E se o experimento de Torricelli para medir a pressão atmosférica fosse feito com água ao invés de mercúrio?
17 de agosto, 2014 às 10:33 | Postado em Estática de Fluidos, Gás e vapor
Respondido por: Fernando Lang da Silveira - www.if.ufrgs.br/~lang/Olá
Gostaria de saber a relação entre o célebre experimento realizado por Evangelista Torricelli em 1643, e o experimento utilizado por professores de física atualmente para se calcular a pressão do ambiente. Teoricamente, o experimento é o mesmo, a grande diferença é o líquido utilizado: ao invés de mercúrio, água. Desde já, agradeço.
Atenciosamente, Vitória Pereira, Caxias do Sul/RS
A diferença no uso do mercúrio em vez de água NÃO está apenas na densidade do mercúrio.
O experimento de Torricelli com mercúrio até pode ser feito em sala de aula com os devidos cuidados. Ou se pode mostrar ou referir um “barômetro de Torricelli” pois até hoje tal instrumento é fabricado. Aqui um manual do Barômetro_incoterm
Um “barômetro de Torricelli” permite medidas com incerteza da ordem de 1 mm Hg (13,6 mm H20) ou cerca de 130 Pa. Tais incertezas são suficientemente pequenas para medir não apenas o abaixamento da pressão atmosférica nos históricos experimentos do Puy-de-Dôme (montanha na França apresentada na foto da Wikipedia abaixo) em 1648, realizados por Florin Pérrin, para testar a “hipótese do oceano de ar” de Pascal. Pérrin constantou, ao subir cerca de 1000 m na montanha, que a coluna de seu barômetro de mercúrio diminuiu em mais de 8,5 cm. Alguns dias depois, ao subir cerca de 50 m na torre da catedral de Clermon-Ferrand, Pérrin registrou que a coluna de mercúrio baixou em 4 mm.
Um barômetro de água é muito difícil de ser feito pois o tubo dentro do qual ficaria a coluna de água teria mais de 10 m de comprimento. Mesmo que um dispositivo como esse fosse construído, as medidas de pressão seriam muito mais imprecisas do que com um barômetro de mercúrio.
Na parte superior do tubo contendo o líquido se estabelece o “vácuo de Torricelli“. Aquela região, aparentemente evacuada em um tubo com mercúrio, contem VAPOR de mercúrio que vaporizou do líquido. Como a pressão do vapor de mercúrio a 25º C é cerca 0,002 mm Hg ou cerca de 0,3 Pa, a existência de vapor é irrelevante para a medida da pressão atmosférica, já que a precisão da medida com tal instrumento é cerca de 1 mm Hg ou 130 Pa.
A pressão de vapor saturado da água a 25º C é cerca de 10 mil vezes maior do que a do mercúrio, cerca de 3000 Pa ou 20 mm Hg ou 30 cm H20. A pressão de vapor saturado da água varia sensivelmente com a temperatura, determinando que diferenças de temperatura de alguns graus repercutam em mudanças sensíveis na pressão de vapor. Adite-se a isto que a água usualmente tem gás (ar) dissolvido e este se separa da água em baixa pressão. Desta forma a região superior de um suposto barômetro de água estaria inundada de gás e vapor a uma pressão muito maior do que a do “vácuo de Torricelli” propiciado pelo mercúrio; a pressão na parte acima da água seria então maior do que 30 cm H20. Um barômetro de água teria uma coluna de água com altura inferior aos 10,3 m usualmente referido em livros didáticos. Ou seja, a coluna de água não atingirá 10 m de altura e variará de forma sensível com as mudanças na temperatura ambiente.
Portanto a afirmação que um barômetro com água teria uma coluna de água com cerca de 10,3 m não é correta. Este valor não decorre de um experimento real mas de um “experimento de pensamento” ultra simplificado que desconsidera os efeitos da pressão de vapor e de gases que ocorrem na parte superior, acima da água.
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