É fake! Não existe yoga ou coach quântico.
31 de janeiro, 2020 às 9:37 | Postado em Mecânica quântica, Mitos, empulhações, notícias falsas
Respondido por: Profa. Débora Peres Menezes (IF-UFSC), Profa. Marcia Barbosa e Prof. Pedro Grande (IF-UFRGS)Esta postagem trata de uma empulhação que prolifera na internet enganando incautos e ignorantes: o uso inapropriado do termo quântico
É fake! Não existe yoga ou coach quântico. Se não é microscópico, não é quântico.
Há décadas Florianópolis esperava pela reabertura da Ponte Hercílio Luz, seu principal ponto de referência. No dia 30 de dezembro de 2019, ela foi reinaugurada com intensa programação cultural. Infelizmente, espetáculo de tamanha magnitude para a querida Ilha apareceu maculado por uma aula de “Yoga quântica”. Yoga é uma prática de atividade física clássica, por que chamar de quântica?
Na contramão do desenvolvimento científico, as pseudociências têm encontrado terreno fértil para a sua disseminação nos tempos atuais. A apropriação do termo quântico aparece junto a diversas propostas de “curas, “terapias” (thetahealing, mantras e barras de access, apometria, etc) e até treinamento (coaching). Os eventos naturais do cotidiano ocorrem no limite da física clássica. Esta teoria formulada e testada desde os tempos de Galileu e de Newton explica uma grande gama de fenômenos do mundo macroscópico. Quando uma pessoa se move na rua, dirige um carro, joga futebol, anda de avião, de bicicleta ou de skate, observa o movimento das marés dos oceanos, está vivenciando um fenômeno descrito pela física clássica.
Se tudo isso é clássico, o que é quântico? No início do século passado, alguns experimentos que envolviam o comportamento de elétrons não puderam ser explicados por essa física clássica e vários cientistas, dentre os quais Planck, Bohr, Heisenberg, Schroedinger, Pauli, de Broglie, Dirac e também Einstein, elaboraram uma nova teoria: a física quântica. Ela tem o seu limite de validade restrito ao mundo microscópico, que se dá a partir de uma escala que é no mínimo dez bilhões de vezes menor que o metro. Nesse mundo, os estados de energia aparecem quantizados, isto é, são múltiplos de números inteiros e, para passar de um para outro, são necessários saltos quânticos. Estes saltos ocorrem quando um elétron pula de um nível de energia para outro. Estes degraus, apesar de serem muito sutis, são bem conhecidos pelos cientistas e são descritos por uma constante muito pequena, a constante de Planck (h), que é proporcional a 1 na trigésima quarta casa decimal (h= 6,62 x 0,0000000000000000000000000000000001 J.s). A física clássica é como subir ou descer uma rampa, a quântica é como subir ou descer uma escada.
Apesar de nascer no mundo microscópico, a física quântica em alguns casos traz algumas consequências no dia a dia. Um exemplo é usar o chinelo como isolante para fazer trabalhos elétrico. Condutores são materiais com elétrons livres e, por isso, fazem a eletricidade fluir. A borracha, usada nos chinelos, não tem elétrons livres a energia elétrica em geral não é suficiente para fazer os elétrons presos nos níveis quânticos se soltarem. Este fenômeno quântico ocorre microscopicamente, mas, como ocorre com todos os átomos do material, resulta em um efeito macroscópico. Nos dias atuais, cientistas projetam e controlam sistemas que usam a física quântica. A dependência tecnológica dessa física que ocorre na microescala é enorme e ela é utilizada nos componentes eletrônicos dos nossos celulares, nos exames radiológicos e diagnósticos que fazemos, nos satélites que nos trazem informações de outras partes do universo, na leitura dos códigos de barra e QR-codes e até na comunicação criptografada que será utilizada nos computadores do futuro, os computadores quânticos.
E a ioga, o “coaching” e terapias “alternativas” podem ser quânticos? Estes exemplos são em geral usos indevidos do termo. Um exemplo de uma terapia que verdadeiramente usa mecânica quântica é a hadronterapia, usualmente feita com prótons. Hádrons são partículas que sentem a força nuclear e os prótons, um dos tipos de hádrons, são componentes do núcleo do átomo. Após serem acelerados a energias muito altas são jogados contra as células de pacientes com câncer. Normalmente as terapias usuais contra câncer destroem não somente as células malignas, mas igualmente as células boas localizadas antes e depois do câncer. Os prótons têm a característica de interagir pouco com a matéria antes do câncer, muito com as células na região cancerígena e de, simplesmente, não ultrapassar o limite da região na qual o câncer está localizado. Os prótons, entre outros processos, ativam níveis de energia, arrancam elétrons de diversos níveis de energia, provocando ionização da matéria o que produz a destruição das células malignas. Esta terapia fundamental para tratar câncer nos olhos, na cabeça ou mesmo no seio esquerdo (protegendo assim as coronárias) ainda não está disponível no Brasil, apesar de termos grupos de pesquisa, como o do Laboratório de Implantação Iônica da UFRGS, capazes de fazer avanços importantes na técnica. Infelizmente a lógica dos administradores públicos é que é mais simples deixar proliferar as terapias “fake quânticas” do que financiar uma terapia realmente quântica.
É espantoso o fato de haver tantos terapeutas e coaches que dizem entender tão bem da física quântica, enquanto os físicos precisam de anos de estudo para verdadeiramente compreendê-la. É ainda mais surpreendente que essas pessoas utilizem conceitos que só podem ser verificados no mundo microscópico para lidar com práticas completamente clássicas. Por que fazer isto? O uso indevido da marca física quântica é uma tentativa de usufruir da credibilidade alcançada pela ciência. A pseudociência não tem, no entanto, o compromisso de seguir os preceitos do conhecimento. Os terapeutas quânticos nunca dizem que experimento foi feito para corroborar o fenômeno quântico usado, não sabem o valor das energias envolvidas e como suposto fenômeno é capaz de promover saltos quânticos.
Em caso de dúvidas sobre algo ser quântico ou “fake” quântico, vale a regra: se o fenômeno não faz parte do mundo microscópico, não é quântico.
Vide também Quântica e terapias e Manifesto de professores de Física condena pseudociência “quântica” na FURG.
Vídeos da Professora Débora: Enganações Quânticas, Enganações Quânticas II.
Não é o olhar humano que modifica o processo físico, mas o processo físico que modifica o olhar humano. O observador não colapsa a onda!
Olá, Daniel. Iniciei recentemente estudos em mecânica quântica e computação quântica de forma autodidata antes de ingressar nos estudos formais em uma universidade.
Sua afirmação me chamou a atenção, pois ainda não tive contato com esse raciocínio exposto por você. Ela está baseada em qual interpretação da mecânica quântica?
Abraços.