear, Física de Partículas, Interações fundamentais
Respondido por: Prof. Michel Emile Marcel Betz - IF-UFRGSPor que se usa Urânio na fissão nuclear e não outros elementos?
Num reator destinado à produção de energia por fissão nuclear, deve ser estabelecida uma reação em cadeia, na qual os nêutrons emitidos na fissão de um núcleo induzem a fissão de outros núcleos, de maneira que o processo possa se manter, precisando apenas ser controlado por um material moderador. Usa-se o adjetivo fissionável para indicar um material no qual a fissão nuclear pode ocorrer e a palavra físsil para indicar um material capaz de sustentar uma reação de fissão em cadeia. Para poder ser utilizado como combustível nuclear, um material natural deve possuir uma meia-vida longa – caso contrário, ele já teria desaparecido por decaimento – mas poder ser preparado de maneira a ser físsil. O material que sabidamente satisfaz estas condições é o urânio, que possui seis isótopos, todos radioativos, sendo a emissão de uma partícula alfa o principal modo de decaimento. O urânio natural é composto, na proporção de 99,3%, de urânio-238, cujo meia-vida é de 4,5 bilhões de anos e, na proporção de 0,7%, de urânio-235, com meia-vida de 704 milhões de anos. A probabilidade de fissão por absorção de um nêutron de baixa energia é muito maior para urânio-235 que para urânio-238 e urânio-235 é o único material físsil existente na natureza. Urânio-238 não é físsil, mas é fértil, o que significa que ele pode ser transformado num material físsil. No caso do urânio-238, a absorção de um nêutron seguida de dois decaimentos beta resulta em plutônio-239, que é físsil. Este isotopo não existe em quantidade significativa na natureza, pois possui meia-vida relativamente curta (24.110 anos) mas, pelo processo indicado acima, ele pode ser produzido a partir do urânio-238 num reator nuclear. A maioria dos reatores utiliza como combustível o urânio natural enriquecido, no qual a porcentagem de urânio-235 foi aumentada de 0,7% até cerca 3% ou mais. Esta proporção de urânio-235 é suficiente para iniciar a reação de fissão em cadeia, que será mantida subsequentemente pelo plutônio-239 produzido.
Além do urânio-235, há um outro isotopo que também é físsil, qual seja, urânio-233. Este isotopo não está presente em proporção significativa no urânio natural, pois a sua meia-vida é de 160.000 anos apenas, mas pode-se indagar se ele não poderia ser produzido a partir de algum outro elemento naturalmente disponível. A resposta é afirmativa e o elemento em questão é tório-232. Na nomenclatura introduzida acima, pode-se dizer que, assim como urânio-238 para a produção de plutônio-239, tório-232 é fértil para a produção de urânio-233. A meia-vida do tório é cerca de 3 vezes a idade da Terra e ele é cerca de 3 vezes mais abundante que o urânio na crosta terrestre, sendo encontrado principalmente na forma de fosfato no minério monazita. As estimativas atuais apontam o Brasil como segunda maior reserva de tório, ficando atrás apenas da Índia. Reatores experimentais que utilizam tório como combustível já operaram ou estão em operação em vários lugares no mundo. Além da maior quantidade de combustível disponível, a produção de energia a partir do tório apresenta a vantagem que o material físsil produzido, urânio-233, é mais fácil de detectar e mais difícil de transportar que plutônio-239, o que limita a possibilidade de desvio para fins bélicos. Outro atrativo do tório como combustível nuclear é que os resíduos do ciclo de combustão permanecem significativamente radiativos durante apenas algumas centenas de anos, podendo então ser armazenados e monitorados em vez de precisar ser soterrados nas profundezas, como se propõe fazer com os resíduos do ciclo do urânio.
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Comentários no Facebook
Philiphe Ferrari – Professor, como é possivel controlar a fissão nuclear e porque não é possivel controlar a fusão?
Fernando Lang da Silveira – Philiphe Ferrari: O Prof. Betz não está no FB mas talvez o Prof. Magno Machado te responda. Aguardemos.
Magno Machado – Oi Philiphe. Fusão nuclear requer altas temperaturas. Numa estimativa semi-clássica vc precisaria duma temperatura da ordem 1 bilhão de kelvins para dar ignição a fusão de prótons. Esta temperatura daria a energia média para os prótons vencerem a barreira coulombiana de repulsão e estarem proximos o suficiente para a fusão. Claro, que no Sol a fusão ocorre a temperaturas mais baixas (15 milhões de K) por vários motivos (distribuição maxweliana da energia dos protons, tunelamento quântico da barreira, alta pressão, etc) Então, o problema relacionado a fusão é como obter estas condições e depois como confinar o plasma gerado na fusão (armadilha magnética é o opção técnica mais conhecida: os tokamaks. Outra técnica é o confinamento inercial, usando lasers). O reator mais famoso em construção é o ITER (veja em https://www.youtube.com/watch?v=cCkp2SEsfao) que deverá usar fusao deutério-tritio (necessária temperatura de 100 milhões de K).
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