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Física do capotamento

Olá, o Sr poderia explicar a física por trás do capotamento? Não achei menções a isso nem no livro do Moyses vol.1 nem Halliday. Tenho a intuição da situação, mas não consigo ter um “insight” da matemática por trás (torque, “velocidade limite”, relação entre a disposição do centro de massa e a tendência do corpo para virar, etc)

Respondido por: Prof. Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/

Discute-se a seguir o caso particular de capotamento de um veículo que descreve uma curva horizontal sobre uma pista de rolamento também horizontal (sem inclinação lateral) e que portanto só pode estar acelerado radialmente pelas forças de atrito entre os pneus e a pista. Na figura 1 estão identificadas as grandezas cinemáticas relevantes à discussão.

Na figura 2, em uma vista de ré do veículo, estão representadas as forças exercidas sobre ele no plano perpendicular ao da velocidade em relação à pista, isto é, as forças de contato com pista (forças normais e de atrito) e o peso do veículo.

No sistema de referência acelerado do automóvel acontece mais uma força, a força inercial centrífuga, exercida no centro de massa, conforme indicada na figura 3.

É fácil de compreender que  a distribuição das forças normais à pista é afetada pela força lateral, a força inercial centrífuga, de maneira semelhante àquela discutida em Distribuição das forças realizadas pelo pavimento em um veículo acelerado. As forças normais nas rodas mais afastadas do centro da trajetória do veículo (rodas no lado direito do veículo na figura 3) crescem quando a aceleração aumenta, diminuindo nas rodas da esquerda.

O tombamento está na iminência de acontecer quando as forças normais concentram-se exclusivamente nas rodas mais afastadas do centro da curva, situação crítica representada na figura 4. Nesta figura também estão indicadas as distâncias que definem a posição do centro de massa do veículo em relação ao ponto de aplicação das forças de contato com a pista.

Nas condições da figura 4 há dois torques em relação ao ponto de aplicação das forças de contato com a pista e estes dois torques devem ter a mesma intensidade. Portanto pode-se escrever a seguinte equação:

F.H = P.D,       (1)

F = P.D/H.      (2)

onde F é intensidade da força inercial centrífuga e P é o valor do peso do veículo.

Para que ocorra o capotamento a intensidade da força inercial deve ser maior do que o valor dado pela equação 2. Portanto a condição de capotamento é

F > P.D/H.      (3)

Desta forma fica evidente que quanto maior é a razão D/H, tanto mais seguro em relação ao capotamento é o veículo.

A intensidade da força inercial F é dada pelo produto da massa M do veículo multiplicada pela aceleração a do veículo em relação à pista (no caso discutido aqui é o valor da aceleração centrípeta, explicitado na figura 1). Então a equação 3 pode ser reescrita como

M.a > M.g.D/H.      (4)

a > g.D/H.              (5)

A equação 5 expressa portanto uma condição cinemática para a ocorrência do capotamento, estabelecendo o valor que a aceleração lateral do veículo deve ter para que ele aconteça.  Como a aceleração lateral, determinada exclusivamente pelo atrito dos pneus com a pista, está limitada pelo coeficiente de atrito estático entre os pneus e a pista, sendo seu valor máximo semelhante ao valor da aceleração da gravidade (vide seção II de Um interessante e educativo problema de cinemática elementar aplicada ao trânsito de veículos automotores) em pavimentos secos, obtém-se como condição extrema que

   a ≅ g                    (6)

e substituindo na equação 5 encontra-se

g > g.D/H,              (7)

H > D.                     (8)

A condição dada pela equação 8 pode acontecer com caminhões de carga e então o tombamento em curvas, ocasionando grave acidente de trânsito, é possível se a velocidade exceder o limite preconizado para tal rodovia (vide Prevenção do capotamento). Mas para automóveis usualmente H < D, implicando que o capotamento, quando a interação dos pneus com o pavimento é apenas por atrito, está descartado. Acelerações laterais em automóveis podem ser suficientemente grandes para a ocorrência do capotamento quando as rodas batem em obstáculos resistentes, praticamente inamovíveis, como meio fios ao longo da pista.

Esta discussão está disponível em documento pdf no Research Gate: Física do capotamento.

Outra postagem sobre tema relacionado com este: Razão para a eficiência maior do freio dianteiro sobre o traseiro em veículos automotores.

“Docendo discimus.” (Sêneca)


3 comentários em “Física do capotamento

  1. Jussiê disse:

    Boa noite professor Lang, muito boa descrição da situação física em questão. Para fins de parêntese, em situações desse porte, na ocorrência do deslocamento do centro de gravidade do sistema carro-passageiros, poder-se-ia inferir uma alteração nessas condições abordadas em sua exposição?

    • Fernando Lang disse:

      A mudança na posição do centro de massa ou do centro de gravidade só é possível se partes do veículo se deslocam em relação a outras partes. Tal pode acontecer com cargas líquidas ou com cargas sólidas não solidárias ao restante do veículo. Então esta movimentação muda os valores de H e D, afetando a estabilidade do veículo.

  2. Kevin disse:

    Obrigado, professor

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