Estabilidade nuclear
6 de fevereiro, 2014 às 17:11 | Postado em Física Nuclear, Física de Partículas
Respondido por: Prof. Magno Valério Trindade Machado - IF-UFRGSProfessor, em uma reação nuclear de captura de Nêutron, por exemplo, Hidrogênio tornando-se Deutério e emitindo raios gama, por que o raio gama é liberado?
Eu sei que é por equilíbrio de energia no núcleo, mas não consigo visualizar bem esse tal equilíbrio. Poderia o senhor esclarecer? Abraço!
Iniciemos com a questão sobre a estabilidade (equilíbrio) nuclear. Um conceito chave neste caso é a energia de ligação nuclear, E_L. Basicamente, seria a energia necessária para separar as partículas que compõem o núcleo (prótons e nêutrons, os chamados nucleons). Portanto, núcleos mais estáveis estão relacionados a energias de ligação maior. Teoricamente ela contabiliza a energia cinética relativa dos constituintes e a sua energia potencial de interação (interação forte entre nucleons e a coulombiana entre prótons). Do ponto de vista prático podemos obter indiretamente a energia de ligação nuclear a partir da diferença de massa dos seus constituintes livres e a massa do núcleo ligado, M(Z,A). Ou seja, (E_L/c^2) = [Zm_p+ (A-Z)m_n] – M(Z,A), onde (A-Z)=N dá o número de nêutrons. Os resultados experimentais para a energia de ligação dos núcleons estáveis são bem conhecidos e são descritos teoricamente no escopo dos modelos nucleares, como o modelo da gota nuclear. Dado um conjunto de isóbaros (mesmo A), conseguimos a partir destes modelos teóricos determinar quais elementos são mais estáveis. Isto se dá pela determinação de qual deles têm máxima energia de ligação ou mínima massa M(Z,A). Se confeccionarmos um diagrama mostrando o número de nêutrons (N) como função do número e prótons (Z) para os núcleos estáveis e seus isótopos instáveis, chamado diagrama de Segrè (vide abaixo), veremos que os estáveis estão localizados em regiões bem definidas, chamados vales de estabilidade. Para núcleos leves isso ocorre para núcleos com Z=N e para núcleos maiores temos N>Z (algum excesso de nêutrons é crucial para a estabilidade nuclear dos grandes núcleos, pois contrabalança a repulsão coulombiana crescente dos prótons).
Em geral, analisamos a energia de ligação por nucleon (E_L/A), ou seja, a energia média necessária para arrancar um nucleon do núcleo. Sabemos que energia de ligação por nucleon para núcleos mais leves (de H ao Fe) cresce rapidamente com o número de massa A, há um máximo localizado próximo ao A=60 e depois decresce suavemente para os elementos mais pesados (há ainda núcleos com energia de ligação extremamente alta comparado com vizinhos próximos, associados a números específicos de Z e N, os chamados números mágicos). Este fato tem implicações claras em processos nucleares: (a) processos de fusão nuclear de elementos leves produzindo um mais pesado são energeticamente favoráveis para A<60 pois o elemento final terá energia de ligação nuclear por nucleon maior que os elementos iniciais e portanto com maior estabilidade que eles; (b) processos de fissão nuclear de elementos pesados com A>>60 são energeticamente favoráveis pois os elementos produto da fissão têm número de massa menor que o pai e portanto terão maior energia de ligação por nucleon. Em ambos os casos as reações são exoérgicas, ou seja, há liberação de energia no processo. Esta energia pode se revelar na massa de repouso de particulas produzidas no processo e/ou na forma de energia cinética daquelas. O exemplo dado se refere exatamente a um processo de fusão nuclear de próton+nêutron produzindo o dêuteron. Se compararmos as massas dos nucleons livres m_H=1.007825 u e m_n = 1.008665 u com a massa do deutério m_D = 2.014102 u veremos que ele tem massa menor que seus constituintes livres e esta diferença dá realmente a energia de ligação do dêuteron. Ou seja, Delta_M = [m_H+m_n] – M_D = 0.002388 u. Usando a famosa equação de Einstein para a relação entre massa e energia, mostramos que esta diferença de massa corresponde a uma energia de E_L = Delta_M*c^2 = (0.002388 u)*c^2. Convertendo para unidades de megaeletrovolts, com 1 u = 931.47 MeV/c^2, obtemos E_L = 2.224 MeV. Esta energia do processo exoérgico é emitida na forma de fótons, que não têm massa de repouso. Ainda sobre captura de nêutrons, quando este é capturado por núcleos pesados, o novo isótopo gerado em geral é formado num estado excitado (não no estado fundamental de menor energia) e portanto decairá via decaimento gama (emissão de fótons) de maneira similar a emissão de fótons no caso de desexcitação eletrônica. A diferença agora é a energia típica destes fótons, da ordem de MeV para decaimento gama comparado com fótons de ordem de eV no caso eletrônico.
Finalmente, analisemos a questão sobre por que certas partículas específicas podem ser emitidas e outras não nos processos que analisamos (ou em processos entre partículas elementares). Temos basicamente três fatores a serem levados em consideração: (a) a energia disponível no processo; (b) o tipo de interação fundamental que resulta naquele processo e (c) as leis de conservação de números quânticos no processo (conservação de carga, número bariônico, número leptônico, etc.). Vou dar um exemplo que pode ser elucidativo. O seguinte processo de decaimento do próton em repouso p –> e+ + fóton, onde e+ é um pósitron, não é observado. A princípio ele não é proibido pelo item (a), pois a massa de repouso do próton pode ser convertida na massa de repouso de pósitron e energia cinética para o fóton com folga e também não viola conservação da carga (carga antes e após decaimento ainda é +e). O problema aqui é que, no Modelo Padrão, o número quântico número bariônico é conservado: temos um bárion (o próton) no início e nenhum bárion no final (temos um lépton carregado positivamente e o fóton). Um contra-exemplo é o decaimento do nêutron livre, n –> p + e- + nu_e*, onde e- é um elétron e mu_e* é o anti-neutrino do elétron. Aqui temos conservação de número bariônico (bárions n e p antes e após o processo), carga é conservada (carga líquida total final ainda é zero) e condição (a) é obedecida, pois nêutron tem massa de repouso ligeiramente maior que o próton. A pergunta que fica é por que aparece este anti-neutrino do elétron aqui. A resposta é por que o processo deve conservar número leptônico eletrônico e portanto o elétron deve ser acompanhado por um lépton que tenha número leptônico contrário e ainda ser da mesma família leptônica (um neutrino do elétron não serviria pois ele tem o mesmo número leptônico que o elétron). Lembre que antes do decaimento não há nenhum lépton (apenas o nêutron) e que para conservarmos número leptônico, o número leptônico final total deve ser zero.
Segue link para slides sobre os assuntos tratados aqui: http://prezi.com/hlvn8nszin3e/propriedades-gerais-do-nucleo/
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